quarta-feira, 9 de junho de 2021

Luiz Carlos Azedo - Mais uma saia justa

- Correio Braziliense

O estresse entre o Supremo e PGR também se inscreve numa espécie de ‘guerra de posições’ entre autoridades da confiança de Bolsonaro e a alta burocracia federal

A ministra Cármen Lúcia, do Supremo Tribunal Federal (STF), pôs mais uma saia justa na Procuradoria-Geral da República, ontem, ao questionar a omissão do vice-procurador-geral Humberto Jaques de Medeiros em relação às acusações contra Eduardo Bim, o presidente do Ibama afastado do órgão por envolvimento no inquérito que apura a exportação de madeira ilegal, supostamente sob proteção do ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Em despacho, segundo revelou o site O Antagonista, a ministra disse que PGR se omitiu sobre acusações contra Eduardo Bim.

Cármem Lúcia mandou a PGR incluir Bim no inquérito de Ricardo Salles, cuja abertura foi solicitada pelo delegado federal Alexandre Saraiva. É mais uma decisão que deixa o vice-procurador-geral Medeiros em situação constrangedora. “É de se anotar que, conquanto conste expressamente da notitia criminis fatos imputados a Eduardo Bim, quanto a ele nenhum requerimento foi apresentado pelo Ministério Público”, destacou a ministra do STF.

Medeiros é o homem mais poderoso da equipe do procurador-geral Augusto Aras e sempre foi muito respeitado por seus colegas. O fato de ter poupado Bim, investigado na Operação Akuanduba, causou estranheza. Há muitas especulações sobre as conexões baianas de Bim. Com a decisão de Cármen Lúcia, a PGR terá de aprofundar as investigações, sob pena de prevaricar (crime cometido por funcionário público quando, indevidamente, retarda ou deixa de praticar ato de ofício, ou o pratica contra disposição legal expressa, visando satisfazer interesse pessoal).

A Procuradoria-Geral da República está se tornando o epicentro das disputas do presidente Jair Bolsonaro com o Supremo. O procurador-geral Augusto Aras é o mais forte candidato a ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) fora do círculo palaciano de Bolsonaro; no Planalto, o candidato mais poderoso é o advogado-geral da União, André Luiz de Almeida Mendonça, que tem se destacado nas disputas judiciais do governo com a oposição. Caso Aras venha a ser o indicado para a vaga do ministro Marco Aurélio Mello no STF, Medeiros seria o candidato natural ao comando da PGR, por indicação de Bolsonaro.

Tensões
O estresse entre o Supremo e a PGR também se inscreve numa espécie de “guerra de posições” entre ministros e outras autoridades da confiança de Bolsonaro e a alta burocracia federal, constituída por equipes de profissionais de carreira, principalmente nos órgãos de controle, fiscalização e coerção do Estado. Bolsonaro pretende domar essa burocracia e pô-la a serviço de seus interesses políticos, mas enfrenta uma resistência surda, manhosa, amparada em dispositivos legais e competências formalmente constituídas, que atribuem aos técnicos desses órgãos funções de defesa do Estado democrático, ao zelar pela legalidade dos atos governamentais.

Esse embate também ocorre onde o presidente da República atua para desconstruir políticas públicas que contam com amplo consenso na sociedade e apoio dos técnicos do governo que as formularam. Desde a posse de Bolsonaro, são inúmeros os casos desse tipo de conflito. O mais relevante é a crise provocada pela saída do ex-deputado e médico Luiz Henrique Mandetta do Ministério da Saúde, cujas consequências políticas extrapolam a crise sanitária provocada pela pandemia do novo coronavírus e agravada pelo negacionismo de Bolsonaro. Ontem mesmo, o atual ministro da Saúde, Marcelo Queiroga, esteve em apuros ao depor perante os senadores da CPI da Covid.

Outro exemplo é a crise no Itamaraty, que resultou na saída do ex-ministro Ernesto Araújo, cuja passagem pela chancelaria foi um desastre completo. A situação se repete nas Forças Armadas, desde a demissão do então ministro da Defesa, general Fernando Azevedo, e a troca dos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica. Na Polícia Federal, que já teve duas trocas de comando, a tensão também é grande. Ontem, o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra Coelho (MDB-PE), foi indiciado pela PF, juntamente com seu filho, o deputado Fernando Bezerra Coelho Filho (DEM-PE), supostamente pelos crimes de corrupção passiva, lavagem de dinheiro, falsidade ideológica e falsidade ideológica eleitoral. É acusado de ter recebido propina de R$ 10 milhões de empreiteiras quando foi ministro da Integração Nacional no governo Dilma Rousseff. Sem Bezerra, a base do governo no Senado pode entrar em colapso.

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