domingo, 11 de julho de 2021

Eliane Cantanhêde - Golpe de mestre

O Estado de S. Paulo

Se Bolsonaro acena com golpe, Lula devia dar um golpe de mestre: ser vice de união nacional

O presidente Jair Bolsonaro está esfarelando e, se a eleição fosse hoje, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva estaria eleito no primeiro turno, segundo o Datafolha. Lula, portanto, já é o grande vitorioso. É hora de reagir à ameaça de golpe com um golpe de mestre espetacular, de enorme grandeza, abrindo mão da cabeça de chapa e assumindo a vaga de vice numa chapa de união e pacificação nacional. Um gesto para a história à altura da sua biografia e do grande líder que ele é.

O que está em jogo não é apenas mais uma eleição, uma troca de presidentes, mas um verdadeiro movimento de reconstrução, diante de uma pandemia devastadora e do desmanche de Saúde, Educação, Meio Ambiente, Política Externa, Cultura... Além do esgarçamento das relações republicanas e institucionais das fricções e angústias no mundo militar.

Com Lula disputando a volta à Presidência, e com grandes chances, aprofundam-se a polarização e esvaem-se as soluções. Com Lula trocando a vaga na chapa pelo papel histórico de arquiteto e líder da união nacional, ele mantém sua capacidade poderosa de atrair votos, mas desanuvia-se o ambiente, tira-se a motivação de parte dos votos em Bolsonaro e abre-se a porta para uma nova era, inclusive na economia.

Além de decisiva para o Brasil, a solução pode ser conveniente para o próprio Lula. Ele tem milhares de motivos para ressentimento, mas seu maior troco é a vitória, o reconhecimento, não a volta à cadeira que ocupou por oito anos, colocando em risco o saldo de 2010 e trazendo o fantasma da Lava Jato. A história mostra que a segunda vez nunca, ou dificilmente, supera a primeira.

Lula terá 77 anos em 2022 e 81 em 2026. Nada mal. Ele, porém, teve uma vida difícil e tem sérios problemas de saúde, além de... viver um novo amor. O que ganharia assumindo a rotina de presidente, com críticas, pedradas, cargos, reuniões e chateações? Não lhe convém mais o papel de garantidor, de avalista para o mundo de que o Brasil está nos eixos da democracia, busca estabilidade e quer avançar, não retroceder?

Não se trata só de Lula, mas do PT e da grandeza dos líderes, homens e mulheres públicas deste País tão sofrido. O PT teria de dar a própria cambalhota, já que jamais aderiu aos movimentos de união nacional: eleição de Tancredo Neves, Constituinte, transição com Itamar Franco, Plano Real. Agora, o inimigo é outro, as ameaças são difusas – por ora, inalcançáveis – e a melhor comparação é com as Diretas Já, em que o PT marcou forte presença, como deve marcar agora.

Ok. A questão é também, ou principalmente, quem seria o cabeça de chapa nessa complexa construção política, mas isso é para o próprio Lula e os líderes que o passado nos lega e o futuro já nos oferece, nos três Poderes, nas organizações, na iniciativa privada. Cabe a eles, e a elas, captarem a gravidade do que nós estamos vivendo e reagirem não por interesses pessoais, eleitorais, partidários ou ideológicos, mas pelo bem maior, o Brasil.

A situação é grave e o presidente não viaja mais pelo País em campanha pela reeleição, mas em defesa do golpe, seja lá que golpe ele tenha na cabeça, mas certamente ameaçando a realização de eleições em 2022. Reage com palavrão a uma carta da CPI da Covid, chama o presidente do TSE de “imbecil”, dobra a aposta contra vacinas, máscaras e isolamento e volta a atrair o seu vice, general Hamilton Mourão, para o centro da confusão.

Ou quer recorrer ao princípio da “lealdade” e imobilizar Mourão se o risco de impeachment crescer, ou tenta unir as Forças Armadas em torno de seus propósitos ainda não exatamente revelados. Fica o recado de que vai cair atirando. As instituições e entidades já resistem. Aguardam-se os grandes gestos dos grandes líderes.

Um comentário: