segunda-feira, 14 de junho de 2021

Sergio Lamucci - Mais crescimento, mais inflação e mais juros

- Valor Econômico

Cenário para 2021 tem ainda relação dívida/PIB menor e real mais forte

A primeira metade de 2021 se aproxima do fim, e o cenário projetado para a economia brasileira mudou consideravelmente em relação ao começo do ano. O país caminha para ter mais crescimento, mais inflação e mais juros, além de um quadro fiscal menos preocupante no curto prazo do que grande parte dos especialistas em contas públicas pintava há alguns meses. A combinação de índices de preços mais elevados e uma atividade mais forte melhorou bastante as estimativas para a dívida bruta do governo. Há, porém, riscos não desprezíveis no horizonte, como a persistência de pressões inflacionárias, a ameaça de uma crise energética e a possibilidade de uma terceira onda da covid-19.

O ambiente econômico mais benigno contribui para a valorização do câmbio, que tem rondado a casa de R$ 5 nas últimas semanas. A percepção de uma situação fiscal menos grave, a alta dos juros e o aumento expressivo das exportações, impulsionado pelos preços de commodities, colaboram para a apreciação da moeda brasileira. Para o sócio e economista-chefe da ACE Capital, Ricardo Denadai, o dólar deve fechar o ano em R$ 4,70.

Além do câmbio inferior a R$ 5, o cenário macroeconômico de Denadai inclui um crescimento de 5,5% em 2021, um Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) de 6,3% (a meta é de 3,75%), uma Selic em direção a 7% ao ano e uma dívida bruta perto de 80% do PIB - no fim de 2020, diversos analistas esperavam que o indicador na casa de 95% a 100% do PIB para o fim deste ano. Para Denadai, os juros terminam 2021 em 6,5% e sobem mais 0,5 ponto percentual na primeira reunião do Comitê de Política Monetária (Copom) de 2022.

O economista destaca o impacto do ciclo de alta das commodities sobre a atividade econômica doméstica. “Um aumento tão grande nos preços internacionais de commodities, itens com peso elevado na pauta de exportação, implica em uma transferência de renda muito significativa do resto do mundo para o Brasil e, portanto, um impulso relevante para o crescimento do país”, diz ele. “Além da renda direta para os produtores, que eleva investimento, consumo e geração de novos empregos, há ainda um efeito cascata positivo sobre toda cadeia produtiva.”

No caso do setor agropecuário, isso é nítido, aponta Denadai, observando que, embora a participação direta do setor no PIB não seja das mais relevantes, inferior a 10%, o impacto de toda a cadeia, considerando fatores como insumos, fertilizantes e maquinário, chega a mais de 25%, segundo números da Confederação Nacional da Agricultura e Pecuária (CNA). Há um impacto expressivo também sobre a arrecadação de impostos. “Esse choque positivo de termos de troca [a relação entre preços de exportação e de importação] faz milagres para o PIB e a situação fiscal.”

O lado negativo desse choque tem se manifestado na inflação, especialmente porque durante muitos meses a alta das commodities não provocou uma valorização mais forte do câmbio, que chegou a rondar R$ 5,80. O real mais apreciado ajudaria a mitigar o efeito em reais da disparada dos produtos básicos em dólar. A tendência de fortalecimento da moeda brasileira é mais recente.

Como o câmbio seguiu muito desvalorizado por um período considerável, o salto das commodities jogou para cima os Índices Gerais de Preços (IGPs), que subiram mais de 35% no acumulado em 12 meses até maio. Com peso de 60% nos IGPs, os preços ao produtor avançaram 50% nesse período. Parte dessas pressões tem sido repassada para os índices ao consumidor. No IPCA, o item alimentação no domicílio está em alta de 15,4% em 12 meses.

Para Denadai, o maior risco ao cenário mais positivo que se desenha hoje é justamente a inflação, com fontes de pressão em várias frentes: commodities, produtos industriais e preços administrados em alta, como gasolina e energia elétrica. Há ainda a dúvida sobre a evolução dos preços dos serviços daqui para frente, num quadro de provável reabertura mais ampla da economia, à medida que a vacinação avançar. Para completar, o risco hidrológico é crescente, diz ele. Em maio, o IPCA subiu 0,83%, atingindo 8,06% em 12 meses. Uma inflação ao consumidor mais persistente pode levar o BC a prolongar o ciclo de alta de juros, abalando a recuperação da atividade, principalmente no ano que vem. Existe também o risco de o número de casos e mortes pela covid -19 demorar a ceder de modo significativo, retardando a normalização plena da atividade. Nesse caso, a inflação tenderia a ficar menos pressionada, mas a economia levaria mais tempo para engrenar.

Para Denadai, a crise hídrica preocupa mais pelo lado da inflação do que do crescimento, pelo menos por ora. O ajuste tende a ser via tarifa mais alta, e não por restrição compulsória da quantidade de energia, avalia ele. Alguns especialistas, porém, veem um risco de racionamento no segundo semestre, o que atingiria a atividade.

Nas últimas semanas, ficou mais claro o efeito da inflação sobre o endividamento público como proporção do PIB. Os IGPs salgados, em especial, contribuem para elevar a receita e o PIB em valores nominais, por aumentar o deflator implícito do PIB (uma medida de inflação das contas nacionais). Isso contribuiu decisivamente para as projeções da dívida bruta no fim do ano caírem para a casa de 82% do PIB, bem abaixo dos 100% do PIB que chegaram a ser projetados.

Do ponto de vista estrutural, o cenário para as contas públicas permanece preocupante, dada a rigidez do orçamento, tomado por mais de 90% de despesas obrigatórias e com pouquíssimo espaço para o investimento. Além disso, a dívida bruta brasileira segue bastante acima da média dos emergentes, em torno de 65% do PIB, de acordo com a estimativa para 2021 do Fundo Monetário Internacional (FMI).

No entanto, a melhora das previsões para a relação dívida/PIB proporciona um alívio de curto prazo, ao reduzir a percepção do risco fiscal e, com isso, colaborar para a valorização do câmbio. Denadai diz que o real mais apreciado ajuda na trajetória da inflação. “Mas não sei se resolve”, ressalva ele, dadas as diversas pressões sobre os preços.

Na visão de Denadai, um ponto que ainda não está claro é como vão reagir o emprego e a renda. “Eles devem se recuperar, mas acho que vai ser um processo mais lento e desigual”, afirma ele, para quem esse será o grande tema das eleições do ano que vem. O governo planeja ampliar o Bolsa Família, mas há dúvidas sobre qual será o alcance do programa. O quadro, lembra ele, é delicado. “O país está há mais de uma década sem o PIB per capita crescer e com a desigualdade aumentando.”

 

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