quinta-feira, 24 de junho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Grave suspeita

Folha de S. Paulo

São muitas as dúvidas sobre a lisura da compra da Covaxin pelo governo Bolsonaro

Como se não fosse desastrosa o bastante a atuação do governo Jair Bolsonaro na busca de vacinas contra a Covid-19, às evidências de incúria somam-se agora suspeitas quanto à lisura do processo, em particular na compra do imunizante indiano Covaxin.

Os sinais de alerta começam pelos preços. Pelo contrato, assinado em fevereiro, o governo brasileiro pagaria US$ 15 por dose da Covaxin, produzida pelo laboratório indiano Bharat Biotech, numa operação que envolveria 20 milhões de doses e totalizaria R$ 1,61 bilhão.

Segundo o jornal O Estado de S. Paulo, houve encarecimento de 1.000% ante o valor anunciado pelo fabricante seis meses antes.

O imunizante é o mais caro dos seis que o Executivo federal contratou. O da Pfizer, que se vale de uma tecnologia muito mais avançada do que a empregada na Covaxin, saiu por US$ 10 a dose. O produto indiano só foi aprovado pela Anvisa no último dia 4, após uma rejeição e com ressalvas de uso.

Ao contrário do que ocorre com as vacinas ocidentais, não há muitos trabalhos sobre a eficácia/efetividade da Covaxin publicados em periódicos com revisão por pares.

Outro detalhe inquietante é que ela, ao contrário de todas as outras vacinas compradas pelo Brasil, que foram negociadas diretamente com o laboratório, foi adquirida por meio de um representante, a Precisa Medicamentos.

O sócio-administrador da empresa, Francisco Emerson Maximiano, preside outra, a Global Gestão em Saúde, que responde a processo por irregularidades em contratos com o Ministério da Saúde.

O processo de aquisição do fármaco indiano também correu com uma rapidez que contrasta com o pouco caso negligente que o governo Bolsonaro dispensou à compra de outros imunizantes.

Como revelou a Folha, Luís Ricardo Fernandes Miranda, chefe da divisão de importação do Ministério da Saúde, relatou ao Ministério Público Federal, em 31 de março, ter sofrido pressão incomum para assinar o contrato.

Pior, o deputado federal Luis Miranda (DEM-DF), irmão de Luís Ricardo, diz que alertou, em 20 de março, o próprio presidente acerca dos indícios de irregularidades.

Segundo o parlamentar, Bolsonaro prometeu que acionaria a Polícia Federal, mas não houve informação posterior a esse respeito.

Por fim, todos os prazos fixados para a chegada das vacinas indianas se esgotaram sem que nenhuma dose tenha sido entregue. Para um mandatário que se gaba de não ser alvo de acusações de corrupção, há muito a explicar.

Salles fora

Folha de S. Paulo

Bolsonaro saca enfim o auxiliar, mas nada indica que mude política antiambiental

Durou muito, demais até, a permanência de Ricardo Salles à frente do Ministério do Meio Ambiente. Mesmo num governo dado à pirraça, como o de Jair Bolsonaro, sua manutenção no cargo nada agregava de benéfico para a Presidência.

Para o Brasil, então, Salles só acarretava opróbrio. Para além dos resultados sinistros de sua gestão, já afrontava o senso de decoro a preservação de um administrador investigado pela Polícia Federal sob suspeita de favorecer exportadores de madeira ilegal.

A folha corrida do auxiliar tardiamente defenestrado é longa. No alto figura a famigerada recomendação, em reunião ministerial de abril de 2020, de aproveitar a atenção dada à pandemia para “passar a boiada” da desregulamentação às cegas do setor ambiental.

Seria só mais uma declaração abjeta no recesso palaciano, ainda que sincera, não correspondesse a ações funestas para o patrimônio natural brasileiro. Ao longo da gestão de Salles, o desmatamento da Amazônia voltou aos cinco dígitos, saltando para 10 mil km² no primeiro ano do governo Bolsonaro e para 11 mil km² em 2020.

Neste ano, a devastação campeia mais uma vez. O alarme chegou ao vice-presidente Hamilton Mourão, que anunciou a volta das Forças Armadas à linha de frente contra o desmate. De novo o Planalto despenderá milhões de reais para contingentes sem experiência realizarem o combate que caberia precipuamente ao ministério.

A razão parece óbvia: Salles obteve sucesso em manietar e aleijar os órgãos de fiscalização e controle sob sua alçada, Ibama e ICMBio.

Tamanha dissociação administrativa representa o melhor sintoma de que, sob Bolsonaro, não se busca de fato resolver nada na Amazônia ou fora dela, somente multiplicar operações cenográficas para o público internacional.

Salles e seu chefe escolheram o lado do agronegócio predador, dos garimpeiros e madeireiros ilegais, dos grileiros que usurpam unidades de conservação e áreas indígenas e outras terras da União.

Na missão ecocida, Bolsonaro e Salles sempre contaram com o apoio da bancada ruralista do Congresso. Nem Bolsonaro nem o Parlamento mudaram. Sai o ministro, segue a política desastrosa.

O presidente nomeou para a pasta Joaquim Pereira Leite, secretário da Amazônia e Serviços Ambientais. Como Salles, tem no currículo passagem pela Sociedade Rural Brasileira. A ver se logrará um mínimo de conciliação entre os interesses dos produtores e a preservação ambiental, como sempre propala a ala mais esclarecida do setor.

Gincana da vacina

O Estado de S. Paulo

A suspensão da vacinação contra covid-19 em São Paulo na terça-feira, por falta de imunizantes, expôs uma inaceitável confusão a respeito de um dos mais delicados aspectos da pandemia. Seja qual for a razão do contratempo enfrentado pelos paulistas, fica claro que autoridades municipais, estaduais e federais alimentaram as expectativas dos maltratados cidadãos a respeito da tão necessária vacinação sem que suas promessas tivessem total respaldo na realidade. Não é assim que se faz política pública, ainda mais num momento grave como esse, em que é preciso conquistar a confiança da população para convencê-la a aderir à campanha para conter uma pandemia mortal.

Nas últimas semanas, governos de diversos Estados, como São Paulo, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul e Maranhão, anunciaram sucessivas antecipações na vacinação. O governo paulista, por exemplo, chegou a informar que esperava vacinar todos os adultos até setembro, e não mais até o fim do ano, como anteriormente previsto.

Tudo isso ajudou a criar um clima de otimismo, depois de mais de um ano de sofrimento e sacrifício, com mais de meio milhão de mortos, um sistema de saúde estressado e uma economia abalada. O problema é que nada autorizava esse otimismo.

O Ministério da Saúde, que compra e distribui as vacinas, vem há tempos alterando, para menos, a quantidade de imunizantes que promete entregar, seja por atraso de laboratórios, seja pela falta de insumos para a produção local. Já deveria estar claro que os números do cronograma divulgado pelo Ministério da Saúde são, no mínimo, duvidosos.

Por isso, é imprudente não somente acreditar nesses números, como anunciar a antecipação da vacinação, como se os imunizantes prometidos pelo Ministério da Saúde estivessem garantidos.

Sabe-se que há uma disputa política feroz entre alguns Estados e o governo federal, provocada pela percepção do presidente Jair Bolsonaro de que os governadores são seus inimigos, e essa disputa tem contaminado dramaticamente o planejamento do combate à pandemia em todas as esferas da administração pública.

O presidente Bolsonaro tudo fez e faz para sabotar os esforços dos Estados e municípios para conter a pandemia, jogando governadores e prefeitos contra a população ao responsabilizá-los por todas as suas agruras. Ademais, Bolsonaro trabalhou com afinco para adiar o quanto pôde a aquisição de vacinas, e só as aceitou após forte pressão do comando do Congresso. Mesmo assim, continua a disseminar dúvidas sobre os imunizantes.

Enquanto isso, os governadores tiveram que lidar não somente com a pandemia, mas com a crescente impaciência de seus governados com as restrições de movimento e com a falta de vacinas. Por isso, quando a vacina surgiu e estava ao alcance, sobretudo graças aos esforços do Instituto Butantan e do governo paulista, tornou-se naturalmente uma arma política, usada por governadores para mostrar serviço, como contraponto à inércia criminosa do governo federal.

Assim, a “gincana da vacina” que se verificou nas últimas semanas em vários Estados, numa disputa para ver quem imunizava mais, pode muito bem fazer parte desse embate político, pois pressiona o Ministério da Saúde a entregar os imunizantes conforme seu cronograma – aquele que muda a cada dia, quase sempre para pior.

Diante disso, parece claro que o calendário de vacinação foi transformado em ativo eleitoral contra Bolsonaro, pois é óbvio que a sensação de alívio com a imunização tem grande potencial de gerar votos. Nesse embalo, São Paulo relaxou parte das medidas de restrição – e depois voltou atrás – e o Rio de Janeiro anunciou que pretende fazer o carnaval no ano que vem, como se o País estivesse se encaminhando alegremente para a normalidade.

Não está. A média móvel de casos subiu 26%, atingindo o maior nível desde março. A média móvel de óbitos continua em torno de 2 mil por dia, um número que deveria envergonhar todos. No Estado de São Paulo, a ocupação de leitos de UTI para covid-19 ainda é de quase 80%.

Diante disso, seria muito bom que o calendário de vacinação pudesse ser antecipado. Mas, até agora, o único calendário antecipado, de fato, foi o eleitoral.

O TSE pede provas a Bolsonaro

O Estado de S. Paulo

Duas semanas depois de o presidente Jair Bolsonaro ter voltado a afirmar, durante um culto religioso em Anápolis (GO), que só não ganhou as eleições de 2018 no primeiro turno por causa de fraudes, o corregedor do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), ministro Luís Felipe Salomão, deu o prazo de 15 dias para que ele apresente documentos e provas que fundamentem suas acusações. 

“Eu fui eleito no primeiro turno. Tenho provas materiais disso, mas a fraude que existiu, sim, me jogou para o segundo turno. Outras coisas aconteceram e só acabei ganhando porque tive muito voto e (era assessorado) por algumas poucas pessoas que sabiam como evitar ou inibir que houvesse a fraude naquele momento”, afirmou Bolsonaro. Embora ao longo dos últimos dois anos e meio tenha feito outras afirmações no mesmo sentido, até hoje ele não apresentou qualquer prova ou evidência. E, em sua live da semana passada, voltou a tocar no assunto, dizendo que, se o sistema de voto impresso não for adotado no pleito de 2022, haverá fraude, o que levará o País a uma “convulsão social”. 

Encarregado de apurar irregularidades na esfera eleitoral, o ministro Luís Felipe Salomão fundamentou sua decisão com base em seis acusações de Bolsonaro coletadas pela Corregedoria do TSE e fez mais três determinações. Em primeiro lugar, obrigou todos os membros do entorno de Bolsonaro que fizeram declarações sobre fraudes nas urnas eletrônicas, no pleito de 2018, a também apresentar provas, sob pena de sofrerem sanções. Em segundo lugar, instaurou procedimento administrativo para apurar “a existência de elementos concretos que possam ter comprometido a segurança do processo eleitoral nos pleitos de 2018 e 2020”. Por fim, notificou o Cabo Daciolo, candidato derrotado a presidente em 2018, a prestar esclarecimentos, uma vez que, a exemplo de Bolsonaro, ele também denunciou irregularidades na apuração, sem apresentar provas. 

Ao justificar todas essas decisões, o ministro Luís Salomão alegou que “a credibilidade das instituições eleitorais constitui pressuposto necessário à preservação da estabilidade democrática e à manutenção da normalidade constitucional”. Segundo ele, “relatos genéricos”, como os que Bolsonaro vem fazendo reiteradamente desde o ano passado, “maculam a imagem da Justiça”. 

A partir de agora, portanto, se não apresentar à Corregedoria do TSE as provas que sempre disse ter, Bolsonaro enfrentará dois problemas. O primeiro é de ordem moral, uma vez que quem faz sucessivas denúncias infundadas e genéricas não passa de um boquirroto inconsequente e de um mentiroso contumaz. Já o segundo problema é de natureza jurídica. O presidente poderá não apenas sofrer uma sanção pecuniária por ter feito acusações sem provas à Justiça Eleitoral, mas, também, ser processado judicialmente pelos crimes de prevaricação e desobediência no Supremo Tribunal Federal.

É justamente aí que está o maior problema. Se a tramitação do processo for arrastada, o julgamento poderá coincidir com o início formal da campanha eleitoral do próximo ano, o que desgastará a imagem do presidente da República e ampliará as tensões políticas. E, se ele for condenado por fazer denúncias mentirosas e por estimular grupos de apoiadores a divulgar nas redes sociais informações falsas contra as instituições judiciais, colhendo assim os frutos do que irresponsavelmente plantou, os candidatos oposicionistas não perderão a oportunidade de pedir a sua inelegibilidade ao TSE. Com isso, a eleição presidencial será judicializada, pois, qualquer que seja a decisão da Corte, a parte derrotada recorrerá ao STF. 

A iniciativa do corregedor do TSE, que apenas cumpriu seu papel funcional, está sendo vista nos meios políticos como uma resposta sutil da magistratura às inconsequentes e irresponsáveis afrontas que Bolsonaro vem fazendo à Justiça. Mas, dependendo do desenrolar do caso nessa Corte, ela pode abrir caminho para uma crise maior do que se imagina. 

A aposta em juros mais altos

O Estado de S. Paulo

Enquanto a inflação complica o dia a dia das famílias, a alta de juros, empregada como terapia anti-inflacionária, mexe com o mercado financeiro e com o câmbio. O dólar terminou a terça-feira cotado a R$ 4,97, o menor valor desde o dia 10 de junho do ano passado. A expectativa de maior aperto monetário, com elevação mais veloz dos juros básicos, tem sido um dos fatores de contenção cambial. A política monetária americana, sem perspectiva de taxas mais altas até 2023, também tem contribuído para maior oferta de dólares em outros mercados, incluído o brasileiro. As apostas em aperto maior no Brasil foram reforçadas pela ata da última reunião do Copom, o Comitê de Política Monetária do Banco Central (BC), publicada nesta semana.

A taxa básica de juros, a Selic, será elevada de 4,25% para 5,25% ao ano na próxima deliberação do Copom, em agosto, segundo previsão disseminada no mercado financeiro. Na ata, no entanto, a indicação mais explícita é de um novo aumento de 0,75 ponto porcentual, idêntico aos dois anteriores. Mas essa indicação, como sempre, é condicional: a decisão efetiva dependerá das informações coletadas até a nova reunião. Mas a porta para um ajuste mais forte parece mais que entreaberta, desde a divulgação da ata.

Para começar, as projeções de inflação citadas no informe do BC estouram o limite de tolerância fixado para o ano, de 5,25%. No cenário básico, o aumento do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficará “em torno” de 5,8%, com juros básicos elevados até 6,25%. Esses números já constituem uma boa razão para apostar numa Selic na altura de 6,5% – com aceleração, portanto, do ajuste monetário previsto até a última sessão do Copom.

Em segundo lugar, a “persistência” da pressão inflacionária tem sido maior que a prevista, de acordo com o informe. Esse reconhecimento é um forte sinal de maior preocupação quanto à evolução provável dos preços. Depois, o Comitê insiste na indicação de um “risco fiscal elevado”. A continuidade desse risco pode empurrar a inflação para níveis mais altos no “horizonte relevante” para a política monetária.

O alerta vale pelo menos para 2021 e 2022. O risco fiscal é explicitamente associado ao prolongamento das políticas “de resposta à pandemia”. A linguagem seria mais convincente, e menos diplomática, se o perigo fosse claramente associado às pressões do presidente Jair Bolsonaro por ações de apoio à reeleição, como gastos sociais maiores e tributação mais branda. Mudanças como essas podem ser defensáveis, mas só deveriam vir no bojo de um planejamento fiscal efetivo e com finalidades mais amplas que os objetivos eleitorais.

A insegurança fiscal, segundo o Copom, gera uma “assimetria no balanço de riscos”. Sem o jargão profissional, o recado é o seguinte: o risco de uma inflação acima das atuais projeções supera o de uma evolução mais moderada. Com as incertezas quanto à condução das contas públicas, a inflação poderá revelar-se pior do que hoje se espera. Além disso, se crescerem os temores de maior desarranjo nas contas públicas, o próprio comportamento dos agentes de mercado poderá afetar a formação dos preços.

Essa insegurança, gerada pelo governo e especialmente pelas imprudências do presidente Jair Bolsonaro, já produziu estragos notáveis, como a forte valorização do dólar. Durante um ano a moeda americana, com cotações frequentemente acima de R$ 5,40, afetou perigosamente os preços. Um efeito secundário foi a decisão do Copom de elevar os juros para esfriar a demanda e conter a inflação. Apesar disso, as pressões inflacionárias persistiram, o IPCA subiu mais de 8% em 12 meses e por isso se espera, agora, um aperto monetário mais forte. Juros mais altos tendem a atrapalhar a recuperação da economia e, além disso, complicam a situação do Tesouro, encarecendo a dívida pública e tornando mais custosa a sua rolagem. A melhora desse quadro depende crucialmente de mais cuidado e mais previsibilidade nas ações de governo. Falta o presidente Bolsonaro assumir sua responsabilidade.

São necessários ajustes na reforma administrativa

O Globo

É urgente a aprovação de uma reforma administrativa para aperfeiçoar a gestão do setor público, tomado por uma barafunda de carreiras, cargos e benesses que transformou o Estado numa máquina de gerar desigualdade. Outro objetivo da reforma é, naturalmente, garantir a melhora da saúde fiscal. O perigo, quando se trata de tema tão complexo e cheio de meandros, mora nos detalhes.

É o que deixa claro uma nota técnica elaborada pela Consultoria de Orçamentos, Fiscalização e Controle (Conorf), do Senado Federal, sobre o impacto fiscal da proposta enviada pelo governo ao Congresso. É verdade que ela adota um tom desnecessariamente crítico ao projeto — em particular, em relação aos pontos essenciais que procuram eliminar privilégios inaceitáveis do funcionalismo. Mesmo assim, certas questões levantadas pelo consultor legislativo Vinícius Leopoldino do Amaral são pertinentes e deveriam ser revistas pelo Congresso.

A principal: a proposta de mudar as regras para ocupar cargos em comissão e de confiança poderá fazer com que os governos federal, estaduais e municipais tenham 1 milhão — sim, 1 milhão — de postos para livre nomeação, um acréscimo de, pelo menos, 207 mil ao total atual. Mais que isso, a proposta afrouxa os critérios de nomeação, deixando de exigir qualificação mais rígida e abrindo brechas em áreas técnicas.

É totalmente discutível a estimativa de Amaral de que o projeto do governo poderia custar R$ 115 bilhões anuais aos cofres do governo. O pesquisador Daniel Duque, do Centro de Liderança Pública (CLP), estimou em R$ 736,4 bilhões a economia em dez anos, caso a proposta venha a incluir todos os funcionários públicos. De todo modo, a nota técnica da Conorf aponta mudanças que tenderiam a causar prejuízos, seja em virtude de incentivo à corrupção, seja pela perda de eficiência resultante da falta de preparo dos novos contratados.

Um ponto destacado por Amaral é o que veda a concessão de parcelas remuneratórias e indenizatórias a servidores, boa parte privilégios injustificáveis. Amaral lembra que, na maior parte dos órgãos da União, essas regras já mudaram, com as previsíveis exceções da magistratura e do Ministério Público. A incorporação de parlamentares, procuradores, magistrados e militares à reforma geraria economia de R$ 31,4 bilhões em dez anos, segundo Duque.

O Ministério da Economia defende a proposta de mudança como uma estratégia para profissionalizar posições de liderança na esfera pública e argumenta que regras mínimas para as contratações devem ser definidas por lei. Alega também que não cabe ao Executivo propor mudanças nas carreiras dos demais Poderes (uma justificativa falha).

Faz sentido atrair talentos da iniciativa privada para o setor público, eficiente em algumas áreas e carente em tantas outras. Mas, como o Brasil é o Brasil, sob o pretexto da meta de maior eficácia, pode haver uma nova expansão dos cabides de emprego. Sempre é bom lembrar que há outras maneiras de tornar o serviço público mais produtivo, como sistemas de promoção com incentivos na direção correta. É, por isso, recomendável que o Congresso faça as correções necessárias no texto, em particular a inclusão de todas as categorias do funcionalismo, e aprove quanto antes uma reforma administrativa ampla.

Jogador de futebol americano dá exemplo para gays nos esportes

O Globo

Num vídeo curto publicado nesta semana numa rede social, o jogador Carl Nassib, do Las Vegas Raiders, se tornou aos 28 anos o primeiro gay assumido em atividade no futebol americano. Seu nome se associa a outros que tiveram a coragem de romper a barreira do preconceito, como o jogador de basquete Jason Collins ou o ginasta Diego Hypólito.

Nos esportes femininos, são mais comuns casos de atletas que se identificam como homossexuais enquanto ainda estão atuando, caso da artilheira Marta ou da tenista Martina Navratilova — e, mesmo assim, o preconceito é enorme. Nos masculinos, ele está tão arraigado que muitos atletas resistem a assumir por medo de sofrer reveses profissionais, como perda de oportunidades na carreira ou cortes de patrocínio. No futebol, associado ao estereótipo da masculinidade, a dificuldade se torna ainda maior.

No Reino Unido, o ala Robbie Rogers abandonou o Leeds para poder se assumir gay. Depois até aceitou uma oferta para jogar nos Estados Unidos, onde o esporte não tem a mesma relevância, mas sua carreira estava condenada. No Brasil, a pressão ainda é de tal monta que, apesar de vários jogadores serem sabidamente gays, até hoje nenhum veio a público assumir.

Tal situação se torna mais grave quando as próprias entidades responsáveis pelo futebol são contaminadas pelo preconceito. A Uefa, federação de associações futebolísticas europeias, cedeu a pressões do governo conservador da Hungria e rejeitou que o estádio Arena de Munique fosse iluminado com as cores do arco-íris no jogo de ontem entre Alemanha e Hungria pela Eurocopa, numa celebração da diversidade sexual e de gêneros.

Entre os absurdos cometidos pelo governo do primeiro-ministro Viktor Orbán — uma lista longa que inclui propaganda mentirosa sobre o papel da Hungria na Segunda Guerra, publicidade antissemita contra o financista e filantropo George Soros, restrição às liberdades de imprensa e acadêmica, aparelhamento dos tribunais e outras medidas para manter o poder —, está uma nova lei que proíbe a “promoção” da homossexualidade entre menores de idade. Com base nas ideias estapafúrdias de que a diversidade seja indesejável e de que alguém possa virar gay ou transgênero em virtude do que lê ou vê, a legislação veta a menores de 18 anos o acesso a “conteúdos que representam a sexualidade ou promovem o desvio da identidade de gênero, a mudança de sexo ou a homossexualidade”.

Um grupo de 13 países europeus se manifestou contra a lei húngara e pediu que a Comissão Europeia faça cumprir as normas que procuram manter o respeito à diversidade dentro do bloco. É lamentável que organizações como a Uefa se curvem à visão retrógrada, preconceituosa e intolerante da Hungria e dos grupos de pressão que têm feito de tudo em nome do retrocesso, com base no falso moralismo que mistura religião e hipocrisia. É a persistência desse tipo de postura no esporte que torna ainda mais difícil a vida de gays como Carl Nassib — e que dá ainda mais valor a sua atitude corajosa.

Lobbies levam a melhor na desestatização da Eletrobras

Valor Econômico

O Centrão e o governo mostraram como se pode destruir uma boa ideia

A primeira “privatização” do governo Jair Bolsonaro foi feita a qualquer custo, de qualquer jeito, para fazer com que a promessa do ministro Paulo Guedes de avançar na desestatização dê a impressão de que será cumprida - quando nem o presidente acredita nela. O Planalto e o ministro da Economia consideraram a privatização, com seu lastimável desfecho, como uma vitória - outras como essa afundarão a já frágil economia do país.

A forma da desestatização da Eletrobras tem a marca registrada do Centrão. Guedes recorreu às “criaturas do pântano político” para a aprovação da MP que expiraria na terça-feira. O aperto dos prazos e votações de última hora não foram responsáveis pela imensa quantidade de “jabutis” aprovados na segunda pela Câmara dos Deputados, com folgada maioria de 258 votos a favor e 236 contrários. A MP já saiu das mãos do relator Elmar Nascimento (DEM-BA) com uma coleção de artigos destinados a atender a vários lobbies de políticos, funcionários e de algumas das dezenas de entidades do setor elétrico.

Cálculos preliminares de empresários da União pela Energia indicam que irão para a conta dos consumidores de energia algo como R$ 84 bilhões, valor um pouco menor que os R$ 100 bilhões que o Tesouro pode embolsar com outorgas e a redução de suas ações na companhia de 60% para 45%.

O rumo seguido pelas propostas nefastas de todo tipo que rechearam a MP - e também de várias que ficaram fora - ilustra em negativo a necessidade da privatização. Loteada por interesses econômicos e políticos, é impossível blindar a companhia na esfera do Estado e entregar sua administração para especialistas responsáveis e competentes. A promessa de Bolsonaro de evitar o toma lá, dá cá foi mais um estelionato eleitoral e a forma final da MP é resultado dos piores tipos de barganha aceitas pelo Executivo.

O governo defendeu a privatização mesmo com todas as aberrações que a MP continha e seus líderes no Congresso disseram que apesar dos dispendiosos gastos enfiados no texto as tarifas de energia irão diminuir.

O leque de interesses contemplados é amplo. A Eletrobras privatizada não poderá, durante 10 anos, mudar a sede da Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf), Furnas, Eletronorte e Eletrosul. Funcionários demitidos sem justa causa até um ano após a privatização deverão ser realocados pelo governo em outras estatais. Estes são os penduricalhos “baratos”.

O Congresso atribuiu a si a tarefa de planejar a expansão elétrica brasileira, para a qual já existe um órgão competente, a EPE, sem qualquer estudo ou avaliação séria, seguindo estranhos intuitos. Foi aprovada a obrigatoriedade de construção de usinas termelétricas inflexíveis movidas a gás natural no Norte, Nordeste, Sudeste e Centro-Oeste, que ofertariam 8 MW (saiu da Câmara com 6, voltou do Senado com mais 2 MW) por 15 anos. As localidades beneficiadas não são grandes centros de consumo e terão de ser atendidas por uma extensa rede de gasodutos, a ser construída.

A ideia de espalhar gasodutos pelo país é uma estranha obsessão de alguns congressistas. No governo anterior, tentou-se subtrair dinheiro do fundo social (composto por royalties do petróleo e outras receitas do óleo) para a criação de uma “Brastubo”, que teria função parecida com a que o relator agora conseguiu aprovar na MP da Eletrobras. O Congresso até foi condescendente - a proposta original era que a rede de fornecimento de gás fosse iniciada antes de o governo abrir mão de sua maioria acionária, ou seja, uma pré-condição para a desestatização. Tudo isso trará lucros importantes para determinados fabricantes e fornecedores e a conta será paga pelos consumidores - o que o governo nega.

A medida parece desenhada para atender certas encomendas. As termelétricas são construídas perto dos centros de carga, para evitar custos de transmissão, e o Sudeste detém 62% do consumo total (Edvaldo Santana, Valor, 20 de maio). Os líderes do governo dizem que essa rede de usinas e gasodutos estimulará o desenvolvimento regional.

A Eletrobras privada terá de reservar R$ 9,5 bilhões para a revitalização das bacias hidrográficas do Rio São Francisco, do Rio Parnaíba, dos rios geridos por Furnas (em Minas e Goiás) O linhão de Tucuruí, que passa por território indígena, será feito sem necessidade de aval do Ibama e da Funai.

O Centrão caprichou nos detalhes, o governo teve uma vitória de Pirro e ambos mostraram como se pode destruir uma boa ideia.

 

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