sábado, 3 de julho de 2021

Ascânio Seleme - Restam 90 dias a Bolsonaro


O Globo

Uma série de diligências será feita pela Polícia Federal e por procuradores designados nos próximos três meses, prazo estabelecido pelo subprocurador Humberto Jacques de Medeiros

Quase tudo o que cerca Jair Bolsonaro é esquisito, incorreto, malfeito e, em muitos casos, criminoso. O presidente já responde a 23 acusações por crimes de responsabilidade, conforme o “superpedido” de impeachment entregue na quinta-feira a Arthur Lira por inúmeros partidos políticos, entidades civis e movimentos sociais. Ontem, por absoluta impossibilidade de agir de modo diferente, a Procuradoria-Geral da República foi obrigada a instaurar inquérito para investigar Bolsonaro por prevaricação no caso da denúncia sobre a Covaxin feita pelos irmãos Miranda. A PGR, que tentou colocar o caso em banho maria por algum tempo, esbarrou na intransigência da ministra Rosa Weber, que lhe negou o conforto do muro.

Uma série de diligências serão feitas pela Polícia Federal e por procuradores designados nos próximos 90 dias, prazo estabelecido pelo subprocurador Humberto Jacques de Medeiros. Ao final de três meses, será apresentado um relatório da investigação e caberá ao procurador Augusto Aras encaminhar a denúncia ao plenário do Supremo ou arquivar o inquérito. O que você acha que ele vai fazer? Difícil ter dúvidas em se tratando de Aras. Mas, diante da rápida deterioração moral do presidente, tudo pode acontecer em 90 dias.

Só para recordar, Bolsonaro recebeu uma denúncia do deputado Luis Miranda e de seu irmão, o servidor Luis Ricardo, e nada fez. Os irmãos disseram ao presidente que havia gente graúda no Ministério da Saúde fazendo pressão para liberar logo a compra de vacinas Covaxin antes mesmo da aprovação da Anvisa e por preços aparentemente superfaturados. O deputado disse ter ouvido do presidente que se tratava de rolo do seu líder Ricardo Barros. Ao afirmar que o presidente encaminhou o problema para o ex-ministro Pazuello, o governo admitiu que ele ouviu a denúncia.

É difícil sair de uma sinuca desta. Sobretudo porque o presidente não encaminhou a denúncia para a PF e disse conhecer a origem do problema. Augusto Aras tem um quê de Arthur Lira, que não viu “materialidade” nos 23 crimes listados no “superpedido” de impeachment, e será capaz de arquivar o inquérito com argumentos tão sólidos quanto a água da lagoa Rodrigo de Freitas. Aras e Lira fazem parte da tropa de choque de Bolsonaro, não se pode exigir independência destes dois. A menos que a casa caia antes do prazo de 90 dias. Este também é o prazo que Bolsonaro tem para tentar emendar as coisas. Neste intervalo, ele vai indicar o substituto de Marco Aurélio no STF e tratar da recondução ou a substituição de Aras na PGR.

O presidente comete crimes quase diariamente, em todos os quesitos, é só olhar a cesta. Na quinta, voltou a atacar a CoronaVac. Usando argumentos falsos, disse que a vacina não deu certo. “Abre logo o jogo que tem uma vacina aí que infelizmente não deu certo (...) eu estou esperando aquele cara de São Paulo falar”. Referia-se obviamente a João Doria, usando dados falsos que podem levar as pessoas a querer evitar a vacina. É crime. E quem quer ficar ao lado de um criminoso? Com certeza mesmo só o general Pazuello, que ontem começou a responder ação do Ministério Público por improbidade administrativa, acusado de negligência que teria causado prejuízo de R$ 122 milhões aos cofres públicos.

O fato é que, fora a tropa de Lira e Aras, seus filhos e os cegos bolsonaristas que não conseguem enxergar a torpeza em que estão apostando, ninguém mais aguenta Bolsonaro. Alguns fazem de conta, como a algazarra de deputados e senadores que receberam milhões de cala-bocas na forma de emendas ao Orçamento. Estes vergam conforme o vento. Daqui a pouco podem estar tão distantes de Bolsonaro quanto a verdade. Argumentos para abandoná-lo todos têm, e em abundância. É só ir na cesta e escolher a modalidade.

GOOD FELLAS

Arthur Lira não deixa qualquer dúvida. Ele é cúmplice de Jair Bolsonaro no caos político, administrativo e sanitário do governo. Esperar que circunstâncias para o impeachment se materializem é o mesmo que esperar que o golpe se consume. Ao que parece, Rodrigo Pacheco quer dar mais um vexame. Não autorizar imediatamente o pedido de prorrogação da CPI da Covid e ainda querer obrigá-la a entrar em recesso é trabalhar contra a apuração dos fatos.

EM OUTRAS PALAVRAS

É inacreditável, mas os presidentes da Câmara e do Senado ainda trabalham em favor de Bolsonaro. Qual a sua lógica? Difícil dizer. Mas vai aí um misto de interesse político (burro, é bom salientar), tentativa de recuperação de protagonismo, y otras cositas mas. Lira ainda gosta de operar no escuro, mas Pacheco parece não se conformar que os holofotes não estejam apontados para a sua figura. Homens públicos com interesses particulares jogam o Brasil para baixo.

CENTRÃO DEPENDÊNCIA

O presidente está frito. Ele jamais conseguirá se livrar do Centrão. Bolsonaro está mais enredado com a turma de Lira, Bezerra e Barros do que jamais estiveram seus antecessores. Nem Lula, que conseguiu neutralizar a tropa através de depósitos mensais nas contas de deputados, senadores e líderes partidários, sofreu com tamanha dependência. Tanto que quando o mensalão explodiu, o petista manteve o grupo reunido sob seu comando com outros argumentos. Bolsonaro será manipulado daqui até alguns meses antes de outubro de 2022, quando a gangue vai então desembarcar para remar em outra canoa.

É OURO

O que tanto o senador Flávio Bolsonaro faz em Rondônia? Segundo o jornal eletrônico “Tudorondônia.com”, o zerinho esteve três vezes em Porto Velho “em curto espaço de tempo” e sem agenda oficial. A última visita foi no dia 26 de maio, uma quarta-feira (dia de sessão no Senado). Na companhia do vice-prefeito da capital, Maurício Carvalho, ele foi visto em bares e numa casa de eventos em noite animada. Não se sabe o que fez durante o dia.

BASTA UM CABO

Um dos zerinhos de Bolsonaro disse, ainda em 2018, que para fechar o Supremo Tribunal Federal bastariam um cabo e um soldado. Se quiser, agora ele pode dizer sem medo de errar que basta um cabo para vender 400 milhões de doses de vacina ao apodrecido governo de seu pai.

DINHEIRO VIVO

O cabo da PM dublê de vendedor de vacinas, Luiz Paulo Dominguetti, disse que o diretor de Logística do Ministério da Saúde, Roberto Ferreira Dias, pagou com dinheiro vivo o jantar no restaurante Vasto. Faz todo sentido. Naqueles dias turbulentos no início do primeiro mandato de Lula era assim também. Silvinho Pereira e Delúbio Soares, por exemplo, só usavam cash.

ATRASO DELIBERADO

Seguindo a linha de investigação traçada até aqui, já tem senador da CPI achando que o atraso na compra das vacinas Pfizer e Sinovac foi deliberada para permitir as múltiplas operações mal cheirosas em torno de outros imunizantes, como a Covaxin e o da CanSino. O distinto Ricardo Barros terá muito a explicar.

ABAIXA O VOLUME

Não sei vocês, mas tem gente que não consegue nem mais ouvir Bolsonaro. Quando sua voz entra na TV, no rádio ou em qualquer device, abaixa imediatamente o som. A simples sensação de que alguém ao seu redor possa perceber que ele está ouvindo a coisa já o envergonha.

JUSTIÇA TARDA 1

Em 1998, Eduardo Azeredo usou recursos públicos para azeitar sua candidatura à reeleição. O caso foi denunciado em 2007 e ficou conhecido como “mensalão tucano”, porque usava os mesmos métodos de distribuição de dinheiro do mensalão petista. E o mesmo operador, o publicitário Marcos Valério. Como em 2007 Azeredo era senador, o caso que deveria correr na Justiça comum subiu para o Supremo. Quando estava a ponto de ser julgado, Azeredo renunciou ao mandato e o processo voltou para a instância anterior. Depois de condenado, Azeredo recorreu ao STF, que esta semana anulou o julgamento e remeteu o caso para a Justiça eleitoral. Vinte e quatro anos depois, o crime que tramitou em três foros distintos voltou ao ponto de partida.

JUSTIÇA TARDA 2

Em exatos dois meses e quatro dias o processo de cassação do ex-vereador Jairinho foi julgado em comissão e aprovado pelo plenário da Câmara Municipal do Rio. Enquanto isso, em Brasília, o caso da deputada Flordelis, acusada de mandar matar o marido, tramita há dois anos em passo de tartaruga na Câmara Federal.

O FIM DA HISTÓRIA

Ela era mais do que uma superatleta, era uma musa. Em seu tempo, a presença de Fernanda Venturini em um jogo era garantia de bom espetáculo. Hoje, negacionista e bolsonarista, desmerece sua biografia e sua história.

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