domingo, 11 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Chega de chantagem

O Estado de S. Paulo

A Nação não suporta mais chantagem. Basta de ameaças às instituições da República e ao regime democrático que os brasileiros reconquistaram não sem grande sacrifício. É hora de coragem e firmeza na defesa da liberdade.

O presidente Jair Bolsonaro não reúne mais as condições para permanecer no cargo. Acossado por sucessivos reveses morais, políticos, penais e administrativos, Bolsonaro parece ter mandado às favas os freios internos que o faziam ao menos fingir ser um democrata. Sua natureza liberticida falou mais alto. Como alguém que não tem mais nada a perder, o presidente se insurgiu contra a Constituição ao ameaçar de forma explícita a realização das eleições no ano que vem, como a Lei Maior determina que haverá.

“Ou fazemos eleições limpas no Brasil, ou não temos eleições”, afirmou Bolsonaro ao punhado de apoiadores que batem ponto no Palácio da Alvorada. Todos sabem o que Bolsonaro quer dizer com eleições “limpas”: eleições do jeito que ele quer, com o resultado ao qual ele almeja. O presidente chantageia a Nação. Como um menino mimado, diz que, se não lhe derem o voto impresso, ele inflama sua horda de camisas pardas e instala a baderna. Uma pessoa com esta índole é indigna da Presidência da República.

A reação da sociedade a esta chantagem determinará o tipo de país que o Brasil haverá de ser daqui em diante. É absolutamente inconcebível que o chefe de Estado e de governo ameace impunemente fazer letra morta de uma cláusula pétrea da Constituição. Os brasileiros estão diante de uma disjuntiva. Ou bem se reassegura o Estado Democrático de Direito consagrado pela Lei Maior ou Bolsonaro segue como presidente.

Certamente, Bolsonaro se sentiu seguro para subir o tom de suas cominações após a divulgação da nota subscrita pelo ministro da Defesa, Walter Braga Netto, e pelos comandantes da Marinha, do Exército e da Aeronáutica, respectivamente, o almirante Almir Garnier Santos, o general Paulo Sérgio Nogueira de Oliveira e o brigadeiro Carlos de Almeida Batista Júnior. A pretexto de repreender um senador por suas declarações – isto, por si só, uma excrescência –, os quatro deixaram no ar a ameaça de ruptura institucional ao afirmarem que as Forças Armadas constituem “fator essencial de estabilidade do País”. Ora, se há instabilidade no Brasil hoje não é por outra razão que não política, e em grande medida provocada por Bolsonaro. E numa democracia as instabilidades políticas são resolvidas no âmbito político, vale dizer, civil.

Que Braga Netto assinasse uma nota como aquela, era de esperar. Afinal, não se trata mais de um militar da ativa, mas de um político, demissível, pois, a qualquer tempo. Espantoso foi o endosso às urdiduras do Palácio do Planalto dado pelos comandantes das três Forças, autoridades de Estado que são, não de governo. Deles não se esperava uma palavra sequer no que concerne aos assuntos próprios das lides políticas.

O presidente do Congresso, senador Rodrigo Pacheco (DEM-MG), reagiu à altura das afrontas, mas não sem antes ter sido pressionado para tal. Em entrevista coletiva, Pacheco reafirmou a independência do Poder Legislativo e classificou como “inimigo da Nação” todo aquele que “pretender algum retrocesso no Estado Democrático de Direito”. O senador ainda refutou “especulações sobre as eleições de 2022” e assegurou que a realização do pleito é “inegociável”.

Igualmente republicana foi a reação do ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE). Barroso afirmou que qualquer tentativa de Bolsonaro de obstruir a realização das eleições de 2022 configura crime de responsabilidade. Seria mais um no rol de crimes de responsabilidade que o presidente já cometeu. Ao Estado, a senadora Simone Tebet (MDB-MS) afirmou que a CPI da Covid já reuniu “elementos suficientes” para pedir a cassação do presidente da República.

Cabe agora ao presidente da Câmara dos Deputados, Arthur Lira (PP-AL), mostrar ao País que tem brio e espírito republicano. Lira deve dar seguimento a 1 dos 123 pedidos de impeachment contra Bolsonaro que pairam sobre sua mesa. Tibieza não assegura lugar de honra na História.

A que o Senado deve estar atento

O Estado de S. Paulo

A discussão sobre a religião do futuro ministro do Supremo não tem relevância

Em reunião no dia 6 de julho com ministros de Estado, o presidente Jair Bolsonaro informou que vai indicar para o Supremo Tribunal Federal (STF) o advogado-geral da União, André Mendonça. O ministro Marco Aurélio Mello se aposentará no dia 12 de julho.

No dia anterior, dia 5, o presidente Jair Bolsonaro já havia tratado do assunto. “Vou indicar (para o STF) um evangélico agora”, disse Bolsonaro a apoiadores, na frente do Palácio da Alvorada. André Mendonça é pastor da Igreja Presbiteriana Esperança de Brasília.

Em conformidade com o caráter laico do Estado, a Constituição de 1988 não estabelece nenhuma condição a respeito da religião dos integrantes do Supremo, bem como de nenhum outro cargo público. Todos são iguais perante a lei, com os mesmos direitos e os mesmos deveres.

A Constituição fixa, isso sim, outras condições para os ministros do Supremo. “O STF compõe-se de 11 ministros, escolhidos dentre cidadãos com mais de 35 e menos de 65 anos de idade, de notável saber jurídico e reputação ilibada.”

Essas duas últimas condições não são requisitos abstratos ou de difícil aferição. É preciso que não haja nenhuma dúvida sobre o notável saber jurídico e a reputação ilibada do indicado. Se houver alguma inquietação a respeito de algum dos dois pontos, a exigência constitucional não está preenchida – e o Senado deve barrar a indicação.

Sob a perspectiva constitucional, a discussão sobre a religião do futuro ministro do Supremo não tem nenhuma relevância. Observa-se, assim, mais uma tentativa do presidente Jair Bolsonaro de confundir o debate público.

No processo de nomeação de um novo ministro do STF, o decisivo é avaliar se a trajetória da pessoa indicada revela a independência necessária para defender a Constituição, especialmente nos casos que exijam contrariar aliados políticos, irmãos de fé ou parceiros de família.

Esse aspecto deve ser avaliado pelo Senado em todas as indicações para o Supremo. Mas, no caso de Jair Bolsonaro, o assunto ganha especial gravidade, em razão das próprias declarações do presidente.

No ano passado, Jair Bolsonaro explicou sua escolha para o STF da seguinte maneira: “Kassio Nunes já tomou muita tubaína comigo. (...) A questão de amizade é importante, né?”. Diante desses critérios, sem nenhuma aderência aos princípios republicanos, o Senado tem de estar especialmente atento para o comportamento do indicado ao Supremo na sabatina que fará. 

Ressalta-se que tal avaliação não consiste em exercício de futurologia, como se os senadores tivessem de adivinhar quais serão as futuras atitudes da pessoa indicada, uma vez ocupando uma cadeira no Supremo. O exame é outro. Trata-se de verificar qual é o grau de compromisso com a Constituição que o histórico do candidato revela.

Adverte-se, desde já, que a atuação pública do atual advogado-geral da União tem deixado a desejar precisamente no quesito mais essencial para o cargo de ministro do STF: o respeito à Constituição deve ter precedência sobre lealdades políticas ou relações pessoais. Nos últimos meses, especialmente durante o período em que esteve à frente do Ministério da Justiça, André Mendonça notabilizou-se por sujeitar os mandamentos constitucionais aos interesses de Jair Bolsonaro.

Enquanto esteve no Ministério da Justiça, André Mendonça pôs o aparato estatal para perseguir opositores do governo Bolsonaro. Por exemplo, instou os órgãos de investigação a atuar contra um professor que instalou, no Tocantins, dois outdoors críticos a Jair Bolsonaro. Um Estado Democrático de Direito demanda outro tipo de compromisso com as garantias individuais. Não se pode esquecer de tal forma a Constituição para agradar ao presidente da República e sua turba. 

O Senado não tem de olhar para a religião de André Mendonça. Sua condição de pastor evangélico não o qualifica nem o desqualifica para o cargo. A função de ministro do Supremo é essencialmente laica e diz respeito a todos os brasileiros. Trata-se de verificar se, no exercício de suas funções públicas, o indicado tem inegáveis condições de manifestar respeito incondicional à Constituição.

A epidemia da pobreza

O Estado de S. Paulo

Desigualdade bateu recorde no Brasil um ano depois da chegada da pandemia

A maioria dos brasileiros assistiu de longe à festa econômica do primeiro trimestre, quando o Produto Interno Bruto (PIB), segundo as contas oficiais, cresceu 1,2% em relação aos três meses finais do ano passado. Milhões, no entanto, nem mesmo puderam espiar a distância. Tentavam sobreviver sem emprego e sem renda, enquanto mais um recorde sinistro era batido. No período janeiro-março, a desigualdade de renda proveniente no trabalho foi a maior da série iniciada no fim de 2012, de acordo com o Centro de Políticas Sociais da Fundação Getulio Vargas (FGV). Foi esse, até agora, o pior ponto da crise social ocasionada pela pandemia.

O novo coronavírus pode ter provocado a maior parte do estrago, desarrumando a economia, matando milhares de trabalhadores e destruindo empregos. Mas o vírus teve a colaboração inegável do governo, com a redução do auxílio emergencial entre setembro e dezembro e sua suspensão nos primeiros meses deste ano. Além disso, o Brasil entrou em 2021 sem Orçamento aprovado e sem um programa federal de incentivo econômico. O único estímulo restante, nesse período, foi a política mantida pelo Banco Central (BC). Mesmo com alguma elevação, os juros básicos permaneceram baixos, favorecendo a expansão do crédito.

Sem ações do Executivo para conter o desemprego e sem ajuda financeira da União, as famílias mais vulneráveis afundaram na pobreza. No primeiro trimestre de 2020, o Índice de Gini, usado para medir a desigualdade de renda, estava em 0,642. No fim do ano havia chegado a 0,669, já refletindo amplamente os efeitos econômicos e sociais da pandemia. No trimestre inicial de 2021 atingiu 0,674, o ponto mais alto da série. O Índice de Gini varia de 0 a 1. Quanto mais alto, maior a desigualdade. Esse indicador é usado para mostrar a distribuição – ou concentração – de qualquer bem.

É fácil perceber a piora do quadro quando se considera a variação da renda por habitante. No ano passado o PIB encolheu 4,1%. Uma das consequências foi a redução da fatia correspondente, em média, a cada brasileiro. O bolo diminuiu, enquanto o número de comensais continuou aumentando. Como o acesso à renda é desigual, alguns brasileiros – a maioria – perderam mais do que outros.

A perda foi agravada pela inflação. Em períodos de baixa atividade e de menor demanda por bens e serviços, os preços tendem normalmente a subir menos ou a diminuir. Desta vez ocorreu algo diferente, com efeitos mais sensíveis nas economias emergentes e em desenvolvimento. A inflação piorou, puxada pelas cotações internacionais de alimentos e minérios. Essas cotações foram infladas principalmente pela recuperação chinesa.

No Brasil, os preços foram ainda turbinados pela alta do dólar (o real foi uma das moedas mais desvalorizadas). O surto inflacionário atingiu mais duramente as famílias mais pobres. Esse efeito desigual se manteve no segundo trimestre. Nos 12 meses até maio, a inflação das famílias de menor renda atingiu 8,91%, enquanto a do grupo superior ficou em 6,33%. Também esta é uma taxa muito alta, indicativa de um sério desajuste. Mas, de toda forma, também a inflação é um componente importante do quadro das desigualdades econômicas e sociais.

Novas ações de apoio financeiro aos pobres estão em estudo no Executivo. Retomado em abril, o auxílio emergencial poderá ser mantido até outubro. Também se fala de uma ampliação do Bolsa Família. Antes chamado de “Bolsa Farinha”, esse programa é agora valorizado pelo presidente Jair Bolsonaro, candidato à reeleição. A primeira obrigação do Executivo, porém, é consertar os estragos econômicos e sociais por ele mesmo causados – com a suspensão do auxílio emergencial entre janeiro e março, o abandono precipitado das ações anticrise, o atraso na vacinação e a campanha presidencial contra o isolamento e as máscaras. Tudo isso está na contramão das políticas defendidas, por exemplo, pelo Banco Mundial e pelo primeiro time mundial dos economistas e epidemiologistas. O custo desses erros vai principalmente para os pobres.

Espiral descendente

Folha de S. Paulo

Adesão a impeachment e quadro eleitoral revelam desgaste em curso de Bolsonaro

Enquanto o presidente Jair Bolsonaro, ao fustigar diariamente as instituições eleitorais do país, aumenta uma pilha de crimes de responsabilidade em potencial, a sua perspectiva de terminar o mandato e obter a reeleição se reduz.

É provável que o segundo fato explique o desespero nas invectivas patológicas contra ministros e cortes —rechaçadas, de pronto, pelos presidentes do Senado e do Tribunal Superior Eleitoral.

Se for isso, pode-se esperar mais esperneio autoritário bolsonarista após a divulgação dos resultados da pesquisa Datafolha sobre impeachment e intenção de voto.

Pela primeira vez, forma-se maioria favorável à abertura de processo por crime de responsabilidade na Câmara dos Deputados. A cada 100 eleitores entrevistados pelo instituto, 54 apoiam a deflagração do impeachment e 42 a rejeitam. Em menos de seis meses, inverteu-se a situação apurada na pesquisa da penúltima semana de janeiro.

Questionados sobre a capacidade do presidente de liderar o país, 63% responderam que ela não existe, outro recorde numa trajetória galopante de aversão. Não votariam de jeito nenhum em Bolsonaro no escrutínio de outubro do ano que vem 59% dos consultados. Nenhum outro nome testado obteve mais que 37% de rejeição eleitoral.

Nas simulações estimuladas de primeiro turno, Bolsonaro tem 25% das intenções de voto, mesmo patamar dos que consideram bom ou ótimo o seu governo. Luiz Inácio Lula da Silva aparece 21 pontos percentuais à frente do incumbente.

Na hipótese de segundo turno, o petista bate Bolsonaro com 27 pontos de margem (58% a 31%). O atual presidente perde dos três nomes testados no Datafolha —Lula, Ciro Gomes (PDT) e João Doria (PSDB).

O castigo na popularidade e nas condições de sobrevida política do presidente da República é pronunciado nas classes populares. Entre os que têm renda familiar mensal até R$ 2.200 —57% do eleitorado—, 60% defendem o impeachment e 63% recusam votar em Bolsonaro.

A foto deste Datafolha ainda assegura ao presidente o posto de principal perseguidor de Lula nas cogitações para 2022, mas a sequência de pesquisas denota um processo de desgaste não estancado.

A continuar a espiral descendente, em pouco tempo o mandatário avistará competidores no retrovisor.
A seu favor, Jair Bolsonaro tem um horizonte de recuperação provável do emprego e de superação paulatina da pandemia, pelo avanço agora acelerado da vacinação.

A questão é saber se ainda resta paciência em setores populosos do eleitorado com a desastrosa administração federal. Caso a resposta seja negativa, não apenas a reeleição estará comprometida, mas também a sequência final do mandato, pois aumentará a adesão social e política ao impeachment.

Barrar os supersalários

Folha de S. Paulo

Regular teto no serviço público dará maior legitimidade à reforma administrativa

Com tramitação em regime de urgência, finalmente deve ser votado na Câmara dos Deputados o projeto que restringe a possibilidade de burlas ao teto constitucional de remuneração do funcionalismo.

Que o dispositivo, já aprovado pelo Senado em 2016, precise reafirmar em detalhe o que já está escrito na Carta é testemunho do descompromisso com as regras, em especial pelos que mais deveriam zelar por elas. É na magistratura e no Ministério Público, infelizmente, onde se encontram os maiores abusos na forma de supersalários.

Ao longo dos anos, as corporações foram criativas em criar penduricalhos e toda sorte de subterfúgios para escapar dos limites e ampliar suas regalias. Muitos desses privilégios nem existem em lei, tendo sido criados por atos administrativos que não raro ficam ocultos nos escaninhos da burocracia.

É passada a hora, portanto, de fechar esses espaços e submeter as remunerações ao escrutínio da sociedade. O projeto avança nessa direção ao limitar todos os vencimentos ao teto inscrito na Constituição, de R$ 39,3 mil mensais.

São regulamentados 30 itens que podem ficar fora do teto, o que inclui o notório auxílio-moradia. Mas o projeto regulamenta as condições e restaura o objetivo original de pagá-lo apenas no caso de mudança de residência por ato de ofício ou em virtude de mandato eletivo.

Outro item importante é a proibição de exclusão do teto para o pagamento de férias não gozadas maiores que 30 dias, prática utilizada por juízes, que têm direito a absurdas férias de 60 dias, para engordar seus vencimentos.

Há avanço também na transparência. O projeto determina que não poderá ser invocado sigilo no fornecimento de informações para os órgãos responsáveis por aferir a aderência dos valores recebidos aos limites, além de prever o desenvolvimento de um sistema integrado de dados.

Constituirá crime e ato de improbidade administrativa autorizar a exclusão de pagamentos dos limites legais, bem como a omissão ou prestação de informação falsa.

Embora a economia estimada para a União fique em torno de R$ 3 bilhões anuais, quantia modesta frente às despesas gerais, acabar com os supersalários é passo fundamental para moralizar o serviço público e conferir mais legitimidade à reforma administrativa, eliminando privilégios de poucos.

 

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