domingo, 27 de junho de 2021

Hélio Schwaetsman - Entre o amor e o mal

Folha de S. Paulo

Há perdão para pessoa do seu círculo de relacionamentos que abraçou o hitlerismo?

Há perdão para os nazistas? A resposta “não” é a mais frequente e torna-se praticamente obrigatória se você for uma mulher, alemã, judia e chegou a ficar presa num campo de internamento. Mas e se, em vez de um nazista abstrato, nos referirmos a uma pessoa do seu círculo de relacionamentos que abraçou o hitlerismo?

Poucos filósofos pensaram o mal e a política com a originalidade e a profundidade de Hannah Arendt. A expressão “banalidade do mal”, que ela cunhou para expressar a sem-cerimônia e a irreflexão com que pessoas comuns atuando em regimes totalitários cometiam as piores ignomínias, entrou para a cultura popular. Ainda assim, Arendt não escapou à armadilha descrita no parágrafo anterior.

Hannah Arendt perdoou Martin Heidegger, filósofo que ganhou uma cadeira de reitor por bajular Hitler, que manteve a carteirinha do partido até 1945 e que jamais fez uma autocrítica de sua ligação com os nazistas, mesmo tendo morrido só em 1976. Heidegger fora mentor e amante de Arendt, e eles voltaram a ver-se e a escrever-se após a guerra.

Essa é uma daquelas situações que, se já são difíceis para quem as vive, se tornam um desafio para biógrafos que tentam explicá-las. Ann Heberlein, autora da nova biografia de Arendt que acaba de sair no Brasil (“Arendt: Entre o Amor e o Mal: Uma Biografia”), não se sai mal. Para ela, o amor venceu a lucidez, marca tão característica da filósofa, e ela acabou criando para si uma narrativa meio fantasiosa na qual o envolvimento de Heidegger com o mal se torna muito menor do que de fato foi.

O livro de Heberlein, embora, a meu juízo, não supere a biografia escrita por Elizabeth Young-Bruhel (“Por Amor ao Mundo”), é esclarecedor, gostoso de ler e produz alguns bons “insights”, principalmente quando traz ideias de autores como Koestler, Norbert Elias, Merleau-Ponty, entre tantos outros, para iluminar passagens da vida da filósofa.

 

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