quarta-feira, 2 de junho de 2021

Hélio Schwartsman - Ofensiva contra o preconceito

- Folha de S. Paulo

É positiva a sugestão da OMS de usar letras gregas para a designar as variantes

As variantes de Kent, sul-africana, de Manaus e indiana podem estar com os dias contados. A OMS resolveu dar sua contribuição na luta contra o preconceito ao propor que as cepas mais preocupantes do Sars-CoV-2 sejam designadas por letras gregas. Os ingleses ficam com alfa, sul-africanos, com beta, brasileiros, com gama, indianos, com delta, e assim por diante.

A preocupação não é sem sentido. Nacionalistas de todos os tempos batizaram doenças com os nomes de seus inimigos ou desafetos. O recorde provavelmente é a sífilis, que se tornou epidêmica na Europa no século 16 e que, dependendo da nacionalidade do falante, era chamada de "mal de Nápoles", "mal francês", "mal germânico", "mal polonês", "mal espanhol" ou "mal cristão".

Modernamente, cientistas continuaram a usar topônimos para batizar moléstias e seus agentes etiológicos. Ainda que sem a intenção explícita de associar povos a doenças, mantiveram a tradição de chamar patógenos e patologias pelo nome do lugar onde primeiro foram identificados. Foi assim que surgiram a febre do Oeste do Nilo, o vírus de Marburgo, as gripes espanhola e de Hong Kong, o ebola, entre tantos outros.

Palavras importam, mas não têm poderes mágicos. Dado que seres humanos não precisam de mais do que uma leve insinuação para pensar e fazer bobagens, convém evitar a identificação de nacionalidades a doenças. Tradições, especialmente quando não têm propósito definido, existem para serem quebradas.
Nesse contexto, é positiva a sugestão da OMS de usar letras gregas para a designação popular das variantes. Mas que ninguém se iluda. Não basta policiar a linguagem para pôr fim a preconceitos.

Bolsonaristas não precisaram de nenhum nome oficial para fazer trocadilhos envolvendo o vírus e os chineses, o que, aliás, nos trouxe a má vontade das autoridades de Pequim na liberação de insumos para as vacinas. Certas piadas custam vidas.

 

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