quarta-feira, 5 de maio de 2021

Zeina Latif - Haverá apoio para aventuras?

- O Globo

A eleição presidencial está distante, mas contamina o cenário econômico

A eleição presidencial está distante, mas contamina o cenário econômico. Mostra disso é que não cessam as pressões por mais gastos na novela do orçamento, em meio à crescente fragilidade do governo.

Difícil é distinguir o que é fruto da intenção de alavancar Bolsonaro e o que são os interesses paroquiais de parlamentares que reconhecem o risco político de ser aliado do presidente.

Os presidentes que buscam a reeleição costumam ser os favoritos nas corridas eleitorais. Contam com o poder de usar a máquina pública em seu benefício e têm maior potencial de apoio, que se traduz em arrecadação de recursos de campanha e tempo de TV.

Bolsonaro, que ainda procura um partido para chamar de seu, provavelmente não contará com as mesmas vantagens, a depender do cenário de baixa aprovação em 2022. O cacife de um político decorre de sua perspectiva de poder.

Seu ponto de partida é bem menos favorável. A avaliação positiva do governo estava em 30% em meados de março (Datafolha), inferior aos cerca de 42% dos ex-presidentes em período equivalente.

Em termos líquidos, o degrau é maior: -14% (30% menos 44% de ruim/péssimo) ante cerca de +25% dos antecessores. E a aprovação seguiu em queda, segundo a pesquisa Exame-Ideia: 23% para avaliação bom/ótimo no dia 22 de abril ante 27% em 25 de março.

O espaço para melhora adiante parece limitado. O presidente pouco conseguirá capitalizar o avanço da vacinação, pois esta nunca foi sua bandeira, pelo contrário. Além disso, a Coronavac de João Doria e a CPI da Covid poderão atrapalhar suas pretensões.

Na economia, mesmo considerando um cenário otimista de controle da pandemia até 2022 – algo improvável segundo muitos especialistas -, há limites para uma puxada do mercado de trabalho, variável chave para a aprovação de qualquer governo.

Mesmo com a renovação de medidas de socorro, não será possível repetir, nem de longe, a dose de estímulos de 2020, que totalizaram 10% do PIB, incluindo recursos do Tesouro e crédito direcionado. Vale notar que, em sua maioria, são medidas de curto alcance para preservar o consumo de famílias e evitar demissões.

Nada que gere ganhos mais perenes, como no caso de ações para treinar a mão de obra ou financiar a inserção tecnológica de pessoas e empresas. Soma-se a isso a necessária alta de juros pelo Banco Central, cujo efeito máximo sobre a economia se dará em 2022.

É verdade que o relaxamento do isolamento social irá beneficiar os segmentos de serviços que mais contratam, mas muitos indivíduos estarão à margem do mercado de trabalho por falta de qualificação adequada às exigências da tecnologia.

Difícil reverter o quadro observado em 2020, quando o número de ocupados com ensino superior completo cresceu 7,6%, enquanto os demais amargaram com o recuo de 13,2%. Está contratada a piora adicional dos indicadores de desigualdade, um combustível extra para a insatisfação social.

Adicionalmente, a busca de ganhos de produtividade pelas empresas reduz o potencial de contratações no curto-médio prazo. A indústria, por exemplo, retomou os patamares de produção pré-crise, mas pouco contratou.

Fevereiro registrou recuo de 10,8% no número de ocupados na comparação anual. O mesmo ocorreu em outros setores, como apontou Naercio Menezes Filho, no Valor.

A baixa popularidade tende a afastar mais apoiadores e aliados. Não à toa o mercado financeiro especula precocemente como seria o governo Lula.

Os mares também serão revoltos em outras frentes. Com o desgaste de Paulo Guedes, incluindo as polêmicas que pululam nas redes sociais, talvez o presidente busque outro Posto Ipiranga, repetindo o gesto de Dilma na campanha ao descartar Guido Mantega em seu segundo mandato.

Qualquer que seja o desfecho, é improvável que consiga repetir a fórmula de 2018, com um futuro ministro amealhando o apoio de investidores e empresários. Seu descompromisso com reformas afasta bons nomes.

A bronca no exterior com Bolsonaro tampouco ajuda. Constrangimentos e retaliações ao governo poderão crescer. Não haverá sua foto ao lado de líderes de países com interesses no Brasil.

São muitos pratos a equilibrar. Na falta de malabaristas competentes, cresce o risco fiscal, com terrível legado para o próximo governo. Fica a dúvida: quanto o Centrão vai topar a aventura para apoiar um candidato mais fraco do que supunha, em meio ao escrutínio de investidores?

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