quarta-feira, 21 de julho de 2021

Armando Castelar Pinheiro* - O poder da destruição criativa

Valor Econômico

Crescimento sustentado depende de as autoridades protegerem o capitalismo dos capitalistas

Para quem dá aula, as férias de meio de ano são uma janela para colocar a leitura em dia. Desta vez tive sorte e peguei para ler o ótimo livro de Phillipe Aghion, Céline Antonin e Simon Bunel, "The Power of Creative Destruction: Economic Upheaval and the Wealth of Nations". O livro versa sobre o impacto econômico da inovação, que resulta da combinação de empreendedorismo com atividades de pesquisa e desenvolvimento (P&D).

O assunto não é novo, mas três aspectos do livro o tornam especialmente interessante. Um, os autores se atêm a um modelo analítico bem definido, o paradigma Schumpteriano da destruição criativa. Dois, com base nesse paradigma, eles analisam diversos temas do debate econômico atual. Ainda que o foco seja o crescimento econômico, o livro também trata de assuntos tão variados como política industrial e distribuição de renda. Três, a análise é (quase) toda baseada em evidências empíricas obtidas em estudos diversos, de forma que o livro também é uma espécie de resenha bibliográfica da literatura acadêmica recente sobre os impactos econômicos da inovação, apresentada em linguagem não técnica, acessível ao público não especializado.

Os autores estruturam o paradigma da destruição criativa em cima de três pilares. Primeiro, a ideia de que o crescimento econômico resulta, principalmente, da inovação cumulativa, que depende da difusão do conhecimento, de forma “que cada inovador “se apoia sobre os ombros de gigantes” que o precederam”. A invenção da imprensa por Gutenberg foi, portanto, decisiva. Mas o que dizer, então, do gigantesco salto dado pela internet em permitir a ampla difusão do conhecimento? Esse é um dos motivos por que os autores se mostram relativamente otimistas sobre as perspectivas de crescimento global, questionando a tese da estagnação secular, tema tratado em um dos capítulos do livro.

Segundo, como atividade empresarial de risco, o investimento em buscar a inovação, em especial a atividade de P&D, depende de incentivos, do retorno que o empreendedor espera ter em caso de sucesso. E este depende da devida proteção aos direitos de propriedade intelectual - por exemplo, patentes. A ideia não é nova, argumentam os autores, que a remetem ao Estatuto de Monopólios aprovado, em 1624, pelo Parlamento Inglês, que dava ao “verdadeiro e primeiro” inventor um monopólio de 14 anos na exploração de sua invenção.

O mais interessante e discutido pilar, porém, é o terceiro, o da destruição criativa, de acordo com o qual as novas invenções tornam obsoletas as inovações antigas, que são aquelas em uso quando as novas surgem. Ora, isso tem duas implicações não triviais, tratadas em detalhe no livro.

Uma, que o crescimento baseado na inovação é disruptivo, gera atritos recorrentes, pois coloca pressão sobre as empresas, ou implica em sua substituição, com o consequente deslocamento de trabalhadores de suas funções, que precisam de novo treinamento e recolocação. O livro cita, por exemplo, a recusa da rainha Elizabeth I em conceder a patente à invenção de uma máquina para cozer meias, em 1589: “Considere o que essa invenção pode fazer aos meus pobres súditos. Ela poderia com certeza trazer ruína, os privando de trabalho, dessa forma os transformando em mendigos”. Esse segue um tema atual e que, para muitos, está por trás da expansão do populismo.

Dois, que os empresários que utilizam as tecnologias existentes, em especial seus inventores, que podem ainda deter o monopólio da exploração de suas invenções, vão se opor com unhas e dentes ao surgimento e exploração dessas novas invenções. Isso pois estas irão corroer seus lucros, os quais muitas vezes foram exatamente o incentivo que levou à nova invenção. Para isso esses empresários tendem a se aliar a seus funcionários e fornecedores para pressionar os políticos a criarem barreiras legais à entrada dessas invenções, ou a tolerarem práticas anticoncorrenciais que os permitam “perpetuamente bloquear ou adiar a entrada de novos concorrentes em seus setores”. Por exemplo, comprando esses potenciais concorrentes quando ainda empresas pequenas.

Assim, observam os autores, há “um conflito permanente entre o velho e o novo”, em que os lucros altos são necessários para motivar os inovadores, mas eles depois servem de incentivo e meio para que esses busquem impedir novas inovações. O que leva à interessante conclusão de que o crescimento sustentado depende - para usar o título do livro de Raghuram Rajan e Luigi Zingales (Salvando o Capitalismo dos Capitalistas) citado pelos autores - de que as autoridades protejam o capitalismo dos capitalistas. Uma atuação que, argumentam Aghion, Antonin e Bunel, tem faltado no caso das “Big Techs” de hoje, o que explicaria o baixo crescimento da produtividade desde o início do século.

É imediato perceber que o paradigma da criação destrutiva ajuda, e muito, a entender a estagnação brasileira - e latino americana, em geral - das últimas quatro décadas, que o livro trata ligeiramente sob o rótulo da “armadilha da renda média”. Como o espaço é curto, e o tema, penso eu, importante para pensarmos em como sair dessa armadilha, vou tratar dele em minha próxima coluna (6 de agosto).

*Armando Castelar Pinheiro é professor da FGV Direito Rio e do Instituto de Economia da UFRJ e pesquisador-associado do FGV Ibre

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