terça-feira, 4 de maio de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Presidente periférico

Folha de S. Paulo

Pandemia escancara despreparo e desconexão institucional da aventura Bolsonaro

Jair Bolsonaro era um deputado periférico que em circunstância excepcional sagrou-se presidente. A imagem que se firma dele a cada desdobramento da política é a do presidente que se torna periférico.

Como se viu no sábado (1º), ele arrasta para as ruas um séquito assemelhado aos que acompanham os charlatães religiosos. São pessoas ressentidas com os limites que a Constituição de 1988 impõe à tirania, a expor pautas e retalhos de ideias exóticos, cuja inviabilidade num país complexo como o Brasil do século 21 vai ficando evidente.

Compelidos a camuflar os lemas escancaradamente golpistas de outrora, os bolsonaristas de parada agora destampam um “Eu autorizo”. A psicanálise poderá explicar que essas figuras liliputianas estão expressando a mensagem contrária: não podem nada; não autorizam nada fora das regras do jogo.

Em paralelo, a administração Bolsonaro vai se despedaçando, o que atrai excêntricos e oportunistas para seus escombros. Desfaz-se em bravatas, comentários demófobos, fracassos e inoperância a ambiciosa agenda reformista do ministro Paulo Guedes (Economia).

Sentindo cheiro da presa encurralada, enquanto se reduz a expectativa de poder em torno do presidente além de 2022, os partidos do centrão avançam sobre cargos e verbas com a voracidade dos visigodos no último assalto a Roma.

Começa para efeito prático nesta terça (4) a CPI da catástrofe sanitária, que o governo não logrou evitar nem conseguirá controlar.

A comissão de senadores não tratará de tema abstrato, diante das mais de 400 mil mortes, cifra ainda em forte expansão. Tampouco terá dificuldade para assentar a irresponsabilidade da gestão federal, e do presidente da República em particular, no combate à pandemia.

Bolsonaro mostrou-se incapaz de recomendar cautelas à população cuja vida corria risco e de compadecer-se com enlutados. Foi vetor de aglomerações e atitudes lesivas à saúde. Sua incompetência —direta e derivada de auxiliares ineptos que nomeou— privou o país de dezenas de milhões de doses tempestivas de vacina, de drogas e oxigênio para doentes que sufocavam.

A pandemia, com seus desafios prementes e ubíquos, concorreu para escancarar todas as fraquezas políticas e gerenciais constitutivas da aventura Bolsonaro. O potencial danoso do despreparo técnico, aliado à desconexão orgânica com partidos e agentes institucionais, tornou-se indisfarçável sob o crivo da emergência sanitária.

Não surpreende que Jair Bolsonaro vá retornando às margens do sistema, agora trajando a faixa presidencial. Decisões importantes para o país contornam o Palácio do Planalto —anomalia que se tenta arrastar penosamente até 2022.

Democracia aviltada

Folha de S. Paulo

Elogiada por Eduardo Bolsonaro, manobra afronta o Judiciário em El Salvador

Em mais um avanço do autoritarismo em El Salvador, a nova Assembleia Legislativa, de ampla maioria governista, destituiu cinco membros da Suprema Corte do país, assim como o procurador-geral.

Os magistrados expulsos integravam a Câmara Constitucional do tribunal —responsável por julgar ações de inconstitucionalidade e habeas corpus, além de disputas entre os demais Poderes— e vinham tomando decisões contrárias aos interesses do controverso presidente Nayib Bukele.

Eleito em 2019 com um discurso populista e messiânico, Bukele vem desde então provando seu pouco apreço pelos ritos e instrumentos da democracia.

No início do ano passado protagonizou uma grotesca invasão do Congresso, acompanhado de policiais e militares com roupas camufladas e armados com fuzis, para pressionar os parlamentares a aprovar um empréstimo para a compra de equipamentos às forças de segurança nacionais.

Meses depois, já durante a pandemia, seu governo foi acusado por organismos de direitos humanos de promover abusos por meio das medidas de isolamento.

Pessoas suspeitas de estarem infectadas com o vírus passaram a ser encerradas, por tempo indeterminado e sem receber os devidos cuidados, em centro de confinamento; quarentenas localizadas foram aplicadas a fim de abafar protestos contra o governo, com o Exército sendo colocado nas ruas para fazer cumprir as regras draconianas.

Nos últimos meses, o presidente travou uma batalha com a Câmara Constitucional por causa dessas e de outras medidas referentes à pandemia, consideradas inconstitucionais pelos magistrados.

Com a vitória acachapante de seu partido nas eleições legislativas de fevereiro, Bukele ganhou terreno livre para dar o troco, substituindo os membros recalcitrantes da Corte por juízes alinhados a ele.

Embora prevista na Constituição, a exoneração dos magistrados, que não haviam cumprido nem metade do mandato de nove anos, carrega uma indisfarçável disposição do presidente de aparelhar o Judiciário e minar o sistema de freios e contrapesos, numa concentração de poder inédita desde o fim da guerra civil do país, em 1992.

A manobra foi condenada por entidades internacionais, como a ONG Human Rights Watch, e pelo governo americano. Recebeu elogios reveladores, porém, do deputado Eduardo Bolsonaro (PSL-SP).

Demonstração de fraqueza

O Estado de S. Paulo

Mais uma vez, o presidente Jair Bolsonaro associou-se a manifestações de caráter claramente golpista. O mote dos protestos, realizados no sábado em diversas capitais, foi resumido na palavra de ordem “Eu autorizo” – referência a uma recente declaração de Bolsonaro segundo a qual ele estava apenas esperando um “sinal” do “povo” para “tomar providências”, pois “o Brasil está no limite”. Os manifestantes, portanto, deram sua “autorização” para Bolsonaro agir.

É ocioso especular sobre a representatividade das manifestações a partir de seu tamanho – que, ademais, não foi mensurado. Mas pode-se afirmar que, ao contrário de demonstrar força, os protestos revelaram a fraqueza crescente do governo.

As manifestações antecederam a semana em que estão previstos os depoimentos de todos os ex-ministros da Saúde do governo Bolsonaro e do atual, Marcelo Queiroga, na CPI da Pandemia. Ou seja, foram programadas com o claro objetivo de intimidar os senadores que vão começar a levantar questões potencialmente embaraçosas para o governo.

Sem articulação política decente no Senado, o governo vem sofrendo sucessivas derrotas. Foi incapaz de impedir que a CPI ganhasse assinaturas suficientes para sua instalação, não conseguiu influenciar a indicação dos integrantes da comissão e ainda fez o papelão de tentar impedir na Justiça, sem sucesso, a indicação do desafeto Renan Calheiros para a relatoria.

A Bolsonaro restou, portanto, contar com a truculência de suas falanges para transformar a política em briga de rua. É o recurso de quem perdeu quase toda a sua já escassa capacidade de interlocução nas instituições democráticas, reduzindo de forma drástica seu poder de influenciar o debate nacional. Cada vez menos brasileiros levam o presidente a sério.

É por isso que Bolsonaro tornou a ameaçar com “providências” caso o “povo” lhe desse uma “sinalização”. Como costuma acontecer, o presidente não disse com todas as letras quais seriam essas “providências”, mas, nas outras oportunidades em que fez as mesmas ameaças, mencionou sua condição de “chefe supremo das Forças Armadas” e chegou a falar do Exército como se fosse sua guarda pretoriana.

Ou seja, Bolsonaro deixa no ar a possibilidade de articular um golpe – tal como defenderam explicitamente seus simpatizantes nas manifestações de sábado – com o argumento de que as instituições democráticas não o deixam governar, situação que, segundo a versão bolsonarista, levou o País à beira do caos.

No momento, o único caos está no Palácio do Planalto. O resto do País enfrenta com bravura e serenidade a enorme crise que o bolsonarismo agravou. A despeito da fome, do desemprego, da escassez de vacinas e da falta de perspectivas, não se vê entre os brasileiros o nível de inquietação que Bolsonaro aponta. Na verdade, o presidente parece ávido por um pretexto para exercitar sua vocação autoritária.

É aí que entram os manifestantes que foram às ruas para “autorizar” Bolsonaro a tomar “providências”. Esses seriam o “povo” de que fala o presidente, razão pela qual Bolsonaro os prestigiou sobrevoando um dos protestos a bordo de um helicóptero da Força Aérea. Não lhe pareceu imprudente vincular-se a um ato que chamou o Supremo Tribunal Federal de “organização criminosa”, entre outras barbaridades.

Um dos filhos do presidente, o deputado Eduardo Bolsonaro, foi mais longe e, com a máscara no queixo, discursou num carro de som. Outro filho, o senador Flávio Bolsonaro, que criticou a instalação da CPI da Pandemia sob o argumento de que promoveria aglomeração e colocaria a vida dos senadores em risco, elogiou em suas redes as “ruas lotadas em todo o Brasil” – ocupadas por gente aglomerada e sem máscara.

O envolvimento dos Bolsonaros em irresponsáveis manifestações golpistas em plena pandemia mostra que o clã presidencial, acuado, está decidido a dobrar a aposta tanto no desafio à democracia como no menosprezo pela vida de seus compatriotas. Cabe à CPI, bem como às instituições de Estado, impedir, serenamente, que esse repto prospere.

O leilão da Cedae

O Estado de S. Paulo

É um marco no saneamento básico e no programa de privatizações

O êxito do megaleilão de concessões da Companhia Estadual de Águas e Esgotos do Rio de Janeiro (Cedae), realizado no dia 30 de abril na B3, marca uma mudança drástica no panorama do saneamento básico no País. Não é o primeiro leilão sob as regras do novo marco do saneamento básico (o da empresa responsável pelos serviços de Maceió iniciou a série), mas é o maior projeto de infraestrutura que o setor público transfere para ser operado por empresas particulares. Só por esse motivo a concessão da Cedae pode ser chamada de simbólica.

Mas há outros aspectos que reforçam esse simbolismo. Trata-se de uma empresa que era controlada pelo governo do Estado do Rio de Janeiro, cuja longa crise – provocada por administrações corruptas ou apenas incompetentes que o ocupam há muitos anos – comprometia sua gestão, impedia a realização dos investimentos indispensáveis numa área crítica para a qualidade de vida e condenava milhões de brasileiros a conviver com más condições de saúde. Nesse sentido, o êxito do megaleilão marca o início de uma nova etapa da Cedae, que deve ser, como se espera, comprometida com o atendimento eficaz das necessidades das regiões sob sua responsabilidade.

Mais ainda, o leilão marca o encerramento de um mês em que o setor público transferiu para a iniciativa privada diversos projetos de infraestrutura – em operação, em construção ou em planejamento – que preveem investimentos de quase R$ 50 bilhões nos próximos 30 ou 35 anos. É um grande estímulo para o desenvolvimento, sobretudo quando se observa que, na atual administração federal, muito pouco ou quase nada que dependa de decisões do governo tem sido feito com algum êxito nessa direção.

Os números envolvidos no caso das concessões da Cedae são, por si sós, impressionantes. Elas propiciarão a arrecadação total de R$ 22,7 bilhões em outorga de três dos quatro lotes oferecidos (o quarto não teve oferta final). Os vencedores comprometem-se a investir R$ 27 bilhões ao longo dos 35 anos de contrato de concessão. Estima-se que cerca de 11 milhões de pessoas passarão a ser atendidas por uma empresa agora administrada por gestores privados. Isso representa aumento de mais de 30% na população com disponibilidade de serviços de saneamento básico oferecidos por operadores privados.

O Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) tem programados cinco outros leilões na área de saneamento básico para serem realizados até o primeiro semestre de 2022. Cada projeto terá uma formatação própria, dependendo de suas características. Podem ser de concessão plena, o que inclui produção e distribuição de água e coleta e disposição final de esgoto. Outros podem ser por meio de Parcerias Público-Privadas. Os investimentos previstos são de R$ 17 bilhões, para o atendimento de 10,4 milhões de pessoas.

Apesar de sua importância na melhora das condições de vida da população e, sobretudo, na proteção da saúde das crianças, o saneamento básico tem recebido muito pouco investimento público. O governo já admite que a meta de universalização dos serviços em 2033 não será alcançada. Hoje, cerca de um terço da população não dispõe de serviços de coleta de esgotos e cerca de 15% não têm água encanada. A privatização acelerará a expansão desses serviços.

Com projetos formatados de maneira adequada, equilibrando a oferta de serviços à população e a remuneração dos investimentos, o capital privado tem interesse em participar do programa de privatizações. Esta é uma forma produtiva de retirar o Estado de atividades nas quais demonstrou incompetência gerencial e incapacidade financeira – e as quais não poucas vezes permitiu que se transformassem em focos de corrupção.

Só em abril foram realizados com êxito leilões de aeroportos, trechos ferroviários, rodovias e terminais portuários, que, além de propiciar receitas ao governo, resultarão em investimentos de R$ 48 bilhões nas próximas décadas.

Lições de uma aventura

- O Estado de S. Paulo

Cassação do ex-governador Witzel expôs o risco de dar poder a aventureiros

O sonho de Wilson Witzel era entrar para a história como um dos grandes expoentes da chamada “nova política”, como se convencionou chamar uma espécie de movimento que, na verdade, se revelou nada mais do que uma mixórdia de candidatos que ganharam projeção eleitoral ao explorarem as insatisfações da sociedade com o exercício da chamada política tradicional. Candidatos desta cepa obtiveram significativo êxito nas eleições de 2018.

Em março daquele ano, Witzel deixou uma carreira de 17 anos na magistratura federal para se filiar ao PSC e concorrer ao governo do Rio de Janeiro. Numa ascensão meteórica, o então desconhecido ex-juiz foi eleito governador do Estado com o segundo maior PIB do País, obtendo 59,87% dos votos válidos no segundo turno contra o experiente Eduardo Paes (40,13%), hoje prefeito da capital fluminense. O Palácio Guanabara era apenas um local de passagem nos planos mais arrojados de Witzel, como ficou claro pouco tempo depois de seu triunfo eleitoral. Seu objetivo final era chegar ao Palácio do Planalto.

Mas, se numa noite de 2018 Witzel foi dormir sonhando com o governo do Estado e, depois, com a Presidência da República, na manhã de sábado passado ele acordou para uma dura realidade. De fato, havia entrado para a história, mas de uma forma bem distinta da que planejara. Wilson Witzel se tornou o primeiro governador eleito a ter seu mandato cassado definitivamente em um processo de impeachment.

Em que pese a gravíssima acusação de corrupção no curso da pandemia que, formalmente, ensejou a abertura do processo de impeachment contra o ex-governador – em grande medida embasada na delação premiada de um ex-secretário de Saúde que ainda haverá de ser devidamente escrutinada pela Justiça –, a cassação de Witzel decorre de um erro primário para alguém como ele, com pretensões políticas grandiloquentes: o desprezo pela atividade política.

Esta visão perniciosa sobre a política e os políticos em geral, que está longe de acometer apenas o ex-governador do Rio, é fruto da crença de que basta capturar corações e mentes de determinada parcela da sociedade e amplificar seus anseios como se estes fossem a representação inequívoca da vontade de todos os “justos”, dos chamados “cidadãos de bem”. Como Witzel, muitos foram eleitos em 2018 apregoando um projeto de purgação do País. O presidente Jair Bolsonaro foi o maior beneficiário desta falácia.

Os placares que selaram o destino de Wilson Witzel, que está inelegível pelos próximos cinco anos, dão a dimensão de seu isolamento político. A abertura do processo de impeachment contra o agora ex-governador foi autorizada pela Assembleia Legislativa do Rio de Janeiro (Alerj) por 69 votos a zero. Na comissão especial que analisou o pedido, Witzel foi derrotado por 24 votos a zero. Já o Tribunal Misto encarregado de julgá-lo, composto por cinco deputados e cinco desembargadores do Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro (TJ-RJ), o condenou por 10 votos a zero. Witzel caiu sozinho, e não houve quem erguesse a voz em seu auxílio, fosse no Parlamento, fosse na sociedade mesma que o elegeu.

Para o bem do País, o triste exemplo vindo do Rio de Janeiro há de servir como profilaxia contra novas aventuras na seara da política, que, em geral, não terminam bem quando despreparados são alçados a posições de poder sobre o destino de milhões de cidadãos. Wilson Witzel atuou muito bem no papel de sacrossanto defensor da moralidade pública, vendendo aos eleitores a falsa imagem de impoluto magistrado que, uma vez investido de um cargo no Poder Executivo, remediaria a política de seus malfeitores. No poder, revelou-se um engodo.

A política deve ser exercida por gente vocacionada, por quem a veja como o principal meio de concertação dos múltiplos interesses coletivos, e não por aventureiros irresponsáveis. No ano que vem, os brasileiros voltarão às urnas e terão mais uma oportunidade de escolher bem quem deve exercer em seu nome tão nobre atividade.

Erro do governo levou à suspensão da segunda dose

O Globo

Por seguirem a orientação do Ministério da Saúde — usar todo o estoque para a primeira dose, de modo a acelerar o ritmo da campanha de imunização —, prefeituras acabaram ficando sem vacinas para o reforço, ao menos da CoronaVac, que responde por cerca de 70% do total. Cidades de 15 estados, incluindo sete capitais, tiveram de suspender ontem a segunda dose da vacina. A interrupção, mais uma, entrou no radar da CPI da Covid, que pretende ouvir o ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, e o ex Eduardo Pazuello.

Os contratempos com a segunda dose são mais um exemplo da desorganização e da falta de planejamento que marcam a campanha de vacinação. Em 19 de fevereiro, Pazuello tinha dito aos prefeitos que não era necessário reservar vacinas para a segunda dose, mesmo sem garantia de que não faltariam. Quase duas semanas depois, o Ministério da Saúde informou o contrário: era preciso guardá-las. Em 20 de março, nos últimos dias de Pazuello na pasta, o ministério voltou atrás e orientou os municípios a não fazer reservas. No dia 26, já na gestão de Marcelo Queiroga, o governo mudou de ideia de novo e recomendou que as prefeituras estocassem vacinas para a segunda dose.

A escassez de CoronaVac é atribuída ao atraso na chegada do Ingrediente Farmacêutico Ativo (IFA) da China. Devido às remessas irregulares, o Instituto Butantan não conseguiu cumprir o cronograma pactuado com o governo para entregar 46 milhões de doses. Na sexta-feira, enviou ao Programa Nacional de Imunização (PNI) mais um lote de 420 mil doses, insuficiente para suprir as necessidades. O governo não deu prazo para regularizar a situação.

A interrupção da segunda dose acontece justamente no momento em que haveria motivo para otimismo. O Brasil dispõe da maior quantidade de vacinas desde o início da campanha — a maioria da Oxford/AstraZeneca. Na sexta-feira, o PNI recebeu 7 milhões de doses da Fiocruz e do Butantan. No fim de semana, mais 4 milhões do consórcio Covax, capitaneado pela OMS. A esperança é que, com esses 11 milhões, o país possa aumentar o ritmo para 1,5 milhão de vacinados por dia — hoje, somando primeira e segunda doses, está em torno de 1 milhão. Daria para imunizar todo o grupo prioritário (80 milhões) até junho, três meses antes do previsto. A ressalva é que, até agora, nenhuma projeção do tipo foi cumprida.

Os gargalos são conhecidos. A campanha está amparada basicamente em duas vacinas: CoronaVac e AstraZeneca, produzidas no Brasil, mas dependentes de importação do IFA. O Ministério da Saúde já comprou 100 milhões de doses da Pfizer/BioNTech e 40 milhões da Janssen. Foi feita uma entrega da Pfizer, mas o grosso da encomenda só deverá chegar no último trimestre.

Com 15% de vacinados em três meses, o Brasil paga o preço de não ter comprado vacinas quando deveria, no ano passado, e de ter feito apostas equivocadas — a escassez de vacinas será um dos principais temas das investigações da CPI. Apesar de expressivo, o estoque recebido no fim de semana dá para cerca de dez dias. O resto é incerteza. A meta do governo Bolsonaro — vacinar toda a população até o fim do ano — depende de uma série de condições, e não apenas no Brasil. A única certeza é que, em muitos municípios, os idosos que forem hoje aos postos de vacinação tomar a segunda dose da CoronaVac perderão a viagem.

Desentendimento entre Brasil e Argentina paralisa o Mercosul

O Globo

As divergências entre os integrantes do Mercosul transformaram a reunião virtual do dia 26 de março, comemorativa dos 30 anos de existência da união aduaneira, numa oportunidade para reclamações. As divergências se ampliaram na semana passada, com outra reunião tensa entre os ministros da Economia de Brasil e Argentina, Paulo Guedes e Martín Guzmán. Eles trocaram farpas em torno da intenção de Brasil e Uruguai de abrir o bloco a maior competição externa.

Irônico, Guzmán afirmou que a “mão invisível de Adam Smith é invisível porque não existe”. Guedes contra-atacou dizendo que “mais da metade dos Prêmios Nobel em economia foi para economistas da Universidade de Chicago”, símbolo do liberalismo econômico no mundo acadêmico, onde Guedes estudou.

Não se discute que o bloco formado por Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai ganhou peso com o tempo. Mesmo setores ainda fora do acordo, como a indústria automotiva, funcionam de modo integrado. Mas o tratado nunca evoluiu para a união completa das economias da região, como preconizava a visão original que o inspirou. A principal razão para isso é o protecionismo que mantém intactos mercados sabidamente improdutivos (exemplo citado com frequência é a exclusão do açúcar do acordo, proteção à ineficiente indústria argentina).

Para expor a economia do bloco a maior competição e ganhar produtividade, o governo Bolsonaro sugeriu um corte linear de 10% na Tarifa Externa Comum (TEC). O governo argentino peronista de Alberto Fernández discorda. Protecionista, admite reduções pontuais, mas não um corte linear para todos os produtos. A visão brasileira, que conta com o apoio do presidente do Uruguai, Lacalle Pou, está correta, na medida em que maior abertura comercial seria benéfica para todos, em particular para o Brasil, uma das economias mais fechadas do mundo.

O desentendimento da Argentina com o Brasil tem efeito paralisante e amplia ainda mais o desafio para a sobrevivência do Mercosul como bloco. Depois da desavença entre Guedes e Guzmán, ficou marcado mais um encontro em 30 dias, com a participação dos ministros de relações exteriores. Poderá ser decisivo.

A bandeira defendida pelo governo brasileiro, e também pelo uruguaio, é que, diante do impasse, haja maior flexibilização para que cada integrante realize acordos bilaterais de livre comércio. O Brasil considera que agir em bloco emperra acordos comerciais, como aconteceu no caso do tratado com a União Europeia.

Ao mesmo tempo, é difícil acreditar que, sozinho, o Brasil tivesse chegado a um entendimento nos mesmos termos com os europeus. Sem falar que, se o acordo está empacado, isso hoje é resultado mais da tolerância brasileira com a devastação da Amazônia do que de qualquer deficiência argentina. Para o Mercosul se modernizar, ficar mais flexível e mais aberto ao mundo, os dois países precisam, primeiro, eles mesmos entrar em acordo.

Efeito da covid 19 na educação vai da evasão à desigualdade

Valor Econômico

Se não forem compensadas, as aulas perdidas podem reduzir em cerca de 8% a renda ao longo da vida dos estudantes

Um dos temas mais controversos ao longo da pandemia é a efetividade de se fechar as escolas para conter o contágio pelo novo coronavírus. Não há dúvida, no entanto, a respeito do impacto negativo da suspensão das aulas para os estudantes, a educação, o futuro do mercado de trabalho e a própria economia. Uma série de pesquisas começa a dimensionar o problema.

Estudo da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), em conjunto com a Unesco, Unicef e o Banco Mundial calcula que, no ano passado, 1,5 bilhão de estudantes ficaram sem aulas por períodos variados em 188 nações, constituindo um dos grupos mais afetados pelas medidas para conter a pandemia. A OCDE nota que as taxas de infecção na população não têm correlação com o número de dias em que escolas estiveram fechadas. Países com taxas de infecção semelhantes suspenderam as aulas por períodos diferentes.

Mas o estudo ressalta uma coincidência nefasta: países com o pior resultado no teste Pisa, que compara globalmente o desempenho de estudantes de 15 anos, tenderam a fechar as escolas por períodos mais longos em 2020. Mais especificamente, os que fecharam as escolas secundárias por maior tempo estão entre os 54% cujos estudantes tiveram pior desempenho nos testes de leitura do Pisa de 2018. Para piorar, em muitos desses casos, os estudantes não tiveram acesso ao ensino remoto nem receberam apoio para aprender por conta própria. As perdas de aprendizagem durante a pandemia vão acentuar a desigualdade no ensino com consequências sociais negativas não só dentro de cada país como entre as nações.

A OCDE endossa pesquisa dos economistas Eric Hanushek e Ludger Woessmann, que calcularam quanto o fechamento das escolas vai contribuir para a redução do PIB de 19 países, incluindo o Brasil, até o fim do século. Com as escolas fechadas por quatro meses em 2020, as perdas variam de US$ 504 bilhões para a África do Sul a US$ 15,5 trilhões para a China, e foram estimadas em US$ 2,1 trilhões para o Brasil. Com as escolas fechadas o dobro do tempo, as perdas geralmente dobram, como no caso do Brasil, onde atinge US$ 4,2 trilhões.

Mas o ônus recai sobre os indivíduos. Hanushek e Woessmann estimam que os estudantes podem esperar salários 3% menores ao longo de suas vidas a cada três meses perdidos de aprendizado, não importa em que estágio está. Com outro recorte, o Fundo Monetário Internacional (FMI) calcula que, se não forem compensadas, as aulas perdidas podem reduzir em cerca de 8% a renda ao longo da vida dos estudantes brasileiros da faixa de 10 a 19 anos - é o dobro da perda média estimada para a América Latina.

Para a Unicef, os mais afetados são os estudantes mais novos, que têm nas escolas fonte de alimentação e não só de aprendizagem. São especialmente prejudicadas as crianças mais vulneráveis e as que não têm acesso ao ensino à distância. A suspensão das aulas deve aumentar a evasão na América Latina e Caribe, segundo o organismo, causando um retrocesso de oito anos na educação na região, acentuando a pobreza e desigualdade. Já há números da Unicef que medem isso no Brasil, onde o abandono escolar passou de 1,4 milhão antes da pandemia para 5,5 milhões de estudantes, o equivalente a 15% da população entre 6 anos e 17 anos. Esse número representa um retrocesso de 20 anos.

A situação dos mais velhos não é muito melhor. Sem aulas para frequentar, os adolescentes também não estão encontrando trabalho. O grupo dos “nem-nem” chegou a 25,5% dos jovens de 15 a 29 anos que nem estudavam nem trabalhavam no último trimestre de 2020, o maior percentual em oito anos da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, do IBGE, segundo levantamento da pesquisadora Thais Barcellos, da consultoria IDados (Valor 29/4). Ao longo do ano, chegou a atingir 30%. Quando o mercado de trabalho encolhe, os jovens são geralmente os mais afetados.

A situação vai exigir um esforço extra das autoridades para superar os danos causados pela interrupção das aulas e para reverter a tendência à evasão. Os investimentos em educação são um dos instrumentos mais eficientes na redução da desigualdade, conforme constatou o Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades (Made/USP), diminuindo em quase 10% o índice de Gini. O efeito é louvável, mas não é o único. Investir em educação promove a competitividade do país e deve fazer parte de um necessário plano de recuperação para superar os efeitos danosos da covid-19.

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