sábado, 19 de junho de 2021

Pablo Ortellado - A esquerda não basta

O Globo

É preciso criar uma ampla coalizão para resistir a tentativa de ruptura institucional que se anuncia

Os protestos anti-Bolsonaro, que têm hoje uma nova rodada, precisam cumprir duas funções. A primeira é tentar apressar a saída do presidente por meio de um impeachment. É uma tarefa difícil, improvável, mas que vale a pena perseguir, por imperativos morais, mas também porque auxilia a segunda função: criar uma ampla coalizão para resistir à tentativa de ruptura institucional que se anuncia em outubro de 2022, caso Bolsonaro perca as eleições. Essas duas tarefas exigem muito mais do que apenas a esquerda nas ruas.

Estamos no mês de junho do ano que antecede as eleições, o que torna o calendário para o impeachment apertado. Ainda que Arthur Lira, presidente da Câmara, aceitasse um dos pedidos, o processo só seria concluído no começo de 2022, a poucos meses das eleições.

A dura verdade é que, embora não faltem crimes de responsabilidade, ainda não temos condições políticas para fazer avançar um pedido de impeachment. Para que fosse aceito, seria preciso que o apoio a Bolsonaro caísse pela metade e que o presidente perdesse o controle do Congresso.

Mesmo com essas dificuldades, perseguir o impeachment é um imperativo moral, dadas a má gestão da Covid-19 e as ameaças ao meio ambiente e às instituições democráticas. Além disso, uma mobilização voltada a tirar Bolsonaro do poder poderia produzir a coesão social de que precisamos para aguentar o golpe que se anuncia.

Bolsonaro já disse que não aceitará uma derrota eleitoral porque considera o sistema de votação eletrônica inseguro. É absolutamente certo que alegará fraude se perder as eleições, e é possível que essa alegação seja seguida de uma tentativa de instar Exército e polícias militares a intervirem, mais ou menos como aconteceu na Bolívia.

Nesse momento, além de contarmos com a lealdade das Forças Armadas, será necessária uma coesão nacional em defesa da institucionalidade democrática, um compromisso que vá, por assim dizer, do Novo ao PSTU.

Não importa se o vencedor for Lula, Ciro, Doria ou algum outro, todas as forças democráticas precisarão defender o resultado das eleições. Essa coalizão e esse compromisso não serão forjados do dia para a noite. Precisamos começar agora com os protestos contra Bolsonaro. Para isso, é preciso que as manifestações sejam plurais. Está na hora de Vem Pra Rua e MBL retomarem os protestos anti-Bolsonaro que lideraram no passado e que as forças de esquerda e de direita se vejam como parte de um mesmo processo de defesa da democracia.

Para que isso aconteça, teremos de olhar para as feridas do passado recente e nos perdoar. A direita precisa reconhecer que, a despeito da nobreza da causa anticorrupção, a Lava-Jato se excedeu e cometeu ilegalidades. A esquerda tem de reconhecer que, a despeito dos excessos da Lava-Jato, houve corrupção gravíssima nos governos petistas. A esquerda precisa aceitar ainda que, embora acredite que não havia embasamento para o impeachment de Dilma Rousseff, aqueles que lutaram pelo impeachment não eram golpistas.

Será que estaremos à altura dessa missão?

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