sexta-feira, 11 de junho de 2021

Pedro Doria - O golpe de Face, Google e Twitter

- O Globo

Prezados Zuck, Sundar e Jack,

Aqui no Brasil, não costumamos escrever a CEOs como vocês, de Facebook, Google e Twitter, chamando pelo apelido ou prenome. Mas vou me permitir escrever assim, na informalidade americana que é tão típica do Vale do Silício. É para ser mais direto.

É preciso que vocês prestem atenção à política brasileira. Agora.

Em 6 de janeiro, uma turba invadiu o Capitólio, em Washington. A Polícia Legislativa não acreditava que seria possível. Dá para entender. Numa democracia longeva, que não interrompeu o ciclo de eleições regulares nem com uma guerra civil, como seria possível imaginar que cidadãos americanos invadissem o Parlamento para interromper a homologação de um pleito? Mas aconteceu. Pessoas foram radicalizadas a esse ponto em ambientes digitais e aí insufladas por um presidente que desprezava a ideia de uma sociedade livre.

No Brasil, a história nos obriga a imaginar essa possibilidade.

Minha geração de jornalistas aprendeu o ofício com colegas 15 ou 20 anos mais velhos que enfrentaram, na condição de repórteres e editores, a ditadura mais recente. Alguns desses amigos, que ainda trabalham nas redações, gente por quem temos afeto, foram exilados, presos e torturados pelo exercício das liberdades políticas essenciais — de pensar, se expressar, se manifestar, publicar e se reunir para debater.

Donald Trump segue persona non grata em várias das redes. A decisão de excluí-lo seguiu um princípio que qualquer democrata endossa: o paradoxo da tolerância, descrito pelo filósofo austríaco Karl Popper. No limite, uma sociedade aberta não pode abrir espaço para que intolerantes usem dessas liberdades para ameaçar o regime democrático.

A República brasileira nasceu com um golpe militar, em 1889. De lá para cá, houve golpes de Estado em 1891, 1930, 1937, 1945, 1955 e 1964. Só um deles, o de 1955, fracassou. Em rigorosamente todos esses episódios, a ruptura de regime começou no momento em que foi quebrada nas Forças Armadas a exigência da disciplina que proíbe militares de se envolver na política.

Há quase três semanas, pela primeira vez desde a restauração da democracia no Brasil, em 1985, um general da ativa subiu ao palanque em apoio ao presidente. Seus superiores no Exército, intimidados pelo mesmo presidente, nada fizeram. O sinal histórico de ameaça à democracia foi dado.

Em um ano teremos eleições. Como Trump, Jair Bolsonaro vem espalhando entre seus seguidores que há risco de fraude. Não é a única das mentiras que seu movimento trabalha diariamente para espalhar. Mentiras que têm por objetivo disseminar, naquela parcela radicalizada da população, elementos que a convençam de que não deve confiar nas instituições da democracia.

Bolsonaro está seguindo o script de Trump. Não há, na história do Brasil, nada que nos garanta que o desfecho será como o americano. Aqui, vivemos o receio concreto de que os generais não tenham mais pleno controle de suas tropas. E sabemos que os governadores não controlam mais plenamente suas polícias.

Me permitam ser explícito: numa situação-limite, um 6 de janeiro no Brasil poderia contar com o apoio de parte da polícia, enquanto o Exército nada faz.

Vocês conhecem as plataformas que comandam. Sabem do peso que têm em todos esses acontecimentos. Agir depois do ato fatal, como fizeram com Trump, aqui, poderá ser tarde demais.

Nós, brasileiros, não temos qualquer tipo de influência sobre as decisões que vocês tomam. Mas somos nós e nossos filhos que sofreremos pelas decisões que tomarem. É hora de ligar o alerta vermelho em Menlo Park, Mountain View e San Francisco.

O golpe, se houver, fracassado ou não, será batizado com o nome das empresas que vocês comandam.

 

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