quarta-feira, 19 de maio de 2021

Rafael Cortez*- Programa voltado a caminhoneiros reflete lógica política

- O Estado de S. Paulo

O desenho de uma política econômica em um ambiente de perda de capital político do governo é bastante desafiador, por conta do crescente distanciamento entre o diagnóstico da equipe econômica e as decisões, de fato, aprovadas pelo presidente. O próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, já sinalizou a diminuição do apoio do presidente Jair Bolsonaro à agenda liberal que, neste momento, estaria em 65%.

Curiosamente, esse distanciamento entre decisões de governo e a política econômica ideal ocorreu simultaneamente à aproximação do governo com o Poder Legislativo, resultando na eleição de nomes para o comando das Casas legislativas que seriam mais próximos da atual administração.

O caminho desse distanciamento é razoavelmente simples: a perda de popularidade presidencial aumenta a sensibilidade do governo às demandas particulares de sua base de apoio partidário e entre os agrupamentos econômicos e sociais. Os caminhoneiros representam um grupo especialmente privilegiado na luta por influência nas decisões do governo, por conta do simbolismo da categoria em relação ao presidente e diante de potencial mobilização que, no limite, reforçaria a leitura de falta de governança.

O programa Gigantes do Asfalto, anunciado pelo governo, é uma tentativa de desenhar uma política setorial sem retomar o mal-estar que foi causado pelos sinais de voluntarismo presidencial decorrentes de ameaças de intervenção e de mudanças no comando de empresas estatais. As demandas da categoria não são novidade e, em boa medida, são resultado da oferta/demanda de frotas e da regulação do frete/combustível.

Os limites para a regulação desses temas são crescentes; não por um acaso, o aceno aos caminhoneiros deixou de lado mudanças no tocante ao preço do diesel, uma das principais demandas do grupo. O programa, então, se concentra em linhas de crédito com participação da Caixa; anúncio de investimentos em infraestrutura e medidas burocráticas.

Essa batalha entre a lógica política em um cenário de antecipação de calendário eleitoral deve ser reforçada ao longo do tempo. O programa retrata a postura do presidente em relação aos temas do debate público: pouca defesa das reformas estruturais e acenos para temas com impacto na sua base de apoio tradicional, tendo em vista a corrida presidencial de 2022. Os efeitos da CPI da Covid e o risco eleitoral só devem reforçar esse dilema na gestão da política econômica.

*Sócio da Tendências Consultoria e Doutor em Ciência Política (USP)

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