sábado, 17 de julho de 2021

Ascânio Seleme - Presidência é destino

O Globo

Com a CPI da Covid avançando e dominando o debate nas redes sociais, começam a aparecer novos aspirantes para a vaga de Bolsonaro

Basta que alguma luz seja jogada sobre um político ou um homem público para ele logo ser considerado candidato a presidente da República. Sempre foi assim no Brasil. Os exemplos mais recentes foram Joaquim Barbosa e Sergio Moro. Os dois protagonizaram alguns dos momentos mais turbulentos da História política nacional. Barbosa foi o ministro do Supremo Tribunal Federal que relatou o mensalão e Moro, o juiz da Lava-Jato. O primeiro não se deixou picar pela mosca azul, aposentou-se e virou pessoa privada. O comportamento do segundo dispensa comentário.

Por um simples discurso, o senador Rodrigo Pacheco chegou a ser apontado para o cargo. Ao tomar posse na presidência do Senado, Pacheco falou como se fosse um homem livre, independente, que não sofria influência de Bolsonaro. Não era bem assim, como se viu logo depois, mas enganou até alguns analistas que viram no moço um nome com potencial para 2022. Murchou em poucos meses. Alguns, como Moro e Pacheco, entram na onda e estimulam a fofoca em torno de seus nomes. Outros, como Barbosa, não caem na lorota histórica e seguem seu próprio roteiro. Estes normalmente acabam sendo mais felizes.

Agora, com a Comissão Parlamentar de Inquérito da Covid ocupando os principais horários de TVs e rádios, as primeiras páginas de jornais e o debate de redes sociais, começam a aparecer novos aspirantes para a vaga de Bolsonaro. Pelo menos dois já foram lançados: o presidente da CPI, Omar Aziz, e um de seus membros, o médico baiano Otto Alencar. Os dois exercem muito bem os seus papéis na CPI. Aziz foi uma boa novidade que pegou de surpresa todo o país. De repente, apareceu aos olhos da nação um homem aparentemente íntegro, falando com a linguagem popular que as pessoas das ruas entendem e apontando para o lado correto da história.

Alencar se destacou na comissão pelos seus embates que constrangem negacionistas, tanto os que sentam na cadeira de testemunhas ou investigados quanto os senadores governistas. Alguns acham ele duro demais. A médica Nise Yamagushi chegou a processá-lo por se sentir ofendida. Além destes dois, outros protagonistas da CPI também mostram competência na condução das investigações e por isso, só por isso, já aparecem como candidatos emergentes. É o caso dos suplentes Alessandro Vieira e Simone Tebet. Alessandro é novato, mas opera bem por ter sido delegado. Foi chefe de polícia em Sergipe, seu estado natal, mas acabou exonerado quando mandou prender corruptos locais poderosos. E Simone vem dando show de competência na CPI.

Há outros que merecem menção pelo desempenho na CPI. Randolfe Rodrigues é um excelente parlamentar, mas não seria candidato tendo Lula na disputa, e não chega a ser cogitado. O nome de Renan Calheiros, relator da comissão, não passa pela cabeça de ninguém, nem na dele. Respondendo a oito inquéritos, Renan prefere ficar quieto no Senado onde exerce seu quarto mandato, iniciado no ano passado. Do lado do governo, Marcos Rogério e Eduardo Girão são os mais combativos. Fernando Bezerra é o porta-voz, que lê os textos a ele encaminhados pela Casa Civil. Jorginho Mello e o suplente Luis Carlos Heinze não contam, são piada. E Ciro Nogueira nem aparece no plenário. Mas estes estão ali apenas para incensar Bolsonaro e não são lembrados para nada.

A pandemia já havia lançado outro candidato. O ex-ministro Luiz Henrique Mandetta virou sensação porque foi demitido por fazer a coisa certa. Convenhamos, por mais elegante que ele seja, fazer o certo é obrigação, mesmo em se tratando do governo Bolsonaro onde os acertos são raros. Todos estes candidatos potenciais são fugazes. São estrelas de vida curta. Muitos merecem todo o respeito dos brasileiros, outros não valem mais do que um pequi roído. Mesmo os melhores correm o risco de se frustrar se sentirem encantamento porque aqui e ali ouvem seus nomes soprados para a maior função política nacional. De todo modo, nunca é demais lembrar o ensinamento de Tancredo Neves, o brasileiro que foi presidente sem nunca ter exercido o cargo: “Presidência é destino”. Vai que...

O país se lixa

Os mais velhos certamente se lembram do susto, da angústia e da tristeza que a hospitalização de Tancredo Neves causou no Brasil na véspera da sua posse na Presidência da República. O país praticamente parou nas cinco semanas seguintes em razão das inúmeras cirurgias que o presidente sofreu até não resistir e morrer sem tomar posse. Hoje, com outro presidente hospitalizado e mesmo diante de uma possível cirurgia, a nação está se lixando para Bolsonaro.

Sem TV

Aquela facada de fato ajudou a eleger Bolsonaro em 2018. O próprio candidato disse, ainda no hospital, que o ataque o elegeria, talvez até no primeiro turno, exagerou. Evidentemente não foi a facada propriamente, mas o seu uso político e a superexposição na mídia que consolidou sua candidatura. Todas as TVs, abertas ou no cabo, passaram a transmitir ao vivo da porta do hospital até a alta de Bolsonaro. Nenhum outro candidato teve tanta mídia no mês que antecedeu a eleição. Foi um erro. Claro que a notícia da facada era importante, mas a intensa cobertura seguiu mesmo com o candidato já fora de perigo. Não se comete o mesmo erro duas vezes, mesmo que isso signifique sacrificar a audiência.

Narcisista patológico

A imagem de Bolsonaro estendido num leito de hospital, o torso nu, uma sonda nasogástrica enfiada no nariz, não é apenas ridícula e politicamente abusiva, é narcisista e doentia. Retrata toda a insegurança do presidente e reflete o medo que ele sente quando olha para o futuro. O transtorno de personalidade narcisista é ressaltado pela sensação grandiosa da própria importância, da necessidade de admiração e da falta de empatia. Trata-se de um homem invejoso, que faz qualquer coisa para evitar uma derrota, até se expor da maneira esdrúxula que se viu. Mas, lamento, capitão, desta vez não vai funcionar.

Pesquisa?

A última série de pesquisas do Datafolha apresentou uma enquete para lá de heterodoxa. O instituto perguntou aos brasileiros se militares da ativa devem ou não participar de atos políticos. O resultado pouco importa, o que interessa é a questão, já que todos sabem que a participação de militares da ativa em manifestações políticas é uma transgressão ao regulamento disciplinar. É ilegal. Seria mais ou menos como perguntar se assassinos devem ou não ser punidos pelos crimes que cometeram.

Lulômetro invertido

O mercado reage mal a Bolsonaro. Todos os seus gestos antidemocráticos ou escatológicos empurram o dólar para cima e a Bolsa para baixo. Daqui a pouco, com o crescimento de Lula nas pesquisas, poderemos ver um efeito inverso nos mercados. Seria o lulômetro de ponta-cabeça. Para quem não se lembra, o lulômetro original foi criado pelo analista de mercado Daniel Tenengauzer, da Goldman Sachs. Era um modelo matemático que amarrava os índices das pesquisas ao valor do dólar. Se Lula subisse nas pesquisas das eleições de 2002, a cotação do dólar também deveria subir. Tenengauzer acabou desautorizado pelo seu banco, Lula ganhou a eleição e o dólar não explodiu.

Rachadistas

Os senhores que fazem rachadinha, embolsando parte substancial dos salários de funcionários de seus gabinetes, como Jair e Flávio, consideram que o dinheiro que subtraem dos contracheques dos servidores lhes pertence. Foi o que deu para entender na declaração da ex-cunhada de Jair, quando ela explicou como o então deputado resolveu demitir o parente que não lhe repassava a quantia exigida: “Chega, pode tirar ele porque ele nunca me devolve o dinheiro certo”. Estes larápios acham que “dinheiro certo” é deles, não do contribuinte que remunera assessores para os parlamentares exercerem com eficiência o seu mandato.

Lá também

O mau cheiro produzido por Donald Trump durante seus quatro anos no poder ainda é bem perceptível em alguns estados de maioria republicana nos Estados Unidos. Desde janeiro deste ano, nada menos do que 22 projetos que tornam o voto mais difícil foram aprovados e viraram lei em 14 estados americanos.

Redes

Estudo da Signal Fire, uma empresa especializada em start-ups e investimentos de risco, mostra que 50 milhões de pessoas se consideram produtoras de conteúdo em todo o mundo. São aquelas que conseguem monetizar, mesmo que minimamente, suas publicações nas redes sociais. No Brasil, depois da disseminação de redes como Facebook, Instagram e Tik Tok, todo dono de um smartphone se julga um jornalista. Mas aí, como se sabe, não dá dinheiro.

Da internet

Conteúdo produzido para o Facebook pelo vascaíno que se diz pecador Flávio Gomes Toledo: “Desculpe a burrice, mas a gasolina não devia estar mais barata já que não estão mais roubando a Petrobras?”.

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