sexta-feira, 28 de maio de 2021

Ricardo Noblat - Bolsonaro trai seu desejo por um regime militar no Brasil

- Blog do Noblat / Metrópoles

Em viagem ao extremo norte da Amazônia, o presidente bajula seus ex-companheiros de farda e diz que eles decidem como o povo deve viver

É tamanho o empenho do presidente Jair Bolsonaro em tentar agradar seus ex-companheiros de farda que, ontem, em visita ao extremo norte da Amazônia para a inauguração de uma ponte de madeira construída pelo Exército em São Gabriel da Cachoeira, ele não se conteve e reconheceu ao discursar:

“Tem mais ministros oriundos das Forças Armadas no meu governo do que teve durante os governos da revolução de 1964”.

Revolução não houve em 1964, golpe militar, sim. O governo Bolsonaro, de fato, tem mais militares empregados do que qualquer outro governo da ditadura que durou 21 anos. Só ministros de Estado são sete. E mais de 6 mil militares ocupam cargos nos diversos escalões da administração pública.

Acompanhado de generais – entre eles, o ministro da Defesa Braga Neto e o comandante do Exército Paulo Sérgio Nogueira -, Bolsonaro condicionou o desejo dos brasileiros por paz, progresso e liberdade a uma decisão exclusiva dos militares:

 “Queremos paz, progresso e acima de tudo liberdade. A gente sabe que esse último desejo passa por vocês. Vocês é que decidem, em qualquer país do mundo, como aquele povo vai viver”.

Não são os militares que em qualquer país do mundo decidem como o povo deve viver. Só decidem onde não há liberdade, e eles mandam. É o que Bolsonaro gostaria que acontecesse por aqui.

Paciência de general Mourão disfarça o seu incômodo

Cada vez mais afastado de Bolsonaro por birra dele, o vice-presidente virou uma peça decorativa do governo

Você viu por aí o general Hamilton Mourão, vice-presidente da República? Ele é sempre visto por aí, e não se nega a comentar as notícias do dia. Onde Mourão não é visto é na companhia do presidente Jair Bolsonaro, que prefere mantê-lo longe.

Bolsonaro voou ao norte da Amazônia para a inauguração de uma ponte de madeira construída pelo Exército. Levou com ele o ministro da Defesa, um general, o comandante do Exército, outro, e quem mais convocou a acompanhá-lo. Mourão ficou de fora.

Embora gaúcho de nascimento, o general Mourão tem fortes ligações com a Amazônia, onde serviu durante muitos anos. Diz ter ascendência indígena. De fato, parece índio, e se orgulha da paciência de índio que aprendeu a cultivar.

Só por isso, e também pelo cargo que ocupa, ainda não rompeu relações com Bolsonaro. Perdeu a confiança nele, se é que confiou um dia. E a recíproca é verdadeira. Apenas se toleram nas cerimônias oficiais que são obrigados a comparecer juntos.

Reuniões para tratar de assuntos importantes do governo? Mourão não é mais convidado. Discutir problemas que afetam o meio ambiente? Embora formalmente responda pelo Conselho Nacional da Amazônia, Mourão não é chamado para discutir.

Foi destratado recentemente por Ricardo Salles, ministro do Meio Ambiente, suspeito de envolvimento com contrabando internacional de madeira. Salles deveria ter-se reunido com Mourão, esta semana. Nem foi e nem mandou representante.

Michel Temer, à época vice da presidente Dilma Rousseff, queixava-se de não passar de uma peça decorativa do governo. Mourão não se queixa, mas é o que ele é.

Defesa de Pazuello é considerada um deboche por seus colegas

A peça remetida pelo ex-ministro da Saúde ao comandante do Exército reúne argumentos que não resistem  a um sopro

Generais de boa cabeça, da ativa e da reserva, qualificaram de deboche a peça de defesa do seu colega Eduardo Pazuello, ex-ministro da Saúde, remetida, ontem, ao Comando do Exército, onde ele explica por que compareceu à manifestação política e partidária encabeçada no Rio pelo presidente Jair Bolsonaro.

Pazuello teve o desplante de dizer na peça que a manifestação não teve caráter político e partidário pelo simples fato de Bolsonaro não estar filiado a nenhum partido. Piada pronta, sem graça e nem imaginação! O cargo eletivo é político. Presidente da República, filiado ou não a alguma sigla, faz política o tempo todo.

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Bolsonaro não foi ao Rio liderar um passeio de milhares de motociclistas só pelo gosto de rever as belezas da cidade, ou para relaxar. Foi para reforçar o apoio político que eles lhe dão, para, em meio à CPI da Covid-19 que tanto o atormenta, dar uma demonstração de força e recuperar a popularidade que se esvai.

Do alto de um carro de som no Aterro do Flamengo, fez naturalmente um discurso político. E estimulou Pazuello a fazer o seu. Não seria desapreço do general pelo ex-capitão se ele tivesse se negado a comparecer ao ato – ou, comparecendo, não tivesse subido no carro de som e falado, observando tudo à distância.

Mas esse foi outro argumento usado por Pazuello em sua defesa. O mais estúpido deles, porém, foi alegar que não poderia desobedecer a uma ordem do Comandante Supremo das Forças Armadas, como Bolsonaro quer ser chamado. Desrespeitar o Regulamento Disciplinar do Exército pareceu mais conveniente.

Está-se à espera de uma decisão do comandante do Exército, general Paulo Sérgio Nogueira, sobre a punição a ser aplicada a Pazuello. A mais leve é uma advertência; é também a mais provável.

Supremo vai rejeitar mais uma ação de Bolsonaro contra a vida

Dará em nada a tentativa da Advocacia-Geral da União para suspender as medidas de isolamento baixadas por governos estaduais

Sem estresse, por favor. Bastam um governo inepto e uma pandemia fora de controle para abalar a confiança de qualquer um em dias melhores. Portanto, nada de imaginar que, se o presidente Jair Bolsonaro for contrariado mais uma vez pelo Supremo Tribunal Federal (STF), o país estará às portas de uma crise institucional.

Bolsonaro só faz perder ali quando suas decisões ou intentos são levados a exame. A seu mando, a Advocacia-Geral da União (AGU) entrou no Supremo com uma ação contra medidas dos governos de Pernambuco, Paraná e Rio Grande do Norte, que restringiram a circulação de pessoas e impuseram toque de recolher.

Vai acontecer o quê? O Exército dele irá às ruas nesses estados para garantir a quebra do isolamento social se o Supremo a mantiver? Irá nada. Por folgada maioria de votos, talvez até por unanimidade, caso não fraqueje o ministro Nunes Marques, o tribunal arquivará a ação e ficará tudo por isso mesmo.

Está escrito nas estrelas que não haverá golpe de generais a favor de um ex-capitão excluído do Exército por indisciplina e comportamento antiético; um ex-capitão galhofeiro, embromador, considerado um mau militar por expoentes fardados da ditadura de 64, e que se elegeu acidentalmente presidente da República.

A ação da Advocacia-Geral da União sustenta que a liberdade de ir e vir, os direitos ao trabalho e à subsistência foram tolhidos pelas medidas baixadas pelos três governos, e invoca o artigo 5º da Constituição, que consagra esses e outros direitos. Ora, os redatores da ação pularam a leitura do caput do artigo 5º, que diz:

“Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no país a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade.”

A “inviolabilidade do direito à vida” é o primeiro dos direitos assegurados na Constituição, o único absoluto. Os demais são limitados. Em meio a uma pandemia que já matou 456 mil pessoas, os governos estaduais, diante da omissão do federal, restringiram temporariamente os demais direitos.

De resto, no ano passado, o Supremo decidiu que, em nome do direito à vida ameaçada, governadores e prefeitos podem legislar a respeito. Quem desrespeitar a lei deve ser multado. Mas quantos, de fato, foram multados até hoje? O presidente circula sem máscara, promove aglomerações e dissemina o vírus.

Não se atém a só isso: prega a desobediência dos que lhe dão ouvidos, incita militares à rebeldia e recomenda o uso de drogas ineficazes para o inexistente tratamento precoce da doença. Não satisfeito, depois de ter boicotado a compra de vacinas, nega-se a ser imunizado. Põe em risco a própria vida e a dos outros.

No futuro, Bolsonaro tem um encontro marcado com a Justiça. Com as urnas, o encontro será no ano que vem.

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