sábado, 8 de maio de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

 Chega de barbárie

Folha de S. Paulo

Morticínio policial no Rio é mais um exemplo da estupidez da guerra às drogas

estúpida operação deflagrada pela Polícia Civil do Rio de Janeiro na favela do Jacarezinho, na zona norte da cidade, constitui mais uma evidência de que as estratégias de combate ao tráfico de drogas no Brasil precisam ser reformuladas.

Se há êxitos dignos de nota em algumas ações baseadas na boa técnica investigativa e no uso da inteligência, o que se verifica há décadas em grandes centros urbanos é a prevalência da lógica de guerra entre a polícia e quadrilhas armadas que atuam na ponta da venda de entorpecentes em bairros vulneráveis e abandonados pelo Estado.

No Rio, em particular, as renovadas incursões em morros e favelas voltam-se com frequência exasperante, de maneira brutal e indiscriminada, contra populações inteiras, sem que se observem direitos constitucionais básicos.

Invadem-se residências, bens são danificados, atira-se a esmo, matam-se inocentes e suspeitos desarmados; cenas são alteradas para evitar a perícia de possíveis execuções. Tudo é concebido para instalar uma atmosfera de pânico, que repete, em nome da repressão a traficantes, a mesma tática por estes utilizada.

No caso desta quinta (6), tratava-se oficialmente de desbaratar o aliciamento de menores por um grupo de narcotraficantes. Além do saldo de 28 mortos, entre os quais um policial, e de relatos de abusos contra moradores, cabe perguntar qual foi o resultado alcançado.

Lá se vão quase duas décadas do lançamento do filme “Cidade de Deus”, que retratava a já então conhecida participação de crianças e adolescentes no mundo do crime. Em que as constantes invasões de favelas por policiais e as ocupações pelo Exército contribuíram para modificar essa realidade?

Não se retiram menores das mãos do tráfico à bala. É preciso implantar políticas de promoção social, de redução de desigualdades e de pacificação —objetivos que até foram perseguidos há alguns anos pelas UPPs, mas que se perderam.

É necessário ainda, como tem defendido esta Folha, que a sociedade encare com maturidade o debate sobre a legalização criteriosa de substâncias hoje ilícitas.

É abominável que representantes da polícia, do governo fluminense e da própria Presidência da República tenham se apressado em justificar o ocorrido com argumentos do tipo “tudo bandido” —para citar o que disse o vice-presidente, general Hamilton Mourão.

Os detalhes da atuação policial no Jacarezinho precisam ser apurados e cabe ao Supremo Tribunal Federal examinar o quanto antes a petição protocolada pelo Núcleo de Assessoria Jurídica vinculado à UFRJ que aponta descumprimento de restrição a operações na favela. Chega de barbárie.

Avanços patentes

Folha de S. Paulo

EUA e Europa abrem brecha para pôr em pauta desequilíbrio no acesso a vacinas

A desigualdade na distribuição global de vacinas contra Covid-19 é insofismável: estima-se que 1 em 4 moradores de países ricos tenham sido vacinados, enquanto nos pobres a razão estaria em 1:500.

Surgem sinais, porém, de que tal iniquidade começa a ser reconhecida por governos mais poderosos.
Indício de que o constrangimento moral surte efeito veio na mudança de posição dos EUA sobre patentes. O presidente Joe Biden anunciou que apoia discutir na Organização Mundial do Comércio (OMC) a proposta de Índia e África do Sul para que a proteção sobre medicamentos para Covid seja suspensa durante a pandemia.

Não se espera nada de muito prático dessa reviravolta, mesmo com a Comissão Europeia também aberta ao debate. Decisões na OMC exigem consenso, o que pode tomar meses ou anos.

Os maiores impedimentos para elevar a oferta de imunizantes entre desamparados são os gargalos de produção e o entesouramento por países desenvolvidos. Só quebrar patentes não teria o condão de permitir fabricação imediata, porque interessados teriam de investir em laboriosa engenharia reversa.

De todo modo, algo auspicioso parece ter sido posto em marcha.

Uma proposta intermediária pode terminar impulsionada nessa renúncia à defesa da propriedade intelectual: mapear quais instalações poderiam produzir vacinas, pelo mundo, e ceder tecnologia e treinamento para que passem a fazê-lo. Quebras pontuais de patentes poderiam, aí sim, facilitar o esforço de médio e longo prazos.

Para contrapor o entesouramento, há somente o consórcio Covax, que já admite a impossibilidade de cumprir a meta de distribuir 2,4 bilhões de doses neste ano. A demanda desatendida de nações de renda mínima ou média vem sendo suprida por China e Índia, no que já se chama de diplomacia ou geopolítica de vacinas.

Das empresas ocidentais que lideram a entrega de imunizantes, AstraZeneca e Janssen os vendem sem visar ganho, ao contrário do que fazem a Moderna e a Pfizer (esta teria lucrado perto de US$ 1 bilhão até aqui com a pandemia).

Mesmo que Moderna e Pfizer alterassem sua estratégia, suas vacinas de RNA exigem infraestrutura de refrigeração inexistente na maior parte dos países.

Seria interessante que nações ricas abrissem mão de parte de seus estoques: nenhum país estará seguro enquanto todos não estiverem.

Reduzir letalidade da polícia precisa ser meta no Rio

O Globo

Por mais legítimos que sejam os objetivos de uma incursão policial, ela inevitavelmente é posta em xeque quando resulta na morte de 28 pessoas. Foi o que aconteceu com a operação Exceptis, realizada quinta-feira pela Delegacia de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA) na comunidade do Jacarezinho, reduto da maior facção criminosa do Rio de Janeiro. Nunca, na história do estado, uma ação policial fez tantas vítimas.

Não se discute o objetivo da operação. Pelo que se divulgou, a intenção era cumprir mandados de prisão contra criminosos que aliciam crianças e adolescentes para o tráfico, sequestram trens da SuperVia, agem como grupos terroristas e impõem o terror na comunidade. É dever do Estado proteger os cidadãos e combater essas organizações que há muito usurparam o poder constituído, afrontando o Estado democrático de direito.

O que se pode discutir é a forma de alcançar o objetivo. As cenas observadas ao longo de quinta-feira sugerem que faltou um mínimo de inteligência e planejamento, fundamentais para que uma operação seja bem-sucedida e que se reduza o número de vítimas. O que se viu no Jacarezinho, ao contrário, foi um tiroteio insano, que matou 28 pessoas, expôs a população da comunidade, os próprios policiais — um deles morreu atingido por um tiro na cabeça — e pessoas que nada tinham a ver com a situação, como os dois passageiros do metrô baleados num vagão e um morador ferido dentro de casa. Não é preciso ser especialista em segurança pública para perceber que há algo de errado em tudo isso. A ação precisa ser investigada com independência, para que se esclareça se as vítimas foram executadas, como alegam moradores.

A ação fica ainda mais exposta quando se sabe que uma liminar do ministro Edson Fachin, do STF, restringiu em 2020 as operações em comunidades do Rio durante a pandemia. A decisão foi dada após a morte do menino João Pedro, em São Gonçalo. Elas só podem ser feitas em situações excepcionais e sob condições, como a obrigação de informar ao Ministério Público. Fachin analisará se as polícias do Rio vêm descumprindo a determinação. Ele mandou a PGR e o MP do Rio apurarem se são verdadeiros vídeos que apontam indícios de execução.

A operação no Jacarezinho inexoravelmente traz à tona a discussão sobre a letalidade da polícia fluminense. De acordo com dados do Monitor da Violência, do G1, embora o número de civis mortos em ações policiais tenha caído significativamente no Rio em 2020 (32%, contra 3% no Brasil), a verdade é que a polícia do estado ainda se mantém como uma das mais letais do país (7,1 mortes por cem mil habitantes), ficando atrás apenas das de Amapá (12,8), Sergipe (8,5) e Bahia (7,6).

O governador Cláudio Castro, que assumiu o governo após o impeachment de Wilson Witzel, precisa ter como meta reduzir essa letalidade. Espera-se que, com a saída de Witzel, tenha ficado para trás a política do “tiro na cabecinha”, que incentivava execuções sumárias. Ações policiais num estado conflagrado como o Rio são obviamente necessárias. O crime organizado, que expande seus domínios a cada dia, precisa ser combatido. Mas as forças de segurança deveriam fazer uso da inteligência, de recursos tecnológicos e da integração entre as polícias para realizar ações mais cirúrgicas e menos letais. O Estado não combaterá a violência com mais violência. 

Decisão que mantém Trump fora do Facebook terá repercussão no Brasil

O Globo

O Comitê de Supervisão do Facebook, formado por 20 conselheiros independentes, decidiu esta semana manter por mais seis meses a suspensão das contas do ex-presidente Donald Trump nas plataformas da empresa, imposta no início de janeiro depois que ele as usou para incitar a invasão do Capitólio. A decisão tem um impacto global, pois o uso que Trump fez da rede social inspira líderes no mundo todo, entre eles o presidente Jair Bolsonaro. Foi um primeiro passo rumo à criação de um ambiente mais civilizado nas redes sociais, mas infelizmente tímido diante do longo caminho que se descortina.

Na prática, o comitê transferiu ao Facebook a responsabilidade por estabelecer regras mais claras sobre comportamento e punições a líderes políticos na rede social. Quando ele foi concebido, em 2018, era comparado a uma espécie de “Suprema Corte”, que daria a última palavra sobre o que é permitido e proibido ou sobre as sanções em caso de violação. A decisão da semana passada devolve a batata quente para o colo da empresa: dá ao Facebook o prazo de seis meses para decidir o que fazer em definitivo com Trump.

É um movimento compreensível num espaço de governança incerta. O Facebook não é um Estado, e o Comitê de Supervisão não é um tribunal. Foi criado justamente porque não há cobertura jurídica para o uso que vem sendo feito das redes sociais na disseminação de conteúdo fraudulento e na manipulação política. Sem autoridade jurídica formal, seus poderes sempre serão necessariamente limitados.

O teor da decisão vai na direção correta: constata a arbitrariedade com que o Facebook trata o discurso de figuras políticas, a falta de “diretriz adequada para regulá-lo” e constata que a rede social se tornou um “meio virtualmente indispensável para o discurso político, especialmente em período eleitoral”. Conta que, antes da suspensão em janeiro, Trump já violara as regras pelo menos cinco vezes e critica a natureza “indefinida” da suspensão dele, por criar incerteza.

Revela que o Facebook já aplica sistema específico de monitoramento para contas consideradas importantes. É controverso o tratamento dado a políticos, já que seus posts são, independentemente do conteúdo, notícias de interesse público. Por isso mesmo, é razoável submetê-los a um padrão mais rígido de comportamento, que leve em conta o contexto externo na hora de avaliar o que fazer com violações das regras. O comitê também deixou claro que a garantia absoluta de liberdade de expressão não é um argumento razoável no caso de conteúdos circulando em redes privadas.

Das 46 questões feitas pelo comitê ao Facebook, 7 não foram respondidas. A principal lacuna diz respeito à relação com governos. O comitê se eximiu de sua principal missão: estabelecer políticas para chefes de Estado e oferecer diretrizes sobre como aplicar à empresa as leis de direitos humanos destinadas a limitar a ação de Estados. Ainda falta transparência ao Facebook. Mas o comitê criado para supervisioná-lo também ficou aquém do necessário.

O Rio e suas violências

O Estado de S. Paulo

É urgente resgatar uma dimensão da cidadania que a população de muitas cidades foi privada: o direito de viver pacificamente

O objetivo da operação policial era cumprir mandados de prisão preventiva de 21 pessoas acusadas de aliciar crianças e adolescentes para o tráfico de drogas, na favela do Jacarezinho, na cidade do Rio de Janeiro. No entanto, o resultado foi bem diferente: 6 pessoas presas e 25 mortas; entre elas, um policial. Justamente no momento em que o Supremo Tribunal Federal (STF) analisa uma ação judicial relativa à letalidade das forças de segurança do Rio de Janeiro, a polícia carioca produziu a operação policial mais letal de sua história.

O assunto é grave, não cabem juízos simplistas. A polícia do Rio de Janeiro afirmou que, com exceção do policial morto, todas as outras 24 pessoas que perderam a vida na favela do Jacarezinho durante a Operação Exceptis eram criminosas. Também disse que todos os protocolos foram respeitados, inclusive aqueles determinados pelo STF para o período da pandemia.

Por sua vez, moradores da favela questionaram as circunstâncias das mortes. Vídeos divulgados nas redes sociais mostraram, por exemplo, granadas no meio da rua, jogadas pela polícia.

No mesmo dia da operação policial, o ministro Edson Fachin pediu ao procurador-geral da República, Augusto Aras, a abertura de investigação sobre as mortes. No ofício encaminhado à Procuradoria-Geral da República (PGR), o ministro do STF relatou “indícios de atos que, em tese, poderiam configurar execução arbitrária”.

O Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro também informou que adotou providências para verificar o que ocorreu na Operação Exceptis, “de modo a permitir a abertura de investigação independente para apuração dos fatos, com a adoção das medidas de responsabilização aplicáveis”.

Não há dúvida de que a operação – classificada, por especialistas em segurança pública, como verdadeiro desastre – exige investigação. No entanto, soa no mínimo apressado falar em “execução arbitrária” quando ainda existem tão poucos elementos para uma apreciação do que ocorreu na favela do Jacarezinho na manhã do dia 6 de maio. Pelo teor do ofício do ministro Edson Fachin, a palavra da Polícia do Rio de Janeiro não merece de pronto nenhum crédito, o que traz sérias implicações para o governo do Estado.

O que já estava evidente – e que a Operação Exceptis corroborou – é a completa excepcionalidade da situação do Rio de Janeiro em relação ao cumprimento da lei. Na operação policial para cumprir o mandado de prisão de 21 suspeitos, participaram nada mais nada menos do que 250 policiais, com o auxílio de helicóptero e quatro veículos blindados.

Se as circunstâncias excepcionais não autorizam obviamente nenhuma atuação ilegal de policiais, seria irrazoável ignorar as dimensões superlativas de confronto – mais próprias de uma guerrilha do que da atuação policial em área populosa da segunda maior cidade do Brasil – na investigação sobre a operação. Durante a busca, foram apreendidas 16 pistolas, 12 granadas, 6 fuzis, 1 submetralhadora e 1 escopeta, além de munição.

É de notar que o próprio relato oficial sobre a operação revela erros táticos. Por exemplo, segundo a Polícia Civil, nenhum dos quatro veículos blindados conseguiu entrar, no início da operação, na favela porque os acessos estavam bloqueados por obstáculos instalados por criminosos. Esse tipo de atuação dos criminosos não deveria causar nenhuma surpresa à polícia.

O que ocorreu na favela do Jacarezinho lembra a importância de a sociedade dispor de meios efetivos para o acompanhamento da ação da polícia. Para uma reconstrução fidedigna dos fatos nessas situações, é imprescindível a câmera de segurança acoplada ao uniforme policial. Sem esse recurso, mesmo atuações policiais adequadas poderão suscitar dúvidas. Sendo um serviço público, a atuação policial não pode estar longe dos olhos da lei.

Segurança pública não deve ser mero slogan eleitoral. É urgente resgatar uma dimensão da cidadania da qual a população do Rio de Janeiro e de muitas outras cidades foi privada: o direito de viver pacificamente.

Cidades inclusivas

O Estado de S. Paulo

Objetivo do DOT é tornar as cidades compactas, conectadas e coordenadas

Na era industrial, o desenvolvimento urbano nas Américas obedeceu a um padrão: crescimento rápido, desordenado e focado no transporte individual. O resultado são as chamadas cidades 3D: distantes, dispersas e desconectadas. Mas, se nos EUA a expansão se deu com subúrbios de baixa densidade ocupados pela classe média, nas cidades brasileiras prevaleceu a segregação de pessoas de baixa renda nas periferias, de onde realizam longos deslocamentos diários em transportes públicos precários para acessar ofertas de emprego, educação, saúde, lazer e serviços nas regiões centrais.

Muitos municípios brasileiros estão em vias de implementar ou revisar seus Planos Diretores. Oportunamente, o Banco Interamericano de Desenvolvimento lançou um guia para a implementação do Desenvolvimento Orientado para o Transporte (DOT).

O DOT envolve a articulação dos componentes urbanos com os sistemas de mobilidade para estimular a concentração de habitações e atividades socioeconômicas próximas aos corredores e estações de transporte público de massa. O objetivo é reverter o modelo 3D para uma cidade 3C: compacta, conectada e coordenada.

Isso implica a redução no tempo dos deslocamentos; a otimização do uso de recursos e serviços; a contenção do crescimento dispersivo; e a redução das emissões de gás carbônico. O modelo DOT envolve tipicamente uma multiplicidade de núcleos adensados e de uso misto, envoltos por áreas de menor densidade. Isso viabiliza um zoneamento equilibrado que promove a habitação socialmente diversa; a interconexão de serviços e atividades produtivas; e um espaço público e verde condizente com os padrões internacionais de bem-estar.

A viabilidade dos projetos de DOT depende da concatenação de 6 linhas estratégicas: i) mecanismos de governança que superem barreiras institucionais e facilitem a cooperação entre setores públicos e privados; ii) marcos legais capazes de viabilizar os projetos; iii) ferramentas que integrem a gestão do solo ao planejamento espacial e às redes de transporte público; iv) instrumentos econômicos e fiscais para mobilizar recursos; v) mecanismos de integração de políticas setoriais e de desenvolvimento urbano; e vi) a verificação e modelagem dos impactos ambientais, sociais e econômicos resultantes de uma intervenção.

A publicação oferece diversos estudos de caso em que estas estratégias foram aplicadas com sucesso. Em Washington, o bairro NoMa se destacou pela utilização de formas inovadoras de atração de atores privados para prover sustentabilidade econômica a um projeto DOT. Bilbao, na Espanha, foi um caso particularmente bem-sucedido de conjugação de interesses locais com estratégias e instituições regionais e nacionais. Tóquio é um exemplo de revalorização do solo urbano por meio de mecanismos de reajuste de terras e de modelos de financiamento por intermédio de parcerias público-privadas. Em Londres, foi possível reverter uma situação urbana de baixa densidade e degradação em torno da estação de metrô de King’s Cross por meio de um consórcio privado aliado à gestão pública nacional.

No caso de uma federação ampla e heterogênea, como o Brasil, a governança depende crucialmente de uma coordenação de arranjos institucionais e de políticas públicas entre os setores e jurisdições envolvidos. O estudo oferece diversas estratégias de incorporação dos princípios do DOT aos quadros legais. Também oferece novos instrumentos para a operacionalização dos projetos. Para financiá-los, é necessário aperfeiçoar os mecanismos de arrecadação; implementar instrumentos de recuperação do valor fundiário; e diversificar formas de participação entre investidores públicos e privados. No plano concreto, essas estratégias devem promover a melhoria da rede de transporte coletivo e sua integração com a cidade, concomitantemente com a inibição da circulação de veículos individuais.

Ao confinar os cidadãos em suas casas, a pandemia os separou de sua cidade. Essa introversão forçada é uma oportunidade para repensar um modelo de desenvolvimento urbano 3I: intenso, inteligente e inclusivo. 

Há espaço, mas faltam propostas

O Estado de S. Paulo

É preciso conquistar a confiança da população com propostas viáveis e responsáveis

Nota-se o cansaço da população em relação ao governo de Jair Bolsonaro. Muitas vezes, mais do que cansaço, o sentimento é de exasperação. Junto a isso, há toda uma perplexidade a respeito do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Aquele que, por força da Lei da Ficha Limpa, estava há tempos alijado do cenário político e recebeu de repente a oportunidade de participar das próximas eleições – se acaso, sempre é bom lembrar, não houver até o pleito uma nova condenação criminal em segunda instância.

A princípio, tal cenário, marcado por duas figuras políticas altamente desgastadas perante a opinião pública, seria a oportunidade ideal para o surgimento de uma terceira via, capaz de oferecer uma alternativa política de centro. Basta ver que, atualmente, poucas pessoas acreditam que algum dos dois, Lula ou Bolsonaro, preencha de fato as condições clássicas para o exercício da atividade pública: honestidade e competência.

Da mesma forma, poucos defenderão, de forma sincera e convicta, a proposta política de Lula ou a de Bolsonaro. A experiência da administração petista no governo federal não deixou saudade. O legado do PT no Palácio do Planalto foi a disseminação pelo País de um profundo antipetismo, como se viu nas eleições de 2018 e também nas de 2020. Depois que a população entendeu o modo como o PT trata a coisa pública, o partido de Lula encolheu.

Ao mesmo tempo, o governo de Jair Bolsonaro não desperta entusiasmo. Em menos de dois anos e meio, ficou evidente sua inaptidão para realizar e construir o que quer que seja. Pelos resultados na saúde, na educação e no meio ambiente, destruir parece ser a sua especialidade.

No entanto, a despeito de todo esse espaço para novas ideias e nomes, ainda não surgiram propostas políticas responsáveis e viáveis.

Sintoma dessa ausência de propostas é a menção, cada vez mais recorrente, à atual política econômica dos Estados Unidos, como se bastasse copiar aqui o que o presidente Joe Biden tem implementado lá. Os dois países têm problemas e circunstâncias completamente diferentes. Simplesmente brandir o plano americano é prova cabal de que ainda não se tem uma proposta para o Brasil.

Em recente artigo no Estado (Hora da decisão, 2.5.2021), o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso comentou a necessidade de que, no regime democrático, propostas viáveis sejam apresentadas a tempo. “Convém, portanto, não apenas aceitar resultados eleitorais, mas propor alternativas. É esta a fase em que estamos: os arreganhos de uns e outros deixam entrever que há vários caminhos. É hora para os candidatos se apresentarem e dizer o que propõem. E me refiro aos candidatos de diversos partidos. Além de que, como se sabe, há mais de um candidato em alguns partidos”, escreveu.

É tempo, portanto, da apresentação de propostas viáveis e responsáveis para a economia, a saúde, a educação e o meio ambiente. O desafio de uma candidatura de centro é, por exemplo, muito maior do que apenas criticar a atuação do governo de Jair Bolsonaro ao longo da pandemia de covid-19.

Mesmo sendo evidentes, os erros, as omissões, os atrasos e o brutal negacionismo de Jair Bolsonaro no combate à covid-19 devem ser denunciados pelas lideranças políticas. Não se pode tolerar o desprezo à saúde e à vida da população manifestado de forma reiterada pelo presidente Jair Bolsonaro. No entanto, não suscitará entusiasmo na população o candidato que se dedicar apenas a criticar a conduta de Jair Bolsonaro na pandemia.

O País precisa urgentemente de propostas viáveis para o futuro. Há muito o que fazer, corrigir, reconstruir e inovar em todas as áreas. Há importantes reformas a serem feitas, por exemplo, a tributária, a administrativa e a política.

Para ser viável eleitoralmente, uma candidatura de centro não pode apenas dizer o que não é e o que não quer, criticando Lula e Bolsonaro, mas sem dizer o que propõe. É tempo de propostas. É preciso conquistar a confiança da população com propostas responsáveis, que descortinem de fato um horizonte além do lulismo e do bolsonarismo.

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