quinta-feira, 1 de julho de 2021

Bruno Boghossian – É do centrão

Folha de S. Paulo

Sem apoio, impeachment reflete dependência de Bolsonaro do centrão

Em 2018, Joice Hasselmann disse que queria ser "o Bolsonaro de saias". "A gente tem almas parecidas", afirmou, entre o primeiro e o segundo turno daquela eleição. Na mesma época, o ativista Kim Kataguiri declarou voto no candidato do PSL para derrotar a "ameaça à democracia" que enxergava no PT.

A dupla se juntou a petistas, movimentos estudantis e outros oposicionistas para pedir o impeachment do presidente nesta quarta (30). Joice disse que não votaria em Bolsonaro "nem com uma arma na cabeça", e Kataguiri afirmou que era preciso derrubar "um dos presidentes mais criminosos da história".

Nenhum dos dois deputados se converteu milagrosamente ao antibolsonarismo. Ambos, no entanto, passaram a se desvincular do presidente nos últimos anos por razões políticas, em especial depois dos choques entre Bolsonaro e o lavajatismo. Joice e Kataguiri são exemplos de uma transformação na base que mantém o governo de pé.

Bolsonaro chegou ao Planalto como um presidente que sofria humilhações constantes em votações no Congresso. Ao fechar um acordo com o centrão, o governo pagou um preço alto, mas conseguiu fazer sua agenda andar com menos tropeços. O carimbo de ex-aliados no pedido de impeachment é um sinal da dependência desse novo arranjo.

Apesar do apoio exótico, o processo tem poucas chances de prosperar. Caciques do Congresso calculam que haveria menos de 200 votos a favor do impeachment, quando são necessários 342. Eles dizem que o presidente pode dormir tranquilo, uma vez que o centrão está mais interessado em colher os benefícios dessa parceria do que em passar por uma transição de poder.

O governo atravessa seu momento mais delicado, mas conserva uma estabilidade singular graças aos acordos no Congresso. As suspeitas de corrupção que surgiram até agora na compra de vacinas devem afastar outros Joices e Kataguiris, mas não fizeram efeito em outros círculos políticos. Bolsonaro é do centrão.

 

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