Raul Jungmann afirma que militares estão diante de um processo similar aos passos iniciais do chavismo
Marcelo Godoy / O Estado de S. Paulo
O ex-ministro da Defesa Raul Jungmann
acredita que os militares brasileiros estão diante de um processo que
assemelha-se aos passos iniciais do chavismo, na Venezuela, quando Hugo Chávez
passou a transferir para si os poderes dos comandantes das Forças. Estes, ao
evitarem um confronto, pensando em preservar a Constituição, acabaram
permitindo a destruição da ordem legal. Leia a seguir, trechos de sua
entrevista ao Estadão.
O que o sr. acha que ocorreu para Pazuello
não ser punido?
A narrativa que ouvi caminha em uma dupla
direção. Houve uma reunião remota do Alto Comando anteontem. O comandante Paulo
Sérgio pediu a opinião do Alto Comando, que teria sido majoritariamente pela
punição. Não pelo ânimo de punir, mas pra preservar a hierarquia e a
disciplina, sem as quais um Exército se transforma em um bando armado. Ele
(Paulo Sérgio) teria comunicado que sua decisão era não punir, o que foi
acatado por todos, pois essa é uma decisão privativa do comandante. Ouvi de
outros que o general disse a oficiais mais próximos que teria agido para evitar
uma crise maior, resultante da punição de Pazuello que viesse a ser anulada, o
que implicaria no afastamento em dois meses do segundo comandante do Exército.
Ao fim e ao cabo, agrava-se a crise em vez de encerrá-la?
Aqui vale a frase do Churchill em relação à política de apaziguamento de (Neville) Chamberlain (em 1938, em relação à Hitler): ‘Vocês não terão a paz, e terão a guerra’. O que quero dizer é que os militares daqui estão enfrentando o que os da Venezuela enfrentaram no início do período chavista. Bolsonaro persegue o modelo de Chávez. Ele, como Chávez, quer reduzir o comando dos militares para transferi-lo para a política. Ou seja, para ele. Temos o exemplo próximo da Venezuela, aonde, paulatinamente, Chávez tirou poder dos generais e transferiu para ele. Os militares, aqui como lá, guardadas as devidas proporções, evitam o confronto direto com o comandante para não ferir a Constituição, mas o dilema é que assim correm o risco de ver a Constituição destruída junto com a hierarquia e a disciplina.
O que fazer então?
Inequivocamente proceder a punição. Pois ou
você fica com o Exército, a instituição permanente de Estado, ou você fica do
lado da anarquia nos quartéis. Não há meia solução nesse caso. Não tenha a
menor dúvida de que isso terá reflexos. Você viu o que aconteceu em Pernambuco?
Embora seja outra instituição, estadual e policial, o que ocorreu ali pode
servir de exemplo para a ação de grupos de policiais contra manifestações
democráticas da oposição, que fazem parte do jogo político-eleitoral. Por isso
que em Pernambuco também deve ter punições. Não pelo prazer de punir, mas pela
necessidade de se preservar as instituições.
Se o apaziguamento a Bolsonaro não é o
caminho, qual seria o caminho? O impeachment?
Eu não vejo condições momentâneas para o
impeachment. Primeiro, estamos em meio a uma crise humanitária, fruto da
pandemia, que deve ser a principal preocupação de todos os agentes públicos,
porque está em jogo a vida das pessoas. Ao contrário do que vivemos com Collor
e com Dilma, o caminho da solução política encontra-se bloqueado pela pandemia,
que inibe grandes manifestações. Mas, se a política não resolve a crise, a
crise devora a política. Vivemos esse impasse. Mas acredito que até o fim do
ano teremos uma situação em que a pandemia não seja mais agressiva e mortífera
e aí você pode destravar os movimentos de rua e caminhar para uma solução
política da crise. Em segundo lugar, nesse momento, não existem votos
suficientes no Congresso e, terceiro, não acredito que os presidentes da Câmara
e do Senado, sobretudo o da Câmara, tenham disposição e vontade de fazê-lo,
pois são aliados do presidente.
Se o caminho político está bloqueado há risco
de ruptura e divisões nas Forças Armadas?
Ao você aceitar a transferência do mando da
hierarquia para o poder político, como foi este caso, você abre possibilidade
que se ampliar esse mando político e o mando da política. Isso significa a
possibilidade da fragmentação da unidade das Forças Armadas. Lembro dois
episódios. O primeiro é o do coronel Bizarria Mamede, quando fez um discurso no
enterro em 1955 do presidente do Clube Militar, general Canrobert Pereira da
Costa. O ministro da Guerra, Henrique Teixeira Lott, determina sua prisão
contra a vontade do presidente Carlos Luz. Esse é o caminho a seguir, o da
preservação do Exército. O outro é o que não se deve seguir: João Goulart, às
vésperas de 1964, vai confraternizar no Automóvel Clube com os sargentos
insubordinados, o que representou a ruptura final entre a hierarquia militar e
o presidente. Fica claro que você abre uma caixa de Pandora e perspectivas como
essas (de uma ruptura) que não eram uma possibilidade, ocorrendo uma
agravamento e uma repetição disso, sim, abrem-se as portas do inferno com o
qual a democracia brasileira não pode conviver. Por isso o apelo que fiz à
unidade e à necessidade das forças democráticas reagirem.
O que o Congresso pode fazer nesse
caso?
O Congresso precisa regulamentar a participação de militares da ativa no governo. Esta crise poderia ter sido evitada se a regulamentação existisse, deixando claro que militares da ativa não devem participar de governo militar é a defesa da Pátria, da Nação, indistintamente de governos. No momento em que militares da ativa participem de governo, eles são a instituição. O general Pazuello é a instituição. Militar da ativa, salvo excepcionalidade, como uma Casa Militar, não deveriam participar de quaisquer governos em nome da sua instituição e da sua higidez.
Mas agora é tarde demais, ele já foi absolvido.
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