sábado, 12 de junho de 2021

Rogério Furquim Werneck - A sustentação da retomada econômica

- O Globo / O Estado de S. Paulo

Há muitos fatores a considerar nos próximos meses. Como evoluirão a pandemia, a crise hídrica e o clima de alta incerteza política?

É natural que as boas notícias sobre a evolução do PIB no primeiro trimestre tenham dado lugar a grande otimismo sobre as perspectivas de recuperação da economia. Ainda é cedo, contudo, para entrever, com base nos dados divulgados na semana passada pelo IBGE, uma recuperação do nível de atividade, em 2021, tão forte como a que agora vem sendo apregoada.

A sustentação da retomada exigirá a superação de dificuldades nada triviais que, desde já, deveriam merecer cuidadose atenção. Há dúvidas cruciais sobre o que, de fato, terá de ser enfrentado pela economia no futuro próximo.

Como evoluirá a pandemia? O quadro já não parece tão alarmante como em abril. Mas o país ainda permanece num patamar médio de 1.700 mortes por dia, que continua a afastar ilusões sobre a proximidade do fim da pandemia. Os especialistas mais respeitados ainda não parecem convencidos de que o risco de uma terceira onda possa ser descartado.

E, sem que a pandemia seja efetivamente debelada, é difícil que parte importante do setor de serviços possa sair do marasmo em que se encontra.

Surpreendidos com uma taxa de crescimento no primeiro trimestre bem superior à que vinha sendo consensual no mercado, analistas vêm saudando em prosa e verso a suposta resiliência da economia à segunda onda da pandemia e aos lockdowns impostos pelos governos subnacionais.

A contrapartida da comemoração dessa resiliência, contudo, deveria ser apreensão com os efeitos que o desdém generalizado pelo distanciamento social poderá vir a ter sobre a evolução da pandemia.

Há ainda muita incerteza acerca das possibilidades de avanço da vacinação e do grau de imunização que tal avanço poderá assegurar ao país. Salta aos olhos quão atrasado está o Brasil no front da aplicação da vacina. E, quanto ao que esperar da vacinação, temos que ter em conta — por enquanto, pelo menos —, não o que ocorreu nos Estados Unidos, mas a experiência bem menos auspiciosa do Chile, onde 80% dos imunizados vêm sendo vacinados com CoronaVac.

Outra dúvida crucial está relacionada à possibilidade de que a retomada seja abortada por insuficiência de oferta de energia elétrica. E, nesse aspecto, o governo se defronta com um dilema similar ao que enfrentou, de forma desastrosa, quando se deparou com a eclosão da pandemia, em março do ano passado.

Os especialistas são unânimes em assegurar que, se nada for feito em contrário, há alta probabilidade de que o país marche para uma crise hídrica aguda, até o final da estação seca, em novembro. Para não deixar que a situação chegue a tal ponto, é fundamental que o governo tome medidas preventivas claras, mobilizando o país com a necessidade de evitar uma crise energética mais séria.

O problema é que o governo teme que muito empenho e transparência, na adoção das medidas de precaução que se fazem necessárias, deem força a expectativas pessimistas que possam pôr a perder o delicado processo de retomada que está em curso. Qualquer semelhança com a postura do governo no início da pandemia não é mera coincidência.

O desastroso negacionismo inicial de Bolsonaro não adveio de convicções baseadas em análises epidemiológicas equivocadas e, sim, do pavor de que ações mais sérias de combate à pandemia, com adoção de medidas de separação social, viessem a arruinar a recuperação da economia em que apostava o presidente no seu segundo ano de mandato.

Finalmente, há que se ter em conta os efeitos paralisantes da rápida exacerbação da incerteza política sob a qual vem operando a economia. Incerteza essa que, por razões óbvias, se entrelaça com sérias apreensões com a possibilidade de agravamento do quadro fiscal, na esteira de uma mobilização antecipada e destrambelhada do presidente com a difícil campanha eleitoral que terá pela frente, em 2022.

É cedo ainda para vislumbrar com clareza em que medida a conjunção dessas dificuldades tão sérias poderá vir a comprometer uma retomada mais vigorosa da economia. O certo é que a sustentação da retomada não promete ser fácil.

 

 

 

 

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