sexta-feira, 30 de julho de 2021

Bernardo Mello Franco - Ouro em desinformação

O Globo

O Brasil ainda luta por medalhas em Tóquio, mas já garantiu o ouro na Olimpíada da desinformação. Na última década, nenhum país da América Latina caiu tanto nos rankings que medem o respeito à liberdade de expressão. A queda se agravou nos primeiros dois anos do governo de Jair Bolsonaro.

Em relatório divulgado ontem, a organização britânica Artigo 19 mostra que o Brasil despencou para a 86ª posição numa lista de 161 países. Agora aparece atrás de nações como Albânia, Afeganistão e Haiti.

No documento, Bolsonaro desponta como um mentiroso contumaz. Só no ano passado, disparou 1.682 declarações falsas ou enganosas. Isso equivale a mais de quatro cascatas por dia, sem descontar domingos e feriados.

O mentirômetro do Planalto registrou novos recordes na pandemia. Em vez de enfrentar o coronavírus, o capitão sabotou as medidas de distanciamento, fez propaganda de remédios ineficazes e tentou maquiar o número de mortos pela doença.

Para a Artigo 19, a aposta na desinformação une o presidente brasileiro a outros populistas autoritários, como o venezuelano Nicolás Maduro. “Isso é estratégico: ao estimular a desconfiança do público e a polarização, muitos autocratas reforçam sua base de apoio”, afirma a entidade.

Em queda livre nas pesquisas, o mitômano tem reforçado a artilharia contra o sistema eleitoral. Ontem ele prometeu provar irregularidades na urna eletrônica. Depois de muito falatório, tropeçou na própria língua. “Não tem como se comprovar que as eleições não foram ou foram fraudadas”, admitiu.

Apesar do sincericídio, Bolsonaro deve insistir na teoria conspiratória. “A desinformação tem o objetivo claro de minar a confiança na estrutura política do país e na democracia”, alertou o sociólogo Marco Aurelio Ruediger, da Fundação Getulio Vargas, em debate promovido na semana passada pela SBPC.

Nesta quarta, o Supremo Tribunal Federal testou um novo antídoto aos ataques do presidente. Em vez de divulgar mais uma nota de repúdio, produziu um vídeo curto, com linguagem típica das redes sociais. A mensagem era simples: uma mentira repetida mil vezes não se torna verdade. Pela reação furiosa de Bolsonaro, a estratégia funcionou.

 

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