quarta-feira, 14 de julho de 2021

Fabio Graner - Novo rumo da reforma do IR acende alerta fiscal

Valor Econômico

Risco é negociações em torno das mudanças tributárias desaguarem em irresponsabilidade com contas públicas

O governo vai elevar de 3,5% para em torno de 5,3% a projeção para o crescimento da economia brasileira neste ano, apurou o Valor. O número alinha o cenário do Ministério da Economia para o PIB brasileiro com o que já vem sendo estimado pelos analistas do mercado. O nível de atividade mais forte é um dos fatores que têm ajudado na recuperação das receitas e dado conforto para o governo aceitar cortar mais o IRPJ das empresas no âmbito do projeto de reforma do Imposto de Renda.

O substitutivo preliminar do deputado Celso Sabino (PSDB-PA), divulgado ontem, atacou a principal preocupação dos empresários: o risco de aumento da carga tributária sobre o capital produtivo. Ao derrubar a alíquota do IRPJ em 10 pontos percentuais no primeiro ano e 12,5 pontos a partir do segundo, muito mais do que os 5 pontos originalmente propostos, o texto aparentemente troca o sinal da reforma em termos de arrecadação. Mas acende o alerta sobre um possível risco fiscal, ainda que o ambiente econômico esteja melhor.

Os cálculos divulgados por Sabino apontam perda líquida de R$ 26,95 bilhões em receitas em pleno ano eleitoral. Para 2023, a renúncia sobe a R$ 30 bilhões e é um dado que mostra melhor o quadro de longo prazo.

Na prática, o relatório tira o bode da sala na tributação das rendas mais altas, acomodando a solução nas combalidas contas públicas, deficitárias desde 2014. As negociações ainda estão no início e o texto ainda tem muito caminho a percorrer no Congresso. E quem conhece o Parlamento sabe que parte das medidas de ganho arrecadatório previstas no projeto pode acabar ficando pelo caminho, agravando as perdas de receita.

O relatório de Sabino foi feito com apoio do ministro Paulo Guedes. Assustado com a forte reação do setor empresarial ao projeto, o ministro já vinha sinalizando derrubar a alíquota do IRPJ e, encorajado pelo bom desempenho da arrecadação neste ano, topou ousar. As receitas em 2021 crescem acima de 20% em termos reais, impulsionadas pela alta das commodities e pela melhora no nível de atividade.

Ponderando que o processo de discussão da reforma ainda está no início, uma fonte da área econômica afirmou à coluna que os volumes até agora apresentados não chegam a assustar. Mas reconhece que é preciso ter cuidado no processo e evitar empolgação, porque o Brasil ainda está no meio de um processo de consolidação fiscal.

Ex-secretário de Política econômica do então Ministério da Fazenda e responsável pelo Observatório de Política Fiscal do FGV Ibre, Manoel Pires vê exagero no movimento de redução do IRPJ e levanta preocupações com a estratégia. “Primeiro, o governo não está em condição de abrir mão de receita nenhuma. Na verdade, o normal seria ganhar recurso com essa reforma”, disse, lembrando que a ideia de taxar dividendos sempre foi visto como uma “bala de prata” para melhorar o fiscal.

Pires também avalia que é arriscado fazer reforma em que se perde receita, alegando que está havendo alta na arrecadação. “Essa sensação de aumento de receitas ocorre em um momento no qual a economia está se recuperando de uma crise. Está se discutindo perder receita no melhor momento. Quando a água ficar baixa, vai faltar dinheiro de novo”, comentou. “Acho inoportuno fazer uma reforma que gere perda de receita, seja R$ 20, seja R$ 10 bilhões. Acho muito ruim sair dessa discussão perdendo”, completou. Para ele, não há qualquer garantia de que a menor taxação das empresas vai gerar mais arrecadação no futuro, refletindo uma maior competitividade das empresas.

O especialista em contas públicas Guilherme Tinoco considera que os números ventilados já ensejam atenção, mas o problema é se as perdas aumentarem. “Se estivermos falando de valores maiores, como R$ 50 bilhões, pode ser um problema maior, em um momento no qual se tem déficits primários”, salientou, ressaltando que é difícil ter clareza sobre os números reais de impacto na arrecadação. “Não é hora de baixar a carga tributária, temos déficit elevado e o desafio é fechar esse déficit”, completou, lembrando que o cenário para o ano que vem é de crescimento modesto para a economia, entre 2% e 2,5%, o que tende a conter a alta de receitas.

O ex-secretário da Receita Marcos Cintra não vê razão para preocupações fiscais com a nova versão da reforma. Para ele, o potencial de arrecadação dos dividendos é maior do que vem sendo estimado e o ambiente de receitas em alta permite ao governo aceitar eventual perda.

“Não deve haver razão para se ficar preocupado porque a arrecadação está subindo. Eu duvido que haja perda de receita com a reforma”, afirmou Cintra. Ele considera que o substitutivo de Sabino melhorou o projeto, mas ainda vê problemas no desenho. O economista destaca que a carga tributária de 33% do PIB é uma “enormidade” e reforça que alta recente na arrecadação pelo lado da atividade econômica pode cobrir eventual déficit gerado na reforma.

Também crítico da reforma, o tributarista Ilan Gorin enxerga que, mesmo com os ajustes, haverá aumento de carga tributária para as empresas, por causa de medidas como o fim da dedução dos Juros sobre Capital Próprio. “Está se mexendo para pior, com único propósito de se aumentar a arrecadação e ainda ampliando a burocracia”, disse, apontando que as estimativas do relator e do governo subestimam o efeito da taxa nos dividendos.

Leonardo Ribeiro, especialista em contas públicas e analista do Senado, avalia que, com a restrição imposta pelo teto de gastos, o governo pode estar buscando fazer uma expansão fiscal para o ano de eleições via renúncia de receitas. “Mas o governo tem que observar as metas fiscais e esse tipo de medida deveria ser tomada com as metas fiscais aprovadas, em vez de ser discutida sem as metas e sem um planejamento de longo prazo”, salientou, lembrando que, desde 2014, não se fazia medida de expansão fiscal por meio de tributos, ainda que no caso atual a estratégia seja mais generalizada, e não setorial, como foi na gestão petista.

Embora para o Orçamento trilionário do país e com a economia crescendo uma perda de R$ 30 bilhões não pareça um volume difícil de se manejar, é importante lembrar que o montante equivale a um ano de Bolsa Família. E que o déficit primário previsto para 2022 é de R$ 170 bilhões, um volume ainda alto. Por isso, é bom que o governo e a sociedade fiquem atentos para que as negociações não terminem descambando para a irresponsabilidade fiscal.

 

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