segunda-feira, 12 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Muito mais do que apenas desgoverno

O Estado de S. Paulo

A CPI da Pandemia convidou um grupo de juristas para estudar quais crimes podem ser imputados ao presidente Jair Bolsonaro por suas ações e omissões na condução do País durante a emergência sanitária. A rigor, o principal trabalho deste grupo de notáveis será dar um enquadramento jurídico-penal ao sobejamente conhecido comportamento de Bolsonaro como chefe de Estado e de governo no curso da maior tragédia que se abateu sobre a Nação em mais de um século.

É evidente que o Brasil não seria o único país do mundo a ser poupado dos efeitos devastadores de uma pandemia como a que ora aflige todos, mas tampouco mais de meio milhão de mortos representam o que seria o “curso natural” da peste entre nós. Houve esforços para que se chegasse a este funesto resultado.

“Precisamos de uma avaliação jurídica mais aprofundada sobre o enquadramento típico da conduta do presidente da República”, afirmou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE), autor do requerimento de formação do grupo. “Até tenho minha opinião sobre os tipos legais que se aplicam, mas é oportuno buscar um respaldo maior.”

O grupo de juristas, coordenado por Miguel Reale Júnior, ex-ministro da Justiça e professor titular de Direito Penal da Faculdade de Direito da Universidade de São Paulo (USP), é composto pelos advogados Helena Lobo da Costa e Alexandre Wunderlich, além da juíza Sylvia Steiner, que integrou o Tribunal Penal Internacional. Os advogados Salo de Carvalho e Davi Tangerino deixaram o grupo por “conflito de interesses”.

Há que esperar a conclusão do trabalho do grupo, mas Reale Júnior vê como inescapável considerar no relatório final o “conjunto da obra negacionista” de Bolsonaro, o que poderá lhe valer tanto a imputação de crimes comuns como os de responsabilidade.

A natureza do trabalho do grupo não é essencialmente diferente do escopo da própria CPI. Os senadores estão menos atarefados em desvendar o descalabro que é a administração federal da crise do que em sistematizar a miríade de condutas irresponsáveis – muitas delas, de fato, potencialmente criminosas – cometidas pelo presidente da República e seus auxiliares à luz do dia, reiteradamente, há 1 ano e 4 meses.

Já é conhecida, por exemplo, a deliberada recusa do governo em firmar contratos para aquisição de vacinas. Igualmente, é sabido que Bolsonaro age como o principal garoto-propaganda de medicamentos que não só são ineficazes contra a covid-19, como podem causar terríveis efeitos colaterais, e até a morte, quando usados fora de suas indicações terapêuticas. Também é de conhecimento público a ofensiva de Bolsonaro, inclusive acionando o Supremo Tribunal Federal (STF), para barrar quaisquer iniciativas de governadores e prefeitos para conter o avanço do vírus em seus Estados e municípios. Bolsonaro também não perde oportunidade de desinformar a população, expondo-a a perigo, e de sabotar medidas de proteção individual e coletiva preconizadas pela comunidade científica. Tudo isto certamente há de configurar muito mais do que apenas desgoverno, o que por si só já seria o bastante para reservar a Jair Messias Bolsonaro o lugar mais escuro do porão da História nacional.

Os juristas já começaram a analisar documentos, declarações, leis, atos normativos e administrativos emitidos pelo governo federal durante a pandemia. Ao final do trabalho, o grupo entregará o parecer que subsidiará o relatório final do senador Renan Calheiros (MDB-AL).

À Nação é devida a responsabilização de todos os que transformaram o que seria uma grave crise sanitária no maior morticínio já visto por muitas gerações. O trabalho da CPI é apenas uma etapa neste processo, a investigação. Mas fundamentais também são os papéis do Ministério Público e do Poder Judiciário para denunciar, processar e julgar quem quer que tenha agido contra a saúde e a vida dos brasileiros. Não há lugar para omissões.

Políticas agrícolas ruins e perversas

O Estado de S. Paulo

Preços subsidiados, com restrições alfandegárias, impactam a segurança alimentar global

Os sistemas alimentares globais enfrentam o triplo desafio de garantir segurança alimentar e nutrição para uma população em crescimento; renda para centenas de milhões de pessoas envolvidas na cadeia alimentar; e uma produtividade sustentável. Mas, segundo a Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), as políticas agrícolas não enfrentam esses desafios – ao contrário, agravam-nos.

Conforme o relatório de Avaliação das Políticas Agrícolas, os subsídios têm crescido em todo o mundo. Em 2018-20, as 54 economias avaliadas forneceram em média US$ 720 bilhões anuais em subsídios para a agropecuária. Desse total, 1/3 foi pago pelos consumidores, na forma de subsídios aos preços de mercado. O resto recaiu sobre os contribuintes, na forma de transferências orçamentárias.

Três quartos do total (US$ 540 bilhões) foram dirigidos a produtores individuais. Desse montante, 60% foram fornecidos pelos instrumentos mais distorcivos: subsídios aos preços de mercado e pagamentos diretos. Como boa parte é capitalizada no valor das terras ou se perde em preços mais altos de insumos, eles são instrumentos ineficazes de transferência de renda. Além disso, são iníquos, por beneficiarem majoritariamente os grandes produtores, em vez dos de baixa renda. Por fim, são ambientalmente deletérios, por incentivarem uma produção desvinculada de metas ambientais.

Preços subsidiados, associados a restrições alfandegárias, impactam a segurança alimentar global, ao prejudicar a alocação eficaz de recursos domésticos, debilitar a oferta de alimentos das regiões superavitárias para as deficitárias e contribuir para a volatilidade dos preços.

Das transferências orçamentárias, apenas 6% foram gastas em sistemas de inovação, 2% em biossegurança e 9% em infraestrutura. “Apenas 1 em 6 dólares do apoio orçamentário global é gasto de modo a promover o crescimento sustentável da produtividade e a resiliência agrícola”, disse a diretora da OCDE para o Comércio e Agricultura, Marion Jansen.

Nesse cenário, a posição do Brasil é exemplar. Os subsídios e proteções ao setor agrícola são baixos. Os preços domésticos estão alinhados aos mercados globais. Em 20 anos, os subsídios caíram de 7,6% para 1,5% das receitas agrícolas brutas. Em sua maioria, eles são concedidos na forma de crédito para compra de insumos ou contratação de seguros, e desde 2008 estão condicionados a indicadores ambientais e boas práticas agrícolas. Do total de subsídios, a parcela daqueles distorcivos caiu, em 20 anos, de 66% para 21%. Os subsídios a serviços gerais cresceram, e hoje representam quase 40% do total, dos quais 90% beneficiam a pesquisa e desenvolvimento.

A OCDE sugere aprimoramentos, como regulações mais simplificadas para a concessão de crédito e ainda mais focadas na modernização da produtividade e da sustentabilidade; aprimoramento dos sistemas de avaliação dos subsídios; e melhorias nos sistemas de saúde e bem-estar dos animais e de rastreabilidade dos impactos ambientais por parte dos fornecedores – o que, inclusive, facilitará o acesso a novos mercados e a conclusão de acordos como o Mercosul-União Europeia.

Os subsídios globais, em resumo, são majoritariamente ruins – porque ineficazes – e perversos – porque distorcem os mercados em prejuízo dos consumidores, contribuintes e produtores competitivos –, além de serem danosos ao meio ambiente. A OCDE enfatiza três reformas para reverter esse quadro: reduzir gradualmente os subsídios distorcivos; focar em subsídios que beneficiem famílias mais vulneráveis, eventualmente incorporando-os a políticas sociais e redes de proteção; e reorientar os gastos públicos para investimentos em bens públicos, especialmente sistemas de inovação.

O Brasil já abraçou essa agenda, resultando em uma agropecuária das mais competitivas, inovadoras e sustentáveis do mundo. Aprimoramentos domésticos podem e devem ser feitos. Mas ainda mais importante é atuar nos fóruns multilaterais para construir um sistema alimentar global mais justo e eficiente.

Consumo de novo em marcha

O Estado de S. Paulo

O varejo se recupera, enquanto a indústria continua mostrando pouco dinamismo

Com mais lojas abertas e o consumidor menos recluso, as vendas do comércio varejista ganharam impulso e cresceram por dois meses consecutivos: 4,9% em abril e 1,4% em maio. Em março, haviam despencado 3%, depois de um desempenho oscilante e inseguro nos quatro meses anteriores. Com o último resultado, o volume de vendas superou por 3,9% o patamar pré-pandemia, mas ficou 1,3% abaixo do recorde alcançado em outubro. O varejo saiu do buraco onde havia afundado no começo da crise de saúde. Os números podem ser mais impressionantes quando a base de comparação é o pior período, com aumento de 16% em relação ao dado de maio de 2020 e de 6,8% na comparação dos números de janeiro-maio deste ano e do ano passado.

O balanço continua positivo quando se acrescentam dois segmentos, o de veículos e componentes e o de materiais de construção. Nesse conjunto maior, conhecido como varejo ampliado, o volume vendido em maio foi 3,8% maior que o de abril e 26,2% superior ao comercializado um ano antes. Mas, apesar desses números favoráveis, talvez seja cedo para seguir o ministro da Economia, Paulo Guedes, em seu entusiasmo. Segundo ele, o Brasil surpreende o mundo e a economia “bombou” mesmo quando o auxílio emergencial ficou suspenso.

O ministro parece haver esquecido os 14,8 milhões de desempregados, 14,7% da força de trabalho, no trimestre fevereiro-abril, quando a atividade segundo ele, estava bombando. Além disso, parece haver menosprezado o desempenho da indústria, ainda muito fraco. O aumento da produção industrial em maio (1,4% sobre o volume de abril) ocorreu depois de três meses de queda. Com esse resultado, o setor voltou ao nível pré-pandemia, mas continuou 16,7% abaixo do pico atingido em maio de 2011.

A indústria já andava mal, em 2019, no início do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Continuou piorando até chegar a pandemia, afundou mais em 2020 e afinal voltou à superfície. Mas nada se fez em Brasília, nos últimos dois anos e meio, para reverter, ou pelo menos deter, a desindustrialização do País.

Falar em economia bombando, mesmo diante da recuperação do varejo, fica estranho quando se observam os números da indústria de transformação. Em maio, as vendas de veículos, motos, partes e peças foram 1% maiores que as de abril. No período janeiro-maio foram 26,3% superiores às de um ano antes. Mas o setor continua abaixo dos níveis pré-pandemia. Neste ano, até junho, as montadoras produziram 1,148 milhão de veículos, 57,5% mais que no primeiro semestre de 2020. Segundo a direção da Anfavea, a associação nacional das fabricantes, o setor deixou de produzir entre 100 mil e 120 mil unidades por causa da escassez de semicondutores.

Com mais 120 mil, no entanto, a produção teria chegado a 1,268 milhão, número inferior ao de janeiro a junho de 2018, quando o total chegou a 1,435 milhão. Em 2019, antes da pandemia, foram montados 1,214 milhão de veículos na primeira metade do ano.

Nesse período de 2020, com o Brasil já assolado pela covid, o número ficou em 729,3 mil unidades. Quase paralisadas, em abril do ano passado as montadoras fabricaram 1.800 veículos.

A comparação com o período pré-pandemia mostra mais claramente a perda de ritmo do setor. O número de empregados também diminuiu nesse período. Em junho de 2018 as montadoras empregavam 112,7 mil trabalhadores. O contingente diminuiu ano a ano e em junho de 2021 chegou a 102,7 mil.

A desindustrialização do País começou bem antes do mandato do presidente Jair Bolsonaro. Sinais de fraqueza já eram visíveis, na indústria, em 2012-2013. Não basta, no entanto, a atual administração se isentar de responsabilidade por todo o processo. Um governo com visão dos problemas, metas e programas teria cuidado, desde o início, de trabalhar pela recuperação da indústria. No entanto, nenhum diagnóstico foi exposto e nenhum propósito de modernização e de revigoramento do setor foi mencionado pelo presidente ou por sua equipe. Mas a economia, segundo o ministro Paulo Guedes, está bombando. Bombando e sem rumo?

Privatizar os Correios

Folha de S. Paulo

Venda da empresa federal deve manter a natureza pública dos serviços postais

A julgar pelos estudos elaborados até agora, o processo de privatização dos Correios segue um bom caminho, no sentido de combinar a busca de eficiência e adaptação aos avanços tecnológicos com a necessária preservação da natureza pública dos serviços postais.

O trabalho que servirá de subsídio para a modelagem de venda da empresa, elaborado sob a liderança do BNDES, mapeou amplamente as experiências internacionais com liberalização do setor e privatizações, além das principais referências regulatórias.

As conclusões estão bem alinhadas aos objetivos elencados no projeto de lei encaminhado pelo Executivo e que tramita na Câmara dos Deputados em regime de urgência.

As principais premissas são a manutenção do papel estatal na regulação de serviços postais, com foco na preservação da universalidade de acesso e tarifas razoáveis, de um lado, e o fomento da concorrência no restante do mercado de encomendas, de outro.

Para tanto, as políticas que orientarão o setor permanecem sob a responsabilidade do Ministério das Comunicações, que delegará a regulação para a Anatel. Com isso, fica assegurada a natureza pública do serviços postais, sob regime de concessão.

O estudo do BNDES aponta para uma ampla gama de desafios, para os quais os Correios estatais não estão preparados. As mudanças tecnológicas, para começo de análise, provocam queda acentuada da remessa de correspondências (cerca de 41% entre 2015 e 2019), fenômeno observado em todos os países analisados.

Ao mesmo tempo, há um enorme crescimento do segmento de encomendas, na casa de 15% ao ano, fomentado pelo comércio eletrônico. A mudança de hábitos provocada pela pandemia só fará acelerar esse processo, que demandará capacitação tecnológica em logística e informatização.

Os Correios, por certo, têm atributos. Com 98,1 mil funcionários e presença em praticamente todos os municípios do país, a empresa tem potencial para competir num mercado em ampla transformação. Para tanto, porém, precisa de ferramentas, a começar por boa gestão, flexibilidade e acesso a capital.

A necessidade de investimentos para lidar com as demandas crescentes do mercado é significativa, de pelo menos R$ 2,5 bilhões ao ano, segundo o estudo, um múltiplo dos R$ 300 milhões que vêm sendo aportados pelos Correios nos últimos anos.

Embora a empresa venha obtendo lucros modestos, de R$ 1,5 bilhão em 2020, dificilmente poderá fazer frente a tais necessidades.

A demora em atualizar a regulação do setor em rápida transformação e de bem dispor do patrimônio que ainda resta desgastará a empresa. Vender os Correios não significa deixar de atentar para o papel regulatório do Estado.

Resta esperar que os parlamentares não cedam a tentações corporativistas e clientelistas ao votarem a privatização, como fizeram ao desvirtuar as normas para a venda da Eletrobras.

Presos sem vacina

Folha de S. Paulo

Não se justifica atraso na imunização da população carcerária de SP contra Covid

Apenas 6% da população carcerária de São Paulo recebeu vacina contra a Covid-19 até 3 de julho, segundo dados da Secretaria de Administração Penitenciária paulista. Ao todo, 13 mil de 210 mil presos do estado receberam ao menos uma dose de imunizante.

Os dados vêm à tona em meio a um pedido da Defensoria Pública para a inclusão imediata desse estrato no calendário de imunização, o que já deveria ter acontecido.

Nada justifica a morosidade. Enquanto a vacinação já alcança 53% do público adulto, os detentos ficam longe da marca, apesar de serem prioridade no Plano Nacional de Imunização (PNI). No estado, 41 mil deles têm mais de 41 anos e 22 mil apresentam comorbidade.

Deve-se frisar o óbvio: é responsabilidade estatal garantir a saúde das pessoas sob sua custódia. Foram registradas 71 mortes de presos por Covid-19 em presídios de São Paulo, das quais 36 nos últimos cinco meses, quando já estava em curso a vacinação.

Os números estão possivelmente subestimados em um sistema penitenciário superlotado e suscetível a doenças infecciosas.

Apesar de a população carcerária paulista estar em queda nos últimos anos, dados do Tribunal de Contas do Estado indicam que hoje há excesso de 62 mil presos em relação à capacidade das penitenciárias (148 mil).

Não se sustenta, diante das obrigações do poder público, o argumento da secretaria segundo o qual a taxa de letalidade nos presídios está bem abaixo da média da população em geral.

O descaso não se limita a São Paulo. Segundo depoimento de uma ex-coordenadora do PNI à CPI da Covid, o ex-secretário-executivo da Saúde e coronel da reserva Elcio Franco defendeu retirar os detentos dos grupos prioritários da campanha de vacinação.

Recorde-se, ademais, que em abril de 2020 o Ministério da Justiça cogitou colocar presos doentes em contêineres —e que o Supremo Tribunal Federal resistiu a soltar os de menor periculosidade durante a pandemia por meio de habeas corpus.

 Pressa em votar coloca riscos para a LDO 2022

Valor Econômico

A prioridade tem que ser a reconstrução do país, abatido pelo desastre natural da epidemia

Depois de meses de atraso, o Congresso finalmente instalou a Comissão Mista de Orçamento (CMO), responsável por fazer a primeira análise da importante Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Mas o que era para ser uma boa notícia foi ofuscada por um surpreendente movimento para se votar de afogadilho o texto que é base para a elaboração do orçamento de 2022, a ser enviado em agosto.

Deputados e senadores chegaram a um acordo para votar o parecer preliminar do projeto hoje, abrindo apenas dois dias para apresentação de emendas. A intenção do comando da comissão mista é que a versão final do relatório do deputado Juscelino Filho (DEM-MA) seja votada entre quarta e sexta-feira, dia 16, mesmo dia para se discutir e votar o tema no plenário do Congresso.

É curioso que, após três meses de atraso e do triste episódio do orçamento “fictício” aprovado para este ano, que gerou forte incerteza no mercado, a CMO discuta um calendário para discussão "a jato", com a votação de um projeto tão relevante em menos de uma semana.

Em tese, a LDO precisa ser votada até o dia 17 para o Congresso entrar de recesso entre os dias 18 e 31 de julho. Mas a única consequência de não se sair votando de afogadilho essa matéria é a não efetivação desse período de interrupção das atividades diretamente legislativas. Ou seja, os parlamentares, em tese, teriam que trabalhar em Brasília em vez de passar duas semanas na tradicional consulta às bases ou fazer um "recesso informal" de duas semanas.

Apesar do acordo da semana passada, parte dos congressistas defende que o prazo está apertado e que o melhor é que se caminhe para um recesso informal e que a matéria seja votada em agosto. Ideal mesmo seria que os parlamentares, tão generosamente remunerados pelos contribuintes, continuem trabalhando no projeto nas próximas semanas, equilibrando a necessidade de se aprovar a LDO com celeridade, mas sem atropelo e com discussão aprofundada e transparente.

Há que se convir que, em tempos ainda pandêmicos, a necessidade de recesso é no mínimo discutível. Talvez o que esteja por trás de tanta pressa após tamanho atraso sejam interesses não tão louváveis. Por exemplo, se a LDO for votada no prazo estabelecido, o Congresso vai entrar em recesso e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que tem prestado um grande serviço ao país revelando a sucessão de erros na gestão da crise sanitária, terá que ter suas atividades paralisadas por duas semanas.

Além disso, há risco de que o texto traga novidades que podem ser prejudiciais à responsabilidade fiscal e à transparência orçamentária, como ocorreu neste ano, sem tempo para a que sociedade se mobilize e discuta as mudanças de forma responsável.

Como recente reportagem do Valor mostrou, há uma preocupação na área econômica em evitar que o Congresso inclua novamente dispositivo que torna as emendas de relator-geral impositivas, como já ocorre com as individuais e de bancada. Foi esse mecanismo, vetado pelo governo, mas derrubado pelo Congresso em votação relâmpago, que abriu caminho para o desastroso Orçamento de 2021.

Dessa forma, a peça em vigência neste ano deixou uma fortuna nas mãos do relator-geral de 2021, senador Márcio Bittar (MDB-AC), com muito pouca transparência na repartição dos recursos, contrariando o princípio mais básico da boa gestão orçamentária. Além disso, forçou o governo a entrar em uma briga acirrada com o Congresso, o que gerou um impasse de semanas, custando caro para a rolagem da dívida pública e para a confiança dos investidores locais e externos.

Por se tratar da peça que dará suporte ao orçamento do ano eleitoral, é preciso atenção redobrada da sociedade. Ainda mais que, ao que tudo indica, será um ano que o teto de gastos terá uma folga extra, graças à ajuda da inflação, que reajustará o limite de despesas em R$ 124 bilhões. Estimativas apontam que desse montante, mais de R$ 20 bilhões poderão ser livremente alocados. É natural que a classe política fique de olho nisso.

Mais do que nunca é necessário que os parlamentares respeitem o contribuinte, moderando seus apetites eleitorais e lembrando que o país ainda está na crise do coronavírus. Se não há espaço para morosidade, tampouco o há para atropelos. A prioridade tem que ser a reconstrução do país, abatido pelo desastre natural da epidemia, situação agravada pela má gestão do presidente Jair Bolsonaro. Interesses políticos pessoais ou mesmo de grupos não podem ser a prioridade dos representantes do povo.

Pressa em votar coloca riscos para a LDO 2022

Valor Econômico

A prioridade tem que ser a reconstrução do país, abatido pelo desastre natural da epidemia

Depois de meses de atraso, o Congresso finalmente instalou a Comissão Mista de Orçamento (CMO), responsável por fazer a primeira análise da importante Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO). Mas o que era para ser uma boa notícia foi ofuscada por um surpreendente movimento para se votar de afogadilho o texto que é base para a elaboração do orçamento de 2022, a ser enviado em agosto.

Deputados e senadores chegaram a um acordo para votar o parecer preliminar do projeto hoje, abrindo apenas dois dias para apresentação de emendas. A intenção do comando da comissão mista é que a versão final do relatório do deputado Juscelino Filho (DEM-MA) seja votada entre quarta e sexta-feira, dia 16, mesmo dia para se discutir e votar o tema no plenário do Congresso.

É curioso que, após três meses de atraso e do triste episódio do orçamento “fictício” aprovado para este ano, que gerou forte incerteza no mercado, a CMO discuta um calendário para discussão "a jato", com a votação de um projeto tão relevante em menos de uma semana.

Em tese, a LDO precisa ser votada até o dia 17 para o Congresso entrar de recesso entre os dias 18 e 31 de julho. Mas a única consequência de não se sair votando de afogadilho essa matéria é a não efetivação desse período de interrupção das atividades diretamente legislativas. Ou seja, os parlamentares, em tese, teriam que trabalhar em Brasília em vez de passar duas semanas na tradicional consulta às bases ou fazer um "recesso informal" de duas semanas.

Apesar do acordo da semana passada, parte dos congressistas defende que o prazo está apertado e que o melhor é que se caminhe para um recesso informal e que a matéria seja votada em agosto. Ideal mesmo seria que os parlamentares, tão generosamente remunerados pelos contribuintes, continuem trabalhando no projeto nas próximas semanas, equilibrando a necessidade de se aprovar a LDO com celeridade, mas sem atropelo e com discussão aprofundada e transparente.

Há que se convir que, em tempos ainda pandêmicos, a necessidade de recesso é no mínimo discutível. Talvez o que esteja por trás de tanta pressa após tamanho atraso sejam interesses não tão louváveis. Por exemplo, se a LDO for votada no prazo estabelecido, o Congresso vai entrar em recesso e a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI), que tem prestado um grande serviço ao país revelando a sucessão de erros na gestão da crise sanitária, terá que ter suas atividades paralisadas por duas semanas.

Além disso, há risco de que o texto traga novidades que podem ser prejudiciais à responsabilidade fiscal e à transparência orçamentária, como ocorreu neste ano, sem tempo para a que sociedade se mobilize e discuta as mudanças de forma responsável.

Como recente reportagem do Valor mostrou, há uma preocupação na área econômica em evitar que o Congresso inclua novamente dispositivo que torna as emendas de relator-geral impositivas, como já ocorre com as individuais e de bancada. Foi esse mecanismo, vetado pelo governo, mas derrubado pelo Congresso em votação relâmpago, que abriu caminho para o desastroso Orçamento de 2021.

Dessa forma, a peça em vigência neste ano deixou uma fortuna nas mãos do relator-geral de 2021, senador Márcio Bittar (MDB-AC), com muito pouca transparência na repartição dos recursos, contrariando o princípio mais básico da boa gestão orçamentária. Além disso, forçou o governo a entrar em uma briga acirrada com o Congresso, o que gerou um impasse de semanas, custando caro para a rolagem da dívida pública e para a confiança dos investidores locais e externos.

Por se tratar da peça que dará suporte ao orçamento do ano eleitoral, é preciso atenção redobrada da sociedade. Ainda mais que, ao que tudo indica, será um ano que o teto de gastos terá uma folga extra, graças à ajuda da inflação, que reajustará o limite de despesas em R$ 124 bilhões. Estimativas apontam que desse montante, mais de R$ 20 bilhões poderão ser livremente alocados. É natural que a classe política fique de olho nisso.

Mais do que nunca é necessário que os parlamentares respeitem o contribuinte, moderando seus apetites eleitorais e lembrando que o país ainda está na crise do coronavírus. Se não há espaço para morosidade, tampouco o há para atropelos. A prioridade tem que ser a reconstrução do país, abatido pelo desastre natural da epidemia, situação agravada pela má gestão do presidente Jair Bolsonaro. Interesses políticos pessoais ou mesmo de grupos não podem ser a prioridade dos representantes do povo.

O Globo

Câmara precisa aprovar lei dos supersalários

Dados estimam em 25 mil os servidores que ganham acima do teto, ou 0,23% dos 11 milhões de funcionários públicos brasileiros

Deverá ir a votação amanhã na Câmara dos Deputados um projeto de lei já aprovado no Senado em 2016, estabelecendo enfim as regras que limitam os salários do funcionalismo público ao teto constitucional, equivalente aos vencimentos de um ministro do Supremo Tribunal Federal (STF), hoje em R$ 39.293. A votação pretende pôr fim à farra dos supersalários e aos expedientes mais mirabolantes usados para burlar o teto. Trata-se, também, do primeiro e fundamental passo na urgente e prioritária reforma administrativa.

Cálculos do economista Daniel Duque, do Centro de Liderança Pública (CLP), estimam em 25 mil os servidores que ganham acima do teto, ou 0,23% dos 11 milhões de funcionários públicos brasileiros. Todos estão na parcela de 1% com maior renda no país. Representam 1% do funcionalismo federal, 0,4% do estadual e 0,02% do municipal. É essa minoria, concentrada sobretudo no Poder Judiciário e no Ministério Público — onde são comuns holerites superiores a R$ 100 mil —, que forma a elite do funcionalismo. É também dela que partem as maiores resistências às reformas necessárias para transformar o Estado brasileiro.

O projeto de lei dos supersalários, relatado pelo deputado Rubens Bueno (Cidadania-PR), se distingue em alguns pontos daquele aprovado no Senado em 2016, sobretudo ao estabelecer limites para os célebres “penduricalhos” que costumam engordar a remuneração dos servidores. O texto não elimina definitivamente o acúmulo de até duas fontes de renda sujeitas a tetos separados, expediente comum entre os militares que aceitaram cargos no governo para ampliar seus vencimentos (e objeto de portaria recente do Ministério da Economia).

Mesmo assim, restringe a prática e traz um enorme avanço à esbórnia em que se transformou a concessão de verbas indenizatórias, os célebres auxílios (moradia, viagem, paletó, alimentação etc.). No novo substitutivo prometido por Bueno, há travas para limitar essas verbas, de acordo com o patamar de renda do servidor.

Pela estimativa do CLP, a economia anual com os cortes nos supersalários ficaria acima de R$ 2 bilhões, dependendo de quanto for mantido em verbas indenizatórias legítimas. Do total de gastos acima do teto, 58,4% se concentram no governo federal, 41,1% nos estaduais e apenas 0,5% nos municipais. Pelo cálculo de Bueno, a economia giraria em torno de R$ 3 bilhões. Pode parecer pouco num Orçamento com despesas de R$ 1,5 trilhão, mas é impossível subestimar o valor simbólico de começar a retirar os privilégios da elite do funcionalismo.

É a ação corporativa dessa elite que tem impedido ao longo dos anos a realização da reforma administrativa profunda e justa que o Brasil exige. A Proposta de Emenda Constitucional 32, encaminhada pelo governo ao Congresso, peca pela timidez, justamente por não incluir os principais integrantes dessa elite, como militares, juízes, procuradores ou parlamentares. A aprovação do projeto de lei dos supersalários tem de ser apenas o começo. A PEC 32 precisa ser aperfeiçoada para incluir também quem ficou de fora. Só assim o Brasil poderá enfim ter um Estado eficiente e enxuto, capaz de oferecer os serviços com a qualidade que todos merecemos — e que caiba no nosso bolso.

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