quarta-feira, 2 de junho de 2021

Fernando Exman - Dois possíveis roteiros para a CPI da Covid

- Valor Econômico

Base pode levar relatório paralelo direto ao plenário

Pouco mais de 30 dias de CPI da Covid e o respeitável público está cheio de dúvidas em relação aos resultados das investigações.

Um questionamento legítimo. O histórico das comissões parlamentares de inquérito não ajuda aqueles que esperavam colher subsídios para embasar um processo de impeachment contra o presidente Jair Bolsonaro. Por outro lado, aliados do Palácio do Planalto já consideram contratado pelo menos algum desgaste na imagem do governo. Estão dispostos a fazer o possível para impulsionar a economia e lançar logo um novo programa social, para garantir um contraponto.

A base está consciente que precisará trabalhar duro para tentar neutralizar a estratégia da maioria que tem conduzido a CPI. O plano é o mesmo que tucanos e dirigentes do antigo PFL formularam na época da CPI dos Correios. Estes acreditavam que o escândalo do mensalão provocaria o início de um processo de sangria do governo Lula, por meio do qual o ex-presidente perderia todo o seu fluido vital e chegaria praticamente morto ao pleito de 2006.

Equivocaram-se. Na verdade, até se conseguiu levar adiante os pedidos de indiciamento apresentados ao Ministério Público. A CPI dos Correios pode ser considerada uma exceção e até hoje o seu relatório final provoca calafrios entre políticos do PT e de partidos de centro, os quais à época estavam com Lula e hoje marcham ao lado de Bolsonaro.

Porém, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva acabou sendo reeleito. Mesmo assim, está consolidada na população a percepção de que as comissões parlamentares de inquérito produzem poucos resultados.

Uma reportagem especial da “Rádio Câmara” chegou a contabilizar mais de uma centena de CPIs sem conclusão alguma. Também resgatou a curiosa história do porquê, até hoje, ter-se o costume de usar a expressão “terminar em pizza”. E aqui vai uma provocação: a culpa só podia ser do Palmeiras.

Relata-se que durante uma crise enfrentada pelo clube na década de 1960 seus dirigentes realizaram uma longa reunião que, em meio a discussões e bate-boca, foi interrompida e retomada logo na sequência numa pizzaria. Depois de muito comerem e beberem, teria, enfim, ocorrido uma conciliação. A matéria jornalística cravou, então: “Crise no Palmeiras termina em pizza”. Nascia um bordão.

Em uma CPI, prossegue a reportagem da “Rádio Câmara” sobre a história das comissões parlamentares de inquérito, a expressão foi ouvida pela primeira vez durante as investigações que resultaram na interrupção do mandato do ex-presidente Fernando Collor de Mello. Ao narrar como se montou a chamada Operação Uruguai, tentativa de dar aspecto legal ao dinheiro arrecadado pelo esquema PC, a secretária Sandra Fernandes de Oliveira teria dito aos parlamentares que, apesar do risco que estava tomando ao decidir depor, sabia que tudo iria “terminar em pizza”.

A CPI do Collor foi outra exceção, e o desafio da cúpula da CPI da Covid é construir rota semelhante. Primeiro, precisará colher informações detalhadas sobre a formulação e como se deu a execução do programa nacional de imunização - desde as discussões sobre a compra ou não das vacinas, o processo de certificação até a aplicação das doses nos braços dos brasileiros.

Uma segunda frente é analisar como o presidente da República influenciou o comportamento do cidadão em relação ao distanciamento social e ao uso de máscaras. Outro ponto é como o governo pode ter induzido parte considerável da população a usar medicamentos que não são recomendados pelas autoridades sanitárias para o combate à covid-19.

O Conselho Federal de Farmácia tem um relatório alarmante sobre esse tema. O documento pode ajudar no debate. Segundo apurado pelo CFF com dados da consultoria IQVIA, houve uma alta vertiginosa no “uso irracional de medicamentos” nos 12 meses subsequentes ao registro do primeiro caso de covid-19 no país, incluindo aqueles que não têm eficácia comprovada no tratamento da enfermidade.

“Com base no número de unidades vendidas, estima-se que foram parar na casa dos brasileiros, neste período, 486,5 quilos do vermífugo ivermectina, 20,9 toneladas do antibacteriano azitromicina e 1,02 tonelada do antimalárico hidroxicloroquina sulfato”, alertou a entidade, apontando ainda o risco ao meio ambiente que o descarte inadequado dessas substâncias pode causar.

Na comparação entre 2020 e 2019, houve um crescimento de 557,26% nas vendas de ivermectina e de 113,15% nas de hidroxicloroquina sulfato.

São dados que demandam reflexão e, se depender da maioria do colegiado, haverá tempo suficiente para isso. Busca-se prorrogar o prazo de vigência da CPI para além dos 90 dias estabelecidos inicialmente, até 9 de agosto.

Do lado governista, a aposta é aprofundar as discussões sobre a aplicação dos recursos transferidos aos Estados. O grande embate ocorrerá na apreciação do relatório do senador Renan Calheiros (MDB-AL), se for confirmada sua intenção de ignorar eventuais irregularidades praticadas por autoridades locais. Já não houve maioria para evitar a convocação de governadores, num sinal, na visão dos representantes do governo na comissão, de que pelos menos um impasse em relação a este assunto pode inviabilizar a aprovação do parecer do relator.

Um relatório paralelo já está sendo elaborado. Caso ele seja descartado pela comissão parlamentar de inquérito, a base aliada pode, inclusive, tentar aprová-lo diretamente no plenário do Senado. Lá, pode haver mais receptividade às teses do governo. Mas, se ambas as estratégias falharem, restará confiar na possibilidade de a Procuradoria-Geral da República (PGR) levar muito tempo para analisar o material coletado pela CPI e, depois, conduzi-lo à gaveta.

Os governistas confiam na inexistência de provas que poderiam incriminar Bolsonaro. Esse pode ser o desfecho jurídico. O impacto político das revelações da CPI, contudo, ainda é incerto e só poderá ser auscultado com precisão após a conclusão dos seus trabalhos.

 

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