domingo, 18 de julho de 2021

Hélio Schwartsman - Quatro décadas de vida extra

Folha de S. Paulo

A ciência e seus avanços são um fenômeno social

Durante a maior parte da história, a expectativa de vida do ser humano variou em torno dos 35 anos. A partir principalmente do final do século 19, assistimos a um decidido incremento desse indicador, hoje na casa dos 73 anos.

Nossa tendência ao ler essa descrição é achar que estamos vivendo mais e que esse é um feito da medicina. Em parte é isso mesmo, mas uma parte bem pequena. Como explica Steven Johnson em “Extra Life”, quase todo o aumento na expectativa de vida, que é uma média, se deve não a um estirão na longevidade, mas à brutal redução da mortalidade infantil, que despencou dos mais de 40% nos períodos mais remotos para menos de 4% hoje.

E a distribuição das causas desse fenômeno também é desigual. Temos três invenções que pouparam bilhões de vidas (fertilizantes artificiais, vacinas e saneamento básico), cinco que preservaram centenas de milhões (antibióticos, agulha bifurcada, transfusões de sangue, cloração da água e pasteurização do leite) e depois o resto, que inclui prodígios que salvaram “apenas” milhões, como cinto de segurança, anestesia, refrigeração e a angioplastia.

A medicina propriamente dita chega tarde à festa. Suas intervenções só se tornam efetivas a partir da segunda metade do século 20. Antes disso, a maioria das prescrições —sangrias e drogas à base de metais pesados— contribuía mais para detonar do que para preservar a saúde de pacientes.

Johnson também mostra que os impressionantes resultados que obtivemos se devem a esforços coletivos que vão muito além do momento “heureca” dos inovadores. Louis Pasteur descobriu o método que leva seu nome e que fazia com que o leite deixasse de ser veneno líquido. Mas a pasteurização só foi adotada graças à obstinação de filantropos, jornalistas e políticos que enfrentaram lobbies poderosos e conseguiram transformar sua causa em lei. A ciência e seus avanços são um fenômeno social.

 

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