quinta-feira, 10 de junho de 2021

Míriam Leitão - Reformas ruins e o engano do mercado

- O Globo

A inflação deu um salto e foi a 8% em 12 meses, um mês antes do que era projetado. Deve terminar o ano estourando o teto da meta. Por uma dessas esquisitices fiscais brasileiras, o fato de o pico ser no meio do ano permitirá ao governo gastar mais em 2022. O PIB deve crescer mais de 4% este ano, porém a conjuntura é marcada pelo alto desemprego e nenhuma garantia de crescimento sustentado. No mercado financeiro, analistas avaliam que a situação fiscal melhorou após a aprovação do Orçamento e o andamento das reformas. É mais um momento de autoengano do mercado. As reformas são ruins, o Orçamento tem gambiarras e este governo corta gastos apenas das áreas que quer perseguir.

O quadro econômico ficou ainda mais difícil com a má notícia de ontem, da inflação. Os preços têm pressionado, e aqui na coluna antecipamos esse movimento de alta no acumulado de 12 meses. A surpresa é que o fenômeno foi mais forte. A previsão do professor Luiz Roberto Cunha era de que o acumulado em 12 meses chegaria a 8% em junho. Atingiu 8,06% com o número de maio. Cunha informa que o índice permanecerá alto por vários meses até novembro, caindo ligeiramente para o nível de 7%. E que pode ficar entre 6% e 6,5% no fim do ano. Isso estoura o teto da meta que é de 5,25%.

— Pode até ficar um pouco abaixo de 6% num cenário otimista no câmbio, com os preços de alimentos não subindo com intensidade, e o Banco Central colocando a Selic lá pelos 5,75% ou 6% — disse Cunha.

Nas últimas semanas, houve um otimismo no mercado com o que eles definem “agenda de reformas”. Fala sério. Que reformas? A privatização da Eletrobras virou uma árvore de Natal, tudo está sendo dependurado nela. A reforma administrativa exclui os atuais servidores e poupa os que ganham mais em outros poderes. Na reforma tributária, o executivo e seus aliados no Congresso implodiram a melhor chance de fazer uma mudança significativa nos impostos sobre consumo. A proposta do governo une apenas o PIS e a Cofins e, mesmo assim, eleva impostos. Quem diz isso já esteve no governo, exatamente nessa área, o economista Marcos Cintra. Ele fez as contas e concluiu que o PL 3887, a minirreforma tributária com a alíquota de 12%, aumentará a carga para vários setores, inclusive a indústria, mas poupará o setor financeiro e os que se beneficiam de regimes especiais como a Zona Franca de Manaus.

— O PL vai enfrentar uma frente unida de oposição. Pode ser aprovado, mas vai ter muita oposição — diz Cintra.

O ministro Paulo Guedes tentou trazer de volta a CPMF. Esse era o projeto que, por razões óbvias, provocou muita reação. Ninguém quer mais um imposto, principalmente esse. A proposta meia-sola foi juntar PIS e Cofins. Agora, fala-se em incluir algumas mudanças no Imposto de Renda. Mas nada foi proposto. O que existe é o que foi apresentado no ano passado, a unificação de dois tributos batizada de reforma tributária.

Para o ministro Paulo Guedes não é importante ser, mas parecer ser. Ele coloca um rótulo e se convence que tem conteúdo. A PEC emergencial foi desidratada, virou uma autorização para dependurar despesas acima do teto, mas ele passou a defini-la com o nome pomposo de “novo marco fiscal”. Os projetos que o Ministério da Economia propõe definham ao passar pelo presidente da República.

A inflação acima de 8% no acumulado de 12 meses até junho é a que reajusta o teto de gastos. Isso dará mais folga ao governo em ano eleitoral. Este governo é gastador. Ele só corta ideologicamente. As universidades estão estranguladas e a fiscalização ambiental, paralisada, por falta de recursos, mas os gastos militares cresceram 17% acima do previsto no ano passado, como efeito de um plano de carreira travestido de reforma da previdência dos militares. Recentemente, o Ministério da Economia autorizou que quem está aposentado e tem cargo no governo receba as duas rendas sem ter que obedecer ao teto salarial do funcionalismo. Isso beneficiou os militares aposentados com cargo no governo, como o próprio presidente. Guedes disse naquela reunião ministerial de abril do ano passado que aumentaria os gastos para “eleger o presidente”.

Esse é o plano. O único. Não há um plano de ação para combater o desemprego e manter o crescimento econômico, como nunca houve um plano de combate à pandemia.

 

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