terça-feira, 29 de junho de 2021

Vera Magalhães - Homem mais poderoso da República, Lira controla Câmara, Orçamento e destino de Bolsonaro

O Globo

Seria Arthur Lira o homem mais poderoso da República hoje? Dada a forma como operou para garantir, além da presidência da Câmara, o controle direto de R$ 11 bilhões em recursos do Orçamento da União e o destino de Jair Bolsonaro, sim.

Entender as motivações e a forma como esse personagem opera hoje é fulcral para calcular a fidelidade que os demais agrupamentos sobre os quais ele tem ascendência --- seu partido, o PP, e o Centrão, que hoje é a base do governo na Câmara -- vão se comportar.

Este texto é uma segunda parte da análise que publiquei mais cedo aqui no blog sobre como o caso Covaxin aumentou exponencialmente o custo Bolsonaro para o Centrão e para o PP, que você pode ler abaixo.

A pergunta ali é chave para entender o personagem Arthur Lira: quando o custo passa a ser maior que o ganho de apoiar o governo e segurar Bolsonaro? No caso do presidente da Câmara, ainda há muita lenha a queimar antes de ele pensar em jogar Bolsonaro ao mar.

Numa Câmara operando em modelo híbrido, com a grande maioria dos deputados operando remotamente de seus Estados, o poder que Lira adquiriu de destinar R$ 11 bilhões diretamente a essa massa por meio da chamada RP9, a emenda do relator ao Orçamento, é inigualável.

Deputados de diferentes partidos, do governo e da oposição, são unânimes: a destinação desses recursos é 100% determinada por Lira. A ministra Flávia Arruda, colocada por ele na articulação política, não tem voz sobre um centavo desses recursos.

E por que a dispersão dos deputados nos Estados joga a favor de Lira? Porque ela reduz a ascendência dos líderes sobre suas bancadas, e favorece a linha direta do presidente da Câmara com cada um dos "contemplados". Além disso, ainda que sintam em sua base a insatisfação do eleitorado com Bolsonaro e o governo, os deputados não vão a Brasília para sentir a crise política agravada refletiva na "temperatura" do plenário, que sempre foi fator decisivo nas guinadas de maiorias como Centrão para abandonar o navio de presidentes que passam a ser alvo de pressão das ruas pelo impeachment, como Fernando Collor e Dilma Rousseff.

Nesse aspecto, o distanciamento social contra o qual Bolsonaro tanto vociferou acaba jogando a seu favor, ironicamente.

Com essa dispersão geográfica dos deputados, Lira concentra poderes não só de ministro encarregado do Orçamento como de líder do governo, definindo a pauta e cabalando ele próprio os votos. "Hoje o Ricardo Barros não é o líder do governo, não tem participação em um voto sequer para o governo. O verdadeiro líder é o Lira", analisa um deputado da cúpula da Câmara.

Outro dado da equação não linear da política neste momento: Lira não vai mover uma palha para salvar a pele do correligionário Ricardo Barros, apostam os observadores mais bem posicionados da Câmara. Eles têm uma rixa histórica, que seria a razão pela qual, consultado pelo deputado Luis Miranda, Lira não o desencorajou a "explodir" o deputado paranaense.

"Não acredito que o Arthur mandou o Luis Miranda explodir o Barros, mas também não o desencorajou", explica um observador privilegiado das relações desse grupo.

Por tudo isso, o grau de resiliência de Arthur Lira ao lado de Bolsonaro é superior ao do restante do Centrão. Mas não é impermeável ao agravamento da crise, ainda mais se outros expoentes do grupo, além de Barros, começarem a se queimar. Por isso, a pressão das ruas no recesso e a volta da Câmara mais nervosa em agosto podem começar a operar mudanças no "fechamento" do presidente da Câmara com o presidente.

Até lá, dizem os observadores, ele espera ter acelerado a destinação das emendas. Acompanhar esse fluxo será vital para entender como vai se movimentar o homem mais poderoso da República hoje.

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