terça-feira, 22 de junho de 2021

Luiz Carlos Azedo - Um ataque de nervos

Correio Braziliense

O comportamento do presidente da República é de quem se sente acuado pela oposição, em razão do desgaste causado por mais de 500 mil óbitos por covid-19

O presidente Jair Bolsonaro teve um chilique ontem, em Guaratinguetá (SP), ao ser questionado pelo fato de não ter, até então, manifestado nenhum pesar pela marca de 500 mil mortos por covid-19 que o Brasil alcançou no fim de semana. Bolsonaro disse que lamenta todos os óbitos, porém defendeu o uso de medicamentos ineficazes contra o novo coronavírus e depois destratou a repórter Laurene Santos, da TV Vanguarda, afiliada da Rede Globo, porque ela perguntou a razão de ele ter chegado à cidade sem máscara, mesmo após ser multado recentemente em São Paulo por não usar a proteção. Bolsonaro também atacou a CNN e a TV Globo.

“Eu chego como eu quiser, onde quiser, eu cuido da minha vida”, respondeu Bolsonaro, ao tirar a máscara e destratar a repórter. Em seguida, tirou novamente a máscara. A repórter tentou explicar que o uso da máscara é exigência da lei. Entretanto, descontrolado, o presidente mandou a jornalista calar a boca e xingou a emissora. Em protesto, o presidente da Associação Brasileira de Imprensa (ABI), Paulo Jeronimo, emitiu uma nota em nome da instituição, repudiando o corrido, em tom duríssimo: “Renuncie, presidente!”

Diz a nota: “Descontrolado, perturbado, louco, exaltado, irritadiço, irascível, amalucado, alucinado, desvairado, enlouquecido, tresloucado. Qualquer uma dessas expressões poderia ser usada para classificar o comportamento do presidente Jair Bolsonaro nesta segunda-feira, insultando jornalistas da TV Globo e da CNN”. Segundo a entidade, “diante da rejeição crescente a seu governo, Bolsonaro prepara uma saída autoritária e, mesmo a um ano e meio da eleição, tenta desacreditar o sistema eleitoral. Seu objetivo é acumular forças para a não aceitação de um revés em outubro de 2022”.

A oposição a Bolsonaro cresce na sociedade civil e nas ruas, conforme ficou patente no sábado, com as manifestações realizadas nas grandes cidades do país. O comportamento do presidente da República é de quem se sente acuado pela oposição, em razão do
desgaste causado por um trauma sem precedentes na vida brasileira, desde a epidemia de febre amarela: o fato de mais de 500 mil pessoas terem falecido por causa da covid-19. Esses números explicam também a grande adesão aos protestos realizados contra o governo, ou seja, o crescimento das forças de oposição, principalmente de esquerda.

Embora Bolsonaro aposte na radicalização política e na polarização eleitoral com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT), não faz parte de suas expectativas que o divisor de águas da eleição seja a crise sanitária, na qual governo vem cometendo erros continuados, em razão do seu negacionismo. A CPI da Covid do Senado, agora, investiga supostos vínculos financeiros entre o chamado “gabinete paralelo” — o time de conselheiros que Bolsonaro organizou para subsidiar suas posições sobre a pandemia, à margem dos técnicos do Sistema Único de Saúde (SUS) — e os laboratórios envolvidos na fabricação dos medicamentos do chamado “tratamento precoce”, entre os quais a hidroxcloroquina, a ivermectina e a azitromicina.

Blindagem
A atuação da CPI desconstrói a narrativa de Bolsonaro sobre o tratamento precoce e ainda demonstra que o atraso na vacinação contra a covid-19 decorre dos erros cometidos pelo general Eduardo Pazuello à frente do Ministério da Saúde, sob ordens diretas do presidente da República. Com quebras de sigilo fiscal e telefônico dos envolvidos, que passaram a investigados, o trabalho da CPI avança na direção do lobby do “tratamento precoce”, o que aumenta o estresse no Palácio do Planalto. A irritação de Bolsonaro decorre também do fato de a base governista ter perdido o controle da CPI.

Em contrapartida, Bolsonaro foi favorecido ontem por uma decisão da ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal (STF), acolhendo pedido de governadores de 19 estados — Alagoas, Amazonas, Amapá, Bahia, Espírito Santo, Goiás, Maranhão, Pará, Pernambuco, Piauí, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Rondônia, Santa Catarina, São Paulo, Sergipe, Tocantins e Acre — e do Distrito Federal para que não fossem obrigados a depor na CPI do Senado. “O presidente da República não pode ser convocado pela Câmara dos Deputados e pelo Senado Federal, ou qualquer de suas comissões, para prestar informações, pessoalmente, no âmbito daquelas Casas Legislativas”, afirma a ministra. Bolsonaro é blindado pela Constituição.

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