quinta-feira, 10 de junho de 2021

Vinicius Torres Freire - Inflação mais feia do que o previsto

- Folha de S. Paulo

Carestia sem refresco e desemprego vão fazer Bolsonaro jogar no ataque eleitoral

Nos dois primeiros anos de Jair Bolsonaro, a inflação comeu todo o aumento do salário médio, pelo menos. A carestia da comida, por sua vez, foi equivalente ao dobro do crescimento médio dos rendimentos do trabalho. A recuperação do PIB desde o novo buraco profundo, causado pela epidemia, não é e tão cedo não será acompanhada pelo avanço do emprego.

É fácil entender porque o governo anunciou com tanta tranquilidade a prorrogação do auxílio emergencial até pelo menos setembro e prometeu uma ampliação do Bolsa Família até o final do ano, além de um programa subsidiado de estágios para jovens, o BIP-BIQ.

Parte importante do prestígio político do governo vai balançar entre o peso da inflação e do desemprego na vida dos mais pobres e o contrapeso dos remendos que puder arranjar contra a miséria.

Os números da inflação para o consumidor medida pelo IPCA divulgados nesta quarta-feira (9) vieram bem ruins. Um possível refresco foi adiado para setembro. Ainda no começo de março, previa-se que o IPCA acumulado em doze meses, “em um ano”, chegasse a 6% em meados deste 2021. Agora, está quase certo que vai a 8,3% e por aí fica até agosto, pelo menos. No final do ano, ainda vai estourar o limite superior da meta do Banco Central, que é de 5,25%.

Há quem estime altas menores para produtos agrícolas. Até agora, estimativas baixistas de inflação foram furadas. Talvez um dólar menos caro contribua para atenuar a contaminação dos preços do varejo pelos preços do atacado, mas são bem chutadas as estimativas desse repasse. Ainda não há perspectiva de refresco nos preços mundiais de petróleo e minérios —ao contrário.

Na hipótese de reabertura maior da economia a partir de outubro, há o risco de que a inflação dos serviços volte a subir —dada a depressão do setor, ainda está relativamente contida. Vai haver aumento de preço da energia elétrica sem parar, até 2022. Mesmo na hipótese de dilúvio entre novembro e abril do ano que vem, ainda haverá um resto grande de conta para pagar, dada a crise de água deste ano.

Olhado pelas entranhas, o IPCA parece ainda mais feio. Do primeiro trimestre de 2019 a primeiro deste 2021, o rendimento médio habitual do trabalho aumentou 11,1%, em termos nominais. A medida do rendimento efetivamente recebido, talvez mais adequada na epidemia, apenas 7,4%. A inflação geral do IPCA foi de 9,6%. A da comida (“alimentação no domicílio”), 23,5%. O preço de um alimento essencial e simbólico como o arroz subiu mais de 74%. O das carnes, 60%. Óleos, 64%.

Vai levar um tempo grande até que ganhos de renda e o controle da inflação compensem a redução feia do poder de compra dos mais pobres nos anos Bolsonaro-epidemia.

Do ponto de vista dos chutadores informados de expectativas de inflação, não há descontrole inflacionário no horizonte. Depois da corcova alta da inflação de meados deste ano, o IPCA tenderia a convergir para a meta de inflação no final de 2022. Obviamente, não quer dizer que isso vá acontecer. Quer dizer apenas que os economistas do setor financeiro, “analistas de mercado”, esperam que o Banco Central vá fazer o bastante para conter os preços. Trocando em miúdos, o BC vai aumentar a taxa básica de juros mais rápido do que se esperava. O debate é: quão rápido e quanto?

Esse ritmo pode lascar o crescimento da economia em 2022 e renovar pessimismos sobre o destino da dívida pública. Na semana que vem, a direção do BC se reúne para definir a Selic e começa a dar respostas para esse problema da inflação, que também ficou maior do que o esperado.

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