sábado, 19 de junho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Em busca da estabilidade política

O Estado de S. Paulo

Em meio a um clima de grande apreensão em razão da instabilidade política promovida pelo bolsonarismo e do espectro do possível retorno de Lula da Silva à Presidência, os defensores do regime semipresidencialista entenderam que se trata de um bom momento para retomar o debate sobre esse sistema híbrido de governo, bem-sucedido em países como Portugal e França.

Com dois impeachments nas três décadas desde o restabelecimento da democracia e das eleições presidenciais diretas, e levando-se em conta que os presidentes que terminaram o mandato também foram ameaçados de afastamento, está claro que o atual sistema é propício a crises agudas. Há mais de uma centena de pedidos de impeachment contra Jair Bolsonaro, e tudo indica que o próximo presidente também enfrentará essa perspectiva sombria.

A instabilidade do regime presidencialista brasileiro é, portanto, evidente. Duas razões concorrem para esse tumulto permanente. A primeira delas está na generosidade da Constituição de 1988, que, a título de fazer justiça social por lei, criou as condições para a ocorrência periódica de crises fiscais, que por sua vez minam a capacidade política do governo de turno. A segunda é a grande fragmentação política, que obriga o presidente a articular coalizões em geral frágeis, cuja durabilidade depende diretamente da distribuição de verbas e cargos e é abalada ao menor sinal de risco eleitoral.

A experiência do governo de Michel Temer (2016-2018), contudo, aponta um possível “caminho do meio” para a tão desejada estabilidade. Nas piores condições imagináveis – em meio a uma grave crise econômica e política, na sequência de um traumático impeachment e com popularidade de apenas um dígito –, Michel Temer conseguiu as façanhas de sobreviver no cargo e de aprovar importantes reformas e ajustes que ajudaram a recolocar a economia nos trilhos e a estabilizar o País.

Isso foi possível, segundo escreveu o ex-presidente em artigo publicado no Estado (O semipresidencialismo, A2, 12/6), porque seu breve governo já teria sido uma experiência semipresidencialista. Sendo um político afeito ao Parlamento, Michel Temer inclinou-se naturalmente para um governo compartilhado com o Congresso, cerne do semipresidencialismo. “Chamei o Congresso para governar comigo”, disse Temer no artigo, que propõe uma emenda constitucional que instaure o semipresidencialismo a partir de 2026.

O ideal, a bem da verdade, seria a instauração do parlamentarismo, conforme se planejava nos debates para a Constituição de 1988. Mas esse sistema, em que o presidente é figura quase decorativa, enquanto o Poder Executivo é exercido na prática pelo Legislativo, já foi rejeitado em dois plebiscitos.

Resta, portanto, manter o presidencialismo atual, fragilizado diante de um Congresso com controle cada vez maior sobre a pauta política e o Orçamento, ou então tentar o sistema semipresidencialista – que, a despeito de ter funcionado bem no seu formato improvisado no governo Temer, também tem problemas.

No semipresidencialismo, o presidente nomeia o primeiro-ministro, que é quem efetivamente governa, e pode dissolver o Congresso em caso de impasses que travem a governabilidade, convocando-se novas eleições. O primeiro-ministro e seu gabinete sobrevivem caso consigam formar e manter maioria parlamentar. Para Temer, mesmo que haja grande fragmentação partidária, o Congresso se divide naturalmente entre situação e oposição. E, caso o primeiro-ministro caia, esse processo se dá sem os traumas do impeachment.

O problema é que tal sistema demanda partidos bem estruturados e disciplina partidária. Isso seria praticamente impossível hoje, e gabinetes poderiam ser derrubados a todo momento.

A rigor, partidos fortes são necessários em qualquer sistema de governo. Por isso, antes de falar em alguma alternativa ao presidencialismo, é preciso continuar com as mudanças, ora em curso, que tendem a reduzir a fragmentação partidária. Não surpreende que essas mudanças estejam sob ameaça de partidos que lucram com a instabilidade, vendendo seu apoio a presidentes fracos. Assim, não há sistema que funcione.

Cuidado com a improbidade

O Estado de S. Paulo

A aprovação pela Câmara do Projeto de Lei (PL) 10.887/18, que revisa a Lei de Improbidade Administrativa (Lei 8.429/92), suscitou várias críticas, como se representasse um movimento do Congresso a favor da impunidade e de um menor controle sobre os atos dos gestores públicos. Os fatos, no entanto, são um pouco mais complexos.

Em vez de coibir os malfeitos na gestão pública, a Lei 8.429/92 produziu, ao longo de seus quase 30 anos de vigência, um cenário de profunda insegurança jurídica sobre toda a máquina pública.

Com uma redação excessivamente ampla, a Lei de Improbidade Administrativa não trouxe problemas apenas para os maus gestores. Ela gerou problemas para todas as pessoas que trabalham na administração pública, também para quem atua de maneira correta. Além disso, em muitos casos, a Lei 8.429/92 foi usada pelo Ministério Público como instrumento de contestação política.

O desequilíbrio da lei – perseguindo não apenas a improbidade, mas também a conduta honesta – gerou dois nítidos efeitos. Muitos profissionais passaram a se recusar a colaborar com o serviço público simplesmente pelo receio dos processos judiciais que depois teriam de enfrentar. Obviamente, esse fenômeno é muito prejudicial para a eficiência da administração pública.

O segundo resultado é o chamado “apagão das canetas”. Para evitar processos por improbidade, muitos gestores deixaram de tomar decisões, esperando ser obrigados pela Justiça a atuar. Além de ser fonte de atraso – o que acarreta danos sobre a qualidade dos serviços públicos –, essa deliberada omissão conduz a uma inversão de funções. Decisões de natureza executiva, que deveriam ser tomadas por quem tem responsabilidade política, são definidas pelo Ministério Público ou pelo Judiciário.

É do interesse público, portanto, a reforma da Lei de Improbidade Administrativa. Uma legislação eficiente sobre o tema deve conter critérios claros e precisos. O gestor público deve saber com segurança o que pode e o que não pode fazer. O Ministério Público deve dispor de meios para coibir com eficiência eventuais ilegalidades, mas sem interferir na gestão pública.

O placar da aprovação do PL 10.887/18 – 408 votos favoráveis e 67 contrários – mostra não apenas que a tramitação na Câmara, ao longo desses três anos, foi capaz de gerar um razoável consenso sobre o tema. O resultado revela a discrepância da atual Lei de Improbidade Administrativa, causando problemas a todos os gestores de todos os partidos. Não há exceção.

É preciso advertir, no entanto, que não basta alterar a Lei 8.429/92. Muitos problemas e desequilíbrios sobre o tema decorrem de uma interpretação expansionista do texto legal. Nesse sentido, o Congresso também deve ser cuidadoso com a forma pela qual lida com a improbidade administrativa. E a Câmara, na reta final da tramitação do projeto, não o foi. 

A decretação do regime de urgência no dia 15 de junho, antes da apresentação do parecer final do relator, deputado Carlos Zarattini (PT-SP), serviu para suscitar dúvidas sobre um projeto cujo objetivo era precisamente extinguir as dúvidas. Também não ajudou o fato de que a reforma da Lei de Improbidade Administrativa pode beneficiar diretamente o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira (PP-AL). Não faz bem a nenhum Parlamento transmitir a impressão de que legisla em causa própria.

A atitude apressada da Câmara, na reta final da tramitação, dificultou o esclarecimento de um ponto essencial a respeito da Lei 8.429/92. A legislação sobre improbidade administrativa, como o próprio nome indica, não tem natureza penal e o PL 10.887/18 não trata de crimes. Os crimes contra a administração pública não foram alterados, ou seja, o projeto aprovado na Câmara não altera em nada o combate à corrupção.

Tanto a improbidade administrativa como os crimes contra a administração pública devem ser combatidos. Cabe ao Congresso, também pelo modo como trabalha, produzir marcos jurídicos adequados, que não levem a interpretações extravagantes.

Segurança em dólares

O Estado de S. Paulo

Recordes têm marcado o comércio exterior do Brasil em 2021, graças ao vigor da China, principal mercado importador de produtos brasileiros, aos preços altos das commodities, ao dólar valorizado, à retomada de alguns ramos industriais e à vitalidade do agronegócio, apesar dos efeitos da seca em importantes áreas produtoras. O superávit comercial de US$ 27,1 bilhões acumulado de janeiro a maio foi o maior da série iniciada em 1997. Em maio, a corrente de comércio, soma de exportações e importações, chegou a US$ 54,6 bilhões, outro recorde. O valor alcançado nos cinco primeiros meses, US$ 190,2 bilhões, foi o segundo maior da série.

O sólido resultado comercial continua garantindo a segurança do setor externo. O saldo positivo na balança de mercadorias compensa em boa parte o costumeiro déficit nas contas de serviços e de rendas. Graças a isso o saldo negativo em transações correntes se mantém facilmente financiável com o investimento direto estrangeiro, embora esse tipo de recurso tenha diminuído nos últimos dois anos. Empresários de fora continuam apostando na economia brasileira, apesar da insegurança em relação à política econômica do atual governo e aos problemas de imagem criados pela atuação do presidente Jair Bolsonaro.

Todos os grandes setores ampliaram suas vendas externas, contribuindo para o aumento do valor exportado. O valor exportado até maio, de US$ 190 bilhões, foi 31% maior que o de um ano antes. De novo, o resultado geral foi assegurado pelas vendas de commodities – produtos do agronegócio e da indústria extrativa. Em maio, o agronegócio, com receita de US$ 13,9 bilhões (outro recorde), proporcionou 51,7% do valor total das exportações. A receita comercial do setor nos primeiros cinco meses (US$ 50,2 bilhões) correspondeu a 46,2% do valor exportado. A participação foi menor que a de janeiro-maio de 2020, quando chegou a 49,5%. A consolidação desses dados foi realizada pelo Ministério da Agricultura

Mesmo com aumento da parcela do setor extrativo – basicamente petróleo e minério de ferro –, o agronegócio continuou com a maior fatia. A participação do agro inclui as vendas de produtos primários, semimanufaturados e manufaturados (como açúcares, farelo de soja, celulose e carnes processadas).

O agro, assim como a indústria mineral, também se destaca pela capacidade de produzir saldos comerciais positivos. Em maio, o superávit do agronegócio chegou a US$ 12,7 bilhões. Um ano antes havia atingido US$ 9,6 bilhões. O saldo de cinco meses passou de US$ 35,8 bilhões em 2020 para US$ 44 bilhões neste ano. Esse resultado compensou com enorme folga o déficit de US$ 16,9 bilhões dos demais setores.

Nos 12 meses até maio o agronegócio exportou US$ 109,7 bilhões, 10,7% mais que no período anterior. Seu superávit, de US$ 95,9 bilhões, cresceu 11,6%. O valor exportado pelo setor correspondeu a 46,8% de toda a receita obtida pelo País no comércio de bens.

Em todas essas operações, o principal destino das vendas do setor foi a China. Em 12 meses o mercado chinês absorveu produtos no valor de US$ 38 bilhões, 34,6% do total vendido pelo agronegócio. Além de ser a maior compradora de produtos brasileiros, a China se mantém, há anos, como uma das fontes mais importantes dos superávits comerciais obtidos pelo Brasil.

A parceria com o mercado chinês tem uma importância estratégica muito especial – e aparentemente ignorada pelo presidente Jair Bolsonaro, por seus filhos e pelo ex-ministro de Relações Exteriores Ernesto Araújo. Essa parceria se tornou ainda mais importante quando a China se tornou fornecedora de insumos para a produção de vacinas contra a covid-19 e também de vacinas prontas. Também esse papel foi desastradamente ignorado pelo presidente da República.

O agronegócio tem condições de se manter como importante fator de segurança externa para a economia brasileira. Para isso, no entanto, será essencial manter relações civilizadas com todos os importadores, além de preservar a imagem do setor, ameaçada pelos desatinos ambientais do governo.

O que liberdade de expressão quer dizer para o brasileiro

O Globo

Antes das redes sociais, do exótico inquérito das fake news aberto no Supremo Tribunal Federal (STF) e do surgimento de figuras como o deputado federal Daniel Silveira (PSL-RJ), a discussão sobre liberdade de expressão no Brasil ficava restrita a letras de música ou temas como apologia ao crime. Depois de publicar um vídeo em fevereiro em que ameaçava ministros do Supremo Tribunal Federal (STF), pedia que fossem retirados do cargo e defendia a ditadura militar, Silveira foi preso e virou réu. No entender do ministro do STF Alexandre de Moraes, que determinou a prisão, não se pode confundir liberdade de expressão com “liberdade de agressão”.

Para além do caso de Silveira, nem sempre é fácil traçar a linha entre as ameaças que devem ser coibidas e aquilo que não passa de declarações que, mesmo abjetas, devem ser protegidas, pois são a garantia de que todos têm o direito de se expressar livremente. Numa ditadura, costuma ser mais claro o que constitui restrição ao livre discurso. É o caso da invasão de policiais à redação do Apple Daily, jornal de Hong Kong crítico ao Partido Comunista Chinês, nesta semana. Nas democracias, é mais difícil de discernir os limites. Algo ofensivo ou que causa dano em certa cultura pode ser inofensivo noutra. As fronteiras dependem de valores, momentos históricos e, muitas vezes, mudam com o tempo.

É o que deixa claro uma nova pesquisa do centro de estudos dinamarquês Justitia, em parceria com a Universidade Columbia, de Nova York, e a Universidade de Aarhus, na Dinamarca. Cidadãos de 33 países foram questionados sobre seu apoio à liberdade de expressão. O levantamento não se propõe a analisar o que é permitido, mas entender que tipo de discurso ou crítica cada cultura aceita. O resultado mostra que, embora o brasileiro valorize a liberdade de expressão, ele ainda tem dificuldade em entender o que ela significa em toda a sua plenitude.

Um dos alvos mais populares nos 33 países é o governo. A maioria da população dos locais pesquisados defende críticas a quem está no poder. Nesse item, o Brasil aparece no grupo com mais de 90% de apoio. O brasileiro aceita críticas ao governo e opiniões políticas estridentes. Surgem diferenças para os países cujos povos mais valorizam a liberdade — Noruega, Dinamarca e Estados Unidos — quando estão em jogo crenças religiosas e minorias. No Brasil, a aceitação aos direitos de ofender religiões e grupos minoritários soma, respectivamente, 42% e 41%. Para comparar: nos Estados Unidos, são 78% e 66% ; na Noruega, 81% e 66%; e, na Dinamarca, 79% e 64%.

É um alento saber que, num momento em que proliferam fake news, os brasileiros se destacam pelo apoio aos pilares do jornalismo profissional. Uma maioria consolidada diz querer saber a verdade doa a quem doer. Para 76%, a imprensa tem o direito a publicar reportagens que desestabilizem a economia. Para 80%, deve poder divulgar informações que dificultem a gestão de epidemias. E 65% dizem que tem direito a publicar mesmo dados sensíveis para a segurança nacional. Nesses três quesitos, o Brasil aparece entre os cinco primeiros colocados do ranking.

No cômputo geral, no entanto, ficamos em 14º lugar, no pelotão intermediário, depois de Israel e acima da África do Sul. A liberdade de expressão é sem dúvida um valor para o brasileiro, mas não de forma absoluta, nem em toda a sua extensão. 

‘Serial killer’ expõe legislação leniente e sistema penal falho

O Globo

O homem de 33 anos procurado por mais de 200 policiais na Região Centro-Oeste é um criminoso temido. Nas últimas semanas, espalhou o terror entre moradores do Distrito Federal e de Goiás. Por onde passou, deixou as digitais sujas de sangue. Uma de suas características é torturar e humilhar as vítimas antes de matá-las. O próprio pai resumiu o que pensa sobre o filho: “Isso é um monstro da pior espécie”.

Ao menos para o Estado, não deveria haver surpresa nesse thriller de horror protagonizado pelo serial killer, velho conhecido da Justiça. Em sua vasta folha corrida, constam crimes como assassinatos, estupro, roubo, tentativa de homicídio. Nos últimos 14 anos, passou várias vezes pelas prisões, que sempre ignoraram o risco que representa para a sociedade. Infelizmente, não avilta apenas suas vítimas indefesas, mas também as polícias (que batem cabeça à sua procura), o sistema carcerário cheio de furos, a legislação penal (que serve para manter na prisão acusados de crimes de pequena monta e deixa bandidos perversos à solta) e o próprio Estado, indigente na proteção aos cidadãos. Seus crimes se tornam ainda mais chocantes porque expõem de forma brutal a incompetência do país para fazer cumprir a lei.

De acordo com levantamento do G1, ele foi preso em 2007 em Barra do Mendes (BA). Ficou dez dias na cadeia e fugiu. Dois anos depois, foi para o Complexo da Papuda (DF), onde, em 2014, ganhou direito ao semiaberto e, em 2016, aproveitou o “saidão da Páscoa” e não voltou. Em 7 de março de 2018, foi recapturado em Águas Lindas de Goiás. Fugiu quatro meses depois.

Um laudo feito na Papuda em 2013 atestou que se trata de um psicopata imprevisível, com comportamento agressivo, instabilidade emocional e falta de controle e equilíbrio. A pergunta óbvia: como pode então estar livre por aí aterrorizando famílias, fazendo novas vítimas? A resposta também parece óbvia. Porque é beneficiado pelas falhas gritantes de um sistema carcerário trôpego e de uma legislação leniente, que permite que um criminoso de alta periculosidade vá para casa na esperança de que voltará ao presídio.

O roteiro é conhecido. Em 10 de outubro de 2020, o traficante André do Rap, líder de uma das maiores facções do país, foi libertado da Penitenciária de Presidente Venceslau (SP), beneficiado por um habeas corpus do ministro do Supremo Marco Aurélio Mello, integrante da ala dos “garantistas”, que considera o cumprimento do devido processo legal mais importante que a gravidade das denúncias.

Naquele mesmo dia, o presidente do STF, Luiz Fux, suspendeu a decisão, determinando a volta do bandido ao presídio de segurança máxima. Longas discussões se sucederam sobre se a soltura se enquadrava ou não no artigo 316 do Código de Processo Penal, que determina que prisões preventivas (como a de André do Rap) precisam ser revisadas a cada 90 dias. Alheio a tudo isso, o traficante dava no pé — suspeita-se que tenha deixado o país. Desde então nunca foi encontrado. Alguém imaginaria o contrário?

Privatização aviltada

Folha de S. Paulo

Congresso contamina desejável venda da Eletrobras com clientelismo e insegurança

A falta de um núcleo pensante no Planalto, capaz de negociar com firmeza e refrear as tendências corporativistas do Congresso, constitui problema grave em qualquer circunstância. Se o presidente da República ainda é um incentivador desses interesses, caso de Jair Bolsonaro, tudo fica pior.

Foi o que se viu até aqui na tramitação da medida provisória que trata da privatização da Eletrobras. O texto deveria apenas autorizar a União a reduzir sua participação acionária na empresa para menos de 50%, por meio de um aumento de capital, garantindo alguns direitos especiais de veto ao governo.

Sabendo da permeabilidade do Planalto a pressões clientelistas e da disposição da equipe econômica a fazer qualquer negócio para vender ao menos uma estatal de peso, os parlamentares foram ao ataque.

O Executivo já incluíra na versão original da MP vários dispositivos para contemplar as bancadas regionais, como a previsão de R$ 8 bilhões para revitalização de bacias e redução de custos de energia na Amazonia Legal, a serem desembolsados ao longo de dez anos.

Tais aportes até podem carregar algum sentido, mas os deputados foram além e interferiram na regulação do setor. Foram garantidas uma reserva de mercado em novos leilões de energia para pequenas centrais hidrelétricas e a contratação de 6.000 MW por meio de usinas térmicas em regiões sem infraestrutura de transporte de gás.

Em vez de retirar tais anomalias, o Senado incorporou novas ao texto —aumentou a contratação de térmicas para 8.000 MW e prorrogou subsídios para energia eólica e solar, entre outros dispositivos.

Especialistas divergem quanto aos potenciais custos, mas há estimativas de que o setor privado possa ter de arcar com valores bilionários na conta de luz. O governo, por sua vez, diz que a conta cairá.

Unânime é a constatação de que a interferência do Congresso no planejamento do setor por meio de emendas a uma MP, sem parâmetros técnicos claros que justifiquem as medidas, aumenta a insegurança jurídica.

Digna de menção também é a desfaçatez com que deputados e senadores buscaram garantir seus pleitos —as demandas estão no mesmo artigo que versa sobre a desestatização num parágrafo contínuo, o que na prática impede um veto presidencial que não derrube o principal.

A esta altura, à luz dos interesses já contemplados, a MP provavelmente será aprovada em sua última etapa legislativa. A Câmara ainda tem uma última chance para defender a coletividade, mas é improvável que o faça. Do Planalto, já não se espera nada.

Mais alunos nas escolas

Folha de S. Paulo

Apesar de dificuldades, governo paulista faz bem em favorecer aulas presenciais

É bem-vinda a decisão anunciada pelo governo de São Paulo de ampliar o retorno de alunos às aulas presenciais no segundo semestre.

Desde que as atividades foram retomadas no estado, os estabelecimentos de ensino têm autorização para atender até 35% dos estudantes por dia. A partir de 1º de agosto, tal limite será abolido, ficando a cargo das escolas determinar a quantidade de alunos nas classes.

Seja qual for o percentual, as unidades deverão continuar respeitando os protocolos sanitários, como uso de máscaras e de álcool em gel, bem como o distanciamento de 1 metro.

Além desses requisitos óbvios, o governo paulista anunciou a aquisição de 3 milhões de testes para realizar o acompanhamento da situação epidemiológica da rede estadual —a serem empregados tanto nos casos sintomáticos como no crucial monitoramento sentinela.

A decisão, decerto, não é isenta de críticas. Fechamentos e reaberturas por vezes se guiam mais por conveniências e pressões setoriais do que pela realidade da epidemia.

Tanto que o anúncio paulista ocorre num momento em que as contaminações seguem em patamar alto no estado, com uma média móvel de mais de 13 mil novas infecções por dia. Ademais, cerca de metade do professorado paulista não terá recebido a segunda dose da vacina até o início de agosto.

Não obstante tais fatores, que tornam compreensíveis os temores de parte dos pais e docentes, é imperioso o retorno do maior número possível de estudantes às escolas.

São dramáticos, afinal, os danos infligidos ao aprendizado por tantos meses longe das salas de aula, sobretudo para as parcelas mais carentes da população —para nem mencionar a privação da merenda e do convívio social.

Segundo um amplo estudo da Universidade de Zurique e do Banco Interamericano de Desenvolvimento, em parceria com a Secretaria de Educação paulista, o fechamento prolongado das escolas em 2020 fez com que os estudantes da rede pública aprendessem em média somente 27,5% do conteúdo esperado. Em algumas séries houve até mesmo regressão.

Verificou-se ainda aumento da desigualdade educacional e um crescimento expressivo do risco de abandono escolar.

Não será simples reverter tamanho desastre, mas é tarefa que precisa ser iniciada o quanto antes. O retorno às escolas constitui o primeiro passo --e cabe a todos minimizar os riscos para que isso aconteça sem maiores sobressaltos.

Nenhum comentário:

Postar um comentário