quinta-feira, 6 de maio de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Autoincriminação

O Estado de S. Paulo

Em discurso, Jair Bolsonaro fez ontem violenta defesa de medicamentos inúteis contra a covid-19. Bravatear é o que resta a ele, já que foi incompetente para esvaziar a CPI

Já se disse que o único trabalho da CPI da Pandemia será o de organizar as inúmeras evidências de que o governo de Jair Bolsonaro comportou-se de maneira irresponsável e muitas vezes criminosa em relação à pandemia de covid-19. E o presidente Bolsonaro colabora, diariamente, com novas provas.

Ontem, Bolsonaro chegou a ponto de produzir essas provas no exato momento em que o ex-ministro da Saúde Nelson Teich prestava depoimento à CPI. Enquanto o ex-ministro confirmava aos senadores que deixou o Ministério da Saúde, depois de menos de um mês no cargo, porque descobriu que não teria autonomia e porque foi pressionado a estimular o uso de medicamentos inúteis contra a covid-19 a título de “tratamento precoce”, Bolsonaro discursava fazendo violenta defesa desses remédios.

“Canalha é aquele que critica o tratamento precoce e não apresenta alternativa. Esse é um canalha”, disse o presidente ao mesmo tempo que seu ex-ministro da Saúde dizia que o “tratamento precoce” é um erro – tal como já fizera na CPI outro ex-ministro da Saúde de Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta, anteontem. Esse erro recebeu vultoso investimento do governo federal, ao passo que a compra de vacinas foi deixada até recentemente em segundo plano.

Em outubro de 2020, quando o País já contabilizava quase 160 mil mortos, Bolsonaro questionou a ânsia por uma vacina. “Não sei por que correr”, declarou na época. No mês seguinte, disse que “o povão parece que já está mais imunizado” porque não ficou em casa, sugerindo que a vacina era desnecessária.

O presidente desestimula sistematicamente a vacinação, dizendo que “ninguém pode obrigar ninguém a tomar vacina”, e espalha suspeitas sobre efeitos colaterais do imunizante. Ao mesmo tempo, Bolsonaro e seu governo fazem forte campanha pelo uso de cloroquina.

No discurso de ontem, o presidente chegou a sugerir que a oposição ao uso da cloroquina contra a covid-19 é motivada por interesses comerciais dos laboratórios que produzem vacinas. “Por que não se investe em remédio? Porque é barato demais”, disse Bolsonaro.

Mas o pronunciamento delirante não parou aí. Bolsonaro insinuou, à sua maneira trôpega, que os chineses produziram o vírus em laboratório para ter ganhos econômicos: “É um vírus novo, ninguém sabe se nasceu em laboratório ou nasceu porque um ser humano ingeriu um animal inadequado. Mas está aí. Os militares sabem o que é guerra química, bacteriológica e radiológica. Será que não estamos enfrentando uma nova guerra? Qual o país que mais cresceu o seu PIB? Não vou dizer para vocês”.

Ou seja: não contente em sabotar a vacinação e estimular o consumo de remédios sem eficácia, o presidente insiste em hostilizar a China, inventando uma mirabolante “guerra bacteriológica” que só existe nas postagens de lunáticos das redes sociais.

A histeria bolsonarista denota desespero. O presidente parece intuir que sua situação política ficará a cada dia mais insustentável diante da exposição pública, na CPI, das extravagâncias, todas fartamente documentadas, cometidas por seu governo ao longo da pandemia. E estamos apenas no segundo dia de depoimentos na comissão, que certamente ainda reservará muitos dissabores para o governo – especialmente quando o ex-ministro Eduardo Pazuello resolver dar o ar da graça.

Totalmente à mercê da insanidade das redes sociais, Bolsonaro imagina que o País se intimidará com seus arreganhos. Tornou a dizer que editará um decreto para restabelecer “a liberdade para poder trabalhar” e “nosso direito de ir e vir”, em referência às medidas de restrição adotadas em Estados e municípios. E acrescentou: “Se eu baixar um decreto, vai ser cumprido, não será contestado por nenhum tribunal”.

Bravatear é o que resta a Bolsonaro, já que seu governo, incompetente para conter a pandemia, foi igualmente incompetente para esvaziar a CPI. Sua única competência parece ser a de produzir provas contra si mesmo. Um presidente que, cobrado a usar máscara, diz que “já encheu o saco isso, pô”, como fez em seu discurso, não precisa de detratores.

Uma voz de liderança

O Estado de S. Paulo

Principal ponto do discurso de Biden foi o resgate da esperança de seus governados

Na semana passada, os norte-americanos voltaram a ouvir a voz de um líder que, genuinamente, reúne os atributos inerentes à condição, a começar pelo entendimento dos desafios que se apresentam para a nação e pela consciência de que governa para todos, e não apenas para os que o elegeram. Assim Joe Biden se dirigiu ao Congresso dos Estados Unidos pela primeira vez como presidente, reforçando o apelo por união nacional e pela defesa da democracia, que foi a tônica de sua campanha eleitoral.

Um ponto que merece especial destaque no discurso de Biden, que marcou os primeiros cem dias de seu governo, é o resgate da esperança de seus concidadãos. Poucas habilidades são mais necessárias em um governante do que a capacidade de despertar uma visão promissora do futuro em seus governados.

Uma pesquisa feita pela rede de televisão CBS revelou que 85% dos espectadores classificaram como “positivo” o primeiro pronunciamento do presidente ao Congresso, ante apenas 15% que o classificaram como “negativo”. Outro levantamento, este feito pelo Pew Research Center, mostrou que 59% dos norte-americanos aprovam os primeiros cem dias de governo Biden. O democrata só está atrás, segundo o mesmo instituto, de Ronald Reagan (67%) e Barack Obama (61%).

Aliada à confiança no trabalho do governante, a esperança de dias melhores no seio da sociedade norte-americana é o elemento central para o sucesso de todas as arrojadas políticas públicas que Biden pretende implementar, com o apoio do Poder Legislativo, para tirar os Estados Unidos da “pior crise econômica desde a Grande Depressão”, da “maior ameaça à democracia no país desde a Guerra Civil” e da “mais grave pandemia em mais de um século”, além de, como se não bastasse, recuperar a posição de liderança do país em uma variedade de questões muito caras à chamada comunidade internacional, em especial a defesa do meio ambiente e o combate às mudanças climáticas.

“Há cem dias”, disse Biden aos congressistas, “esta casa (os Estados Unidos) estava em chamas. Agora, depois de apenas cem dias, posso dizer à nação: os Estados Unidos estão em movimento novamente. Estão trabalhando novamente. Estão sonhando novamente. Liderando novamente. Nós estamos mostrando a cada um de nós e ao mundo que nos Estados Unidos não se desiste.”

Ciente de que nada poderá ser feito por sua administração sem que a tragédia da pandemia seja superada – até o momento, morreram mais de 570 mil americanos em decorrência da covid-19 –, Biden prometera aplicar 100 milhões de doses de vacina durante os cem primeiros dias de seu governo. Com pouco mais de um mês na Casa Branca, o presidente revisou a meta e a ampliou para 200 milhões de doses. Hoje, qualquer cidadão maior de 18 anos está apto a receber a vacina contra a covid-19 nos Estados Unidos. Durante o discurso no Congresso, Biden conclamou os norte-americanos à vacinação. “Saiam de casa, vão receber sua vacina, ela está disponível para todos.”

Temas muito sensíveis para os norte-americanos, como o racismo, a violência policial, o controle de acesso às armas e a desigualdade social, não foram deixados de lado por Biden em seu discurso, o que o aproximou da ala dita mais progressista do Partido Democrata, que, antes de sua indicação como candidato do partido à Presidência, temia que um eventual governo Biden seria “mais do mesmo da velha política de Washington”. Não será, como se pôde ver no dia 28 passado.

Para bancar parte de seu plano de recuperação econômica e concessão de benefícios sociais, Biden defendeu o aumento da carga tributária de empresas e de bilionários, o que já é chamado pela imprensa dos Estados Unidos como o “fim da era Reagan”, com o Estado sendo alçado à posição de destaque na indução da economia. A ver. Tudo dependerá de como responderão a sociedade e o Congresso. A sinalização, até aqui, foi positiva.

Contágio freado, PIB acelerado

O Estado de S. Paulo

Economia avança nos EUA e em países com melhores ações contra a pandemia

Estados Unidos e China puxam mais uma vez o crescimento mundial, seguidos de longe pelas maiores potências da Europa, enquanto o Brasil se move com dificuldade, emperrado por um governo preso nas próprias confusões e incapaz de proporcionar segurança à produção. Com vacinação avançada e muito estímulo federal, a economia americana cresceu no primeiro trimestre à taxa anualizada de 6,38%, segundo a estimativa inicial publicada pelo governo. O avanço em relação aos três meses finais de 2020 foi de 1,56%. Na China, o Produto Interno Bruto (PIB) aumentou 0,6% em relação ao quarto trimestre do ano passado, perdendo ritmo em relação ao fim de 2020, mas a meta oficial é uma expansão igual ou superior a 6% em 2021. Os dois países são destinos muito importantes para as exportações brasileiras.

O firme desempenho das duas maiores economias do mundo, em 2021, aparece nas projeções das entidades multilaterais. O PIB americano deve aumentar 6,4% e o chinês, 8,4%, de acordo com estimativas do Fundo Monetário Internacional publicadas em abril. Em março, a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE) divulgou previsões de 6,5% para o crescimento dos Estados Unidos e de 7,8% para o da China. A zona do euro deve ser bem menos dinâmica, de acordo com as duas instituições: 4,4%, pelos cálculos do Fundo, e 3,9%, pelas contas da OCDE.

As duas entidades coincidem ao apontar 3,7% como crescimento provável da economia brasileira neste ano. Há mais otimismo nessa expectativa, no entanto, do que nos números produzidos por economistas brasileiros. O PIB do Brasil deve crescer apenas 3,08% em 2021, segundo a mediana das projeções obtidas pelo Banco Central na pesquisa Focus.

Não está claro, por enquanto, se a economia brasileira chegou a crescer no primeiro trimestre. Ainda se esperam os números oficiais de março da indústria, do comércio e dos serviços. No fim do primeiro trimestre, empresários industriais e do varejo mostraram-se descontentes com o ritmo dos negócios, segundo pesquisas de índices de confiança. Mas um ponto é dado como quase certo por alguns analistas: positivo ou negativo, o resultado trimestral ficará muito próximo de zero, na comparação com os três meses finais de 2020.

O Brasil perderá a corrida também para vários países latino-americanos, se as projeções do FMI estiverem certas. Na média, o PIB da América Latina deve crescer 4,1%, a mesma porcentagem estimada para a América do Sul. Foram calculadas taxas de 5,8% para o Chile, 4,6% para a Colômbia, 4,5% para a Argentina e 4,3% para o México.

Várias dessas economias encolheram mais que a brasileira, em 2020, e por isso o crescimento, agora, é estimado sobre uma base mais baixa. Mas, de modo geral, o desempenho desses países havia sido melhor que o brasileiro por muitos anos e esse é um detalhe importante. Além disso, as finanças públicas de vários desses vizinhos estão em melhores condições que as do Brasil e seu endividamento público é bem menor.

A pandemia continua assolando a maior parte da América do Sul, mas a condição de alguns países ainda é menos desastrosa que a brasileira. No maior e mais populoso país da região, os erros e omissões do governo têm favorecido a difusão do coronavírus e de suas variantes. Também isso mantém o Brasil em enorme desvantagem diante dos Estados Unidos, da China e de outras áreas onde a crise sanitária foi enfrentada com maior seriedade, sem estímulos a aglomerações e sem relaxamento prematuro das condições de segurança.

O Brasil também se destaca negativamente, nessas comparações, pela propaganda oficial de remédios inúteis e até perigosos, como a cloroquina, e pela pregação de um indefensável “tratamento precoce”.

Nenhuma pessoa séria atribuiria a fraqueza da economia brasileira às medidas de segurança contra a pandemia. A economia do Brasil já ia muito mal em 2019. Resultados invejáveis têm ocorrido onde houve boas ações sanitárias, com imunização rápida e economia guiada por decisões tão competentes quanto as da política de saúde.

Fiasco tributário

- Folha de S. Paulo

Lobbies e falta de liderança de Bolsonaro minam chance de reforma dos impostos

Mais uma vez ficou evidenciada a dificuldade do sistema político em levar adiante a reforma tributária, uma das pautas essenciais para a modernização do país.

Grupos de interesse, conflitos federativos e falta de liderança do governo Jair Bolsonaro abortaram a melhor chance de avanço verificada nos últimos anos, e as perspectivas são novamente incertas.

Desta vez, a oportunidade se perde por conta de um brusco recuo regimental. O presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), decidiu dissolver a comissão mista que analisava o tema após a leitura do relatório final, jogando a reforma no limbo político.

A justificativa foi o prazo vencido de funcionamento da comissão, o que traria insegurança jurídica. Mas, mesmo que o argumento formal possa ter alguma procedência, a razão de fundo é a falta de acordo sobre o rumo a seguir.

A proposta apresentada pelo relator agora destituído, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), era ambiciosa, prevendo a unificação dos impostos e contribuições sobre bens e serviços, acabando com qualquer cumulatividade e instituindo a cobrança no local de destino.

Apesar de o texto contar com apoio expressivo entre especialistas, não eram poucas as dificuldades políticas. A fusão ampla desses tributos sempre foi combatida pelo governo federal, temeroso de que a negociação em torno do fim do ICMS estadual e do ISS municipal levasse a compensações a cargo da União aos entes federativos.

A ideia do governo é começar a unificação apenas do PIS e da Cofins federais, com espaço para adesão posterior de estados e municípios. Há críticas a essa opção, que não garantiria tal convergência.

Qualquer proposta parcial, entretanto, também amplia o protagonismo de interesses setoriais, numa guerra sem fim de versões de ganhadores e perdedores.

O maior responsável pela oportunidade perdida é o Planalto, que deveria conduzir a discussão e conter a voracidade dos governos regionais sobre as receitas federais.

Com a decisão de Lira, aparentemente mais alinhado à visão do Planalto, o cenário mais provável agora é um fatiamento, com maior chance de tramitação de uma reforma dos tributos federais —o que não deixaria de ser positivo, embora insuficiente.

Mesmo na timidez, contudo, há riscos. Não está claro se o governo voltará a temas controversos, como a péssima ideia de um imposto similar à CPMF, o que novamente tumultuaria a discussão.

Vai se fechando também a janela política para a outra vertente fundamental —as mudanças na taxação da renda de empresas e pessoas físicas para tornar a carga tributária brasileira menos injusta.

Retrocesso político

Folha de S. Paulo

Propostas como a do distritão poriam a perder avanços duramente conquistados

Alguns falcões americanos até imaginaram que criar democracias seria simples. Bastaria derrubar, “manu militari”, o tirano de turno e organizar eleições livres. O fracasso dos experimentos no Afeganistão e no Iraque mostra que as coisas são bem mais complicadas.

Para funcionar, democracias exigem instituições minimamente sólidas, que não se materializam do nada. Um sistema judicial eficiente, por exemplo, precisa operar por tempo suficiente para revelar suas mazelas, que a sociedade tentará corrigir com mudanças incrementais, que também demandarão tempo para mostrar resultados.

Algo parecido vale para o sistema eleitoral, embora um grupo de parlamentares do centrão pareça estar empenhado não em aperfeiçoar as normas, mas em destruir avanços duramente conquistados.

É o que se depreende de propostas que a recém-instalada comissão de reforma política da Câmara vai discutir. Estão na pauta o distritão e a flexibilização das cláusulas de desempenho, entre outros itens.

Esse par de ideias desfaz as poucas alterações promissoras que, depois de anos de discussões, foram introduzidas no sistema.

Um diagnóstico relativamente consensual da política brasileira é o de que a proliferação de partidos com pouca ou nenhuma coerência ideológica eleva demais o custo de formação de uma coalizão parlamentar governista.

A legenda com maior número de deputados federais, o PT, tem pouco mais de 10% da Câmara, onde pululam 24 siglas com representação.

Depois de muitas idas e vindas e batalhas judiciais, a última reforma política adotou medidas que irão aos poucos reduzir o número de partidos políticos.

As duas mais importantes são as cláusulas de desempenho, que tiram verbas e outras benesses de legendas que não obtiverem um mínimo de votos, e a proibição de coligações em eleições proporcionais.

Já o distritão desponta como um golpe de misericórdia nas legendas. No atual sistema, os votos proporcionais são dados à sigla, que tem direito a um número de cadeiras correspondente à soma dos sufrágios que recebeu. Pela norma proposta, os postulantes concorreriam diretamente uns com os outros, incluindo os de uma mesma sigla, sem nada a unir correligionários.

O pressuposto da ideia de política como autocorreção e avanços incrementais é que a reforma de hoje não anule a anterior. O Congresso precisa evitar o retrocesso.

Não dá para adiar ainda mais a reforma tributária

O Globo

É ocioso, ainda que infelizmente necessário, repetir a situação dantesca do sistema tributário brasileiro. Somos o país do mundo onde as empresas perdem mais tempo lidando com impostos, em média 1.501 horas por ano segundo o Banco Mundial. Somos, num grupo de 100 economias, aquela de maior complexidade tributária, de acordo com estudo das universidades alemãs Paderborn e de Munique. É lamentável, portanto, a extinção da Comissão Mista da Reforma Tributária pelo presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL). A decisão, tomada alegadamente por questão regimental, significa na prática mais atraso na conclusão de uma das mais necessárias reformas na agenda de desenvolvimento do país — e uma das discussões mais avançadas no Congresso.

A melhor proposta em debate é a PEC 45, de autoria do deputado Baleia Rossi (MDB-SP), que unifica a cobrança de cinco impostos (PIS, Cofins, IPI, ICMS e ISS) num único Imposto sobre Bens e Serviços (IBS), com transição escalonada ao longo de dez anos. Criado nos moldes dos Impostos sobre Valor Adicionado (IVA), comuns nas economias mais avançadas, o IBS traria simplificação à barafunda tributária brasileira, acabaria com a guerra fiscal predatória entre os estados e permitiria uma distribuição mais justa dos recursos, com a cobrança no destino.

A transição gradual daria o tempo necessário à adaptação das empresas e garantiria maior transparência nos estados que desejassem manter incentivos, pois teriam de explicitá-los como subsídios nos respectivos orçamentos. Estudo do economista Bráulio Borges calculou que, em 15 anos, as mudanças aumentariam em até R$ 753 bilhões na arrecadação anual.

O objetivo da Comissão Mista, criada pelos então presidentes Rodrigo Maia (Câmara) e Davi Alcolumbre (Senado), era unificar a PEC 45 com outra de teor semelhante que tramitava no Senado. O Ministério da Economia, porém, decidiu encaminhar ao Congresso outra proposta menos ambiciosa, que deixa de lado a guerra fiscal e unifica apenas os impostos federais, PIS e Cofins. A ideia do ministro Paulo Guedes era fazer uma reforma gradual, fatiada. É uma ideia ruim, pois o custo político de aprovar qualquer mudança no Congresso é enorme. Melhor aprovar logo a mudança mais ambiciosa.

O relator da Comissão Mista, deputado Aguinaldo Ribeiro (PP-PB), propôs nesta semana uma solução de compromisso entre as propostas do governo e de Rossi. A unificação começaria pelos impostos federais, mas os demais já entrariam na reforma. Seria também criado, como quer o governo, um Imposto Seletivo, com o objetivo de desincentivar o consumo de produtos nocivos (como cigarro ou álcool). O relatório seria um ótimo ponto de partida para as discussões avançarem nas demais comissões e no plenário.

Mesmo assim, Lira resolveu acabar com a comissão, satisfazendo aos anseios de quem quer que tudo fique como está. O presidente do Senado, Rodrigo Pacheco (DEM-MG), era contra paralisar o andamento. Lira alegou que as sessões regulamentares da comissão se esgotaram e diz que o relatório de Ribeiro poderá ser aproveitado quando o assunto voltar à pauta. É preciso, então, que ele mesmo o traga de volta o quanto antes. Não dá para ficar esperando mudanças urgentes e necessárias. O Executivo erra ao querer fatiar a reforma. O presidente da Câmara erra ao adiar ainda mais sua tramitação.

Mesmo imperfeito, projeto sobre segurança nacional é um avanço

O Globo

A simples revogação da Lei de Segurança Nacional (LSN) — como estipula o texto-base do projeto aprovado terça-feira na Câmara — já significa um enorme avanço para o país. Relatada pela deputada Margarete Coelho (PP-PI), a proposta será agora encaminhada ao Senado. Para tratar de crimes contra a democracia, a deputada tomou como referência um projeto de 2002, do então ministro da Justiça de Fernando Henrique Cardoso, Miguel Reale Júnior.

A velha LSN, herança da ditadura militar, vem sendo usada com frequência pelo governo Bolsonaro para atemorizar adversários. Serviu também de base para o Supremo prender o deputado bolsonarista Daniel Silveira (PSL-RJ) e para o procurador-geral da República, Augusto Aras, pedir a abertura de inquérito sobre atos antidemocráticos de apoiadores do presidente.

Nada justifica a manutenção de lei tão arcaica e arbitrária. A redação vaga de vários artigos da LSN permite interpretações convenientes ao governo de turno. É o que tem acontecido nas denúncias contra autores de críticas ao presidente Jair Bolsonaro.

A lei revogada pelo novo projeto data de 1983. Foi assinada pelo presidente João Baptista Figueiredo, último da ditadura militar. Mesmo sendo uma versão mais branda da que vigorou a partir de 1969, logo depois da decretação do Ato Institucional nº 5, a LSN guardou o mesmo espírito autoritário.

A Lei do Estado Democrático de Direito, como vêm sendo chamadas as alterações legais aprovadas na Câmara, é um instrumento jurídico mais condizente com uma democracia moderna. O projeto é preciso na definição de crimes contra o Estado, como espionagem, sabotagem, atentado à integridade nacional, interrupção de eleições ou tentativa de dificultar o exercício dos Poderes. Criminaliza o “emprego da violência”, a “ameaça ao Estado democrático de direito” e o golpe de Estado, definido como tentativa de “depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído” (é punido com prisão de quatro a 12 anos, ampliada pelo grau de violência).

Em linhas gerais, o projeto é positivo, mesmo que tenha sido feito em prazo tão curto, por determinação do presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), depois da prisão de Silveira em fevereiro. O ponto mais obscuro é o que o texto define como “comunicação enganosa em massa”. Trata-se do disparo de fake news com intenções políticas ou ideológicas.

É o que fez a campanha de Bolsonaro em 2018 e o que continuam a fazer seus seguidores, comandados pelo “gabinete do ódio”. O projeto estabelece que será punido com prisão e multa quem promover ou financiar, de alguma forma, “campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, capazes de comprometer o processo eleitoral”. Como em toda iniciativa destinada a disciplinar o discurso, o difícil é conciliá-la com a liberdade de expressão, essencial a toda democracia. Falta saber quem definirá quais são os “fatos inverídicos”. Caberá agora ao Senado rever o tema.

 

Fatiamento pode enterrar nova reforma tributária

Valor Econômico

O fatiamento tornará a reforma tributária em mais um remendo, ainda que benéfico

Durante quase todo os dois anos do mandato do presidente Jair Bolsonaro, deputados, senadores, e principalmente governadores, chegaram a inédito consenso de que havia chegado a hora de uma reforma tributária. A voz discordante, embora insista em fazer crer o contrário, é a do governo. Houve muito trabalho durante este tempo e a reforma foi esmiuçada por duas comissões, uma mista, de Câmara e Senado, e outra especial, na Câmara. O presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL), que apressara a apresentação do relatório da comissão especial, mal esperou o relator, Aguinaldo Ribeiro (PP-PB) terminar de ler seu trabalho para encerrar os trabalhos da comissão e deixou o senador falando sozinho na comissão mista. Lira defende uma reforma “fatiada”.

Os governadores sempre derrubaram os esforços para uma reforma dos tributos, mas desta vez se alinharam em torno das duas propostas mais abrangentes apresentadas, a PEC 45, na Câmara, do deputado Baleia Rossi (MDB-SP) e a PEC 110, de autoria do senador Luiz Carlos Heinze (PP-RS). Por caminhos diferentes, e com mix distintos, ambas convergiam na criação de um imposto sobre valor agregado a ser cobrado no destino, pondo fim à barafunda do ICMS, um imposto indomável para contadores e tributaristas, pela quantidade de regras e modificações nele, feitas em ritmo alucinante. Um resultado prático desse imposto desfigurado foi a guerra fiscal entre os Estados em que todos perderam.

Desde o início da gestão de Bolsonaro, o ministro da Economia, Paulo Guedes, tinha apenas uma ideia central sobre a reforma tributária: aprovar um sucedâneo da antiga CPMF, pintada de moderna como imposto digital. Bolsonaro seguidas vezes fustigou o imposto, admitiu em alguns momentos que só o aceitaria se fosse para cortar outros tributos e não falou mais do assunto, do qual não tem a mais remota noção.

Na origem, a proposta do governo, cujo desenho completo não se conhece, e provavelmente não exista, é fatiada. Sua primeira fase é a da fusão de Cofins e PIS, dois tributos federais, com alíquota de 12%. Em seguida ICMS e ISS seriam unificados, cobrados no destino e arrecadados pelos Estados, com repasse aos municípios. O IPI se tornaria um tributo seletivo, para cigarros e bebidas alcoólicas, por exemplo. A última perna, quase amputada, era o imposto digital.

Lira definiu que a reforma será “fatiada”, para dar conta de sua “complexidade”. Mas ele não se negou a discutir em entrevista o imposto digital - sinal de que a ideia não está morta -, disse que o tema é polêmico e exige muita discussão e que, no entanto, se o imposto digital “tiver destino específico já apazigua um pouco”.

Como o passado mostrou, fatiar reformas são o melhor caminho para não fazê-las. O argumento é ainda menos convincente agora, após o relatório de Ribeiro. Em vez de encaminhar cada pedaço em momentos distintos, o relator separou temporalmente as fases em um contínuo que termina com um Imposto sobre Bens e Serviços cobrado no destino. Nos dois primeiros anos entraria em vigor o IBS apenas com a fusão de PIS e Cofins, como propõe o governo e, nos quatro seguintes, se fundiriam IPI, ICMS e ISS.

O desenho parece corresponder, em abstrato, ao consenso formado após a discussão das duas PECs nos últimos anos. Mas todos os detalhes seriam depois regulados por legislação complementar, a começar pela unicidade ou não de alíquotas, sua magnitude e o período de transição para o novo sistema, o que exigirá mais discussões e muito tempo. No Brasil, as reformas tributárias nunca terminam.

O ministro, Paulo Guedes, que não fez sua tarefa na reforma tributária, saiu-se com mais um devaneio, o de que as mudanças em gestação no Congresso eliminariam R$ 300 bilhões em isenções e vantagens concedidas. Isto só ocorrerá se for aprovado esse item da PEC 45, que determina isso. O relatório de Ribeiro, porém, mantém, com modificações, vantagens para a Zona Franca de Manaus e o Simples, o que significa que o corte feito nos subsídios jamais chegará aos R$ 300 bilhões - se é que haverá, ao final, algum corte.

O fatiamento tornará uma reforma tributária que poderia ser robusta em mais um remendo, ainda que benéfico. O calendário eleitoral se aproxima e não há qualquer chance de uma modificação importante no desenho tributário ser aprovada no próximo ano, e, talvez, nem mesmo no fim deste ano. Mais uma grande oportunidade foi desperdiçada.

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