domingo, 18 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Dois países, uma lição

O Estado de S. Paulo

Em meio a tantas diferenças, as histórias dos Estados Unidos e do Brasil, as duas maiores democracias das Américas, convergiram em um ponto: tanto lá como cá, de forma inédita em tempos recentes, as instituições republicanas e os princípios democráticos mais comezinhos – como a pacífica alternância no poder – foram perigosamente atacados pelos chefes de Estado e de governo dos dois países.

Nos Estados Unidos, a insurgência do ex-presidente Donald Trump diante do resultado da eleição passada, na qual foi derrotado pelo democrata Joe Biden, representou a mais grave ameaça à integridade da nação desde a Guerra Civil (1861-1865). Em boa hora, os cidadãos americanos mostraram ao mundo de que material é feita aquela nação e ergueram a barreira de contenção que evitou a tragédia que seria o sucesso da sedição estimulada por Trump.

O caráter da cúpula das Forças Armadas dos Estados Unidos, em especial do chefe do Estado-Maior, o general Mark Milley, foi determinante para o fracasso da intentona trumpista e, consequentemente, para o resguardo da democracia americana. É o que revela o livro I Alone Can Fix It (“Só Eu Posso Consertar”, em tradução livre), escrito por Carol Leonnig e Philip Rucker, dois premiados jornalistas do The Washington Post.

Leonnig e Rucker narram a extrema preocupação do general Milley e de oficiais graduados em seu entorno durante as últimas semanas do mandato de Trump. A escalada das tensões provocadas pela negativa do ex-presidente de aceitar o resultado das urnas teria “revirado o estômago” de Milley, segundo os autores. O chefe do Estado-Maior manifestou explicitamente a seus subordinados diretos o temor de um golpe de Estado, a ponto de comparar a invasão do Capitólio insuflada por Trump ao incêndio do Reichstag em fevereiro de 1933, que alçou Adolf Hitler ao poder totalitário e fez cinzas da democracia alemã.

Segundo os autores do livro, ambos vencedores do Prêmio Pulitzer, Milley confidenciou a amigos, juristas e oficiais militares que precisava “estar de guarda” para evitar o pior naqueles dias sombrios que sucederam ao pleito de novembro de 2020. “Eles (Trump e seus partidários) podem tentar (dar um golpe), mas não vão conseguir. Você não pode fazer algo assim sem as Forças Armadas. Você não vai fazer isso sem a CIA, sem o FBI. Nós somos os caras com as armas”, disse a maior autoridade militar dos Estados Unidos a seus interlocutores próximos.

Durante a pacífica posse de Joe Biden como o 46.º presidente americano, o general Milley disse à ex-primeira-dama Michelle Obama que ninguém naquela cerimônia haveria de ter “um sorriso mais largo” do que o dele. O sorriso era justificado. No momento mais crítico da história recente dos Estados Unidos, as Forças Armadas americanas se mostraram ciosas de seus deveres constitucionais, de seu papel como instituições a serviço do Estado e da sociedade, não do governo de turno. É uma preciosa lição que deram nestes tempos tão estranhos.

Se os Estados Unidos estão refeitos do susto, o Brasil ainda segue sob o ataque de Jair Bolsonaro. Na semana passada, o presidente ameaçou sem meias palavras a realização das eleições de 2022 no País, caso o Congresso não aprovasse a volta do voto impresso. Levianamente, Bolsonaro dissemina desconfiança quanto à segurança das urnas eletrônicas. Eleições “limpas”, para o presidente da República, só com voto “auditável”. Desnecessário dizer o que Bolsonaro entende por “eleições limpas”.

O presidente sabe que haverá eleições no Brasil no ano que vem, como determina a Constituição, e que os brasileiros votarão por meio de urnas eletrônicas, como fazem, sem qualquer sobressalto, há 25 anos. A suspeição que lança sobre a higidez do processo – e que já ressoa entre alguns militares graduados – visa a estimular a baderna em caso de derrota, tal como fez Trump.

Com bastante antecedência, Bolsonaro tem alertado para o golpe que pretende dar caso não seja reeleito. Portanto, deve ser contido por um entre dois anteparos constitucionais: o impeachment ou o republicanismo da grande maioria dos oficiais das Forças Armadas brasileiras.

As ofensas de Bolsonaro a quem investiga

O Estado de S. Paulo

Mesmo em internação hospitalar, Jair Bolsonaro criticou a CPI da Covid. Tinha cancelado a sua live semanal, mas não se absteve de ofender os três principais integrantes da comissão. “No circo da CPI, Renan, Omar e Saltitante (referência ao senador Randolfe Rodrigues) estão mais para três otários que três patetas”, escreveu na quinta-feira passada o presidente em sua conta no Twitter.

A agressividade do presidente Bolsonaro, descumprindo sua promessa da semana passada de que daria uma trégua nos ataques contra os outros Poderes, mostra que a CPI da Covid, em seus três primeiros meses de funcionamento, vem cumprindo seus objetivos. O trabalho investigativo dos senadores foi capaz de revelar aspectos constrangedores da atuação do governo federal na pandemia.

Há ainda muito a investigar, mas alguns fatos já são de conhecimento público. O atraso na vacinação contra a covid não se deu apenas por uma questão ideológica. Enquanto postergou e dificultou as tratativas diretas com os fabricantes de vacinas, o governo de Jair Bolsonaro deu preferência à negociação de vacinas por meio de empresas intermediárias.

“Esse governo não quis comprar vacina a 10 dólares da Pfizer, mas quis comprar a Covaxin a 15 dólares”, disse o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM).

Aparentemente inexplicável, essa diferença de tratamento por parte do governo federal torna-se a cada dia mais compreensível para a população. São crescentes os indícios de que negociações com empresas intermediárias envolveram pedido de propina – ou “comissionamento”, como afirmou Cristiano Carvalho, representante da Davati Medical Supply no Brasil, em seu depoimento aos senadores no dia 15 de julho.

De fato, a atuação do governo federal na pandemia é muito peculiar. No mesmo período em que, sem provas, Jair Bolsonaro acusava governadores estaduais de desviarem verbas da saúde, sabe-se agora, em função da CPI da Covid, que o presidente da República foi informado a respeito de mau uso de recursos públicos no próprio Ministério da Saúde.

Confirmando ter recebido informações do deputado Luis Miranda (DEM-DF) sobre a compra da vacina Covaxin, Jair Bolsonaro disse que encaminhou o caso ao então ministro da Saúde, Eduardo Pazuello. A pedido da Procuradoria-Geral da República (PGR), a Polícia Federal abriu inquérito no dia 12 de julho para investigar se Jair Bolsonaro praticou crime de prevaricação nesse episódio.

O mais estranho é que, mesmo com todos os indícios de malfeitos revelados pela CPI da Covid, Jair Bolsonaro não tenha, em nenhum momento, defendido a apuração dos fatos. De forma descarada e cada vez com mais violência, o presidente ataca quem expõe fatos relativos ao Ministério da Saúde.

Tem-se assim o completo abandono de todo e qualquer discurso de combate à corrupção. Até internado num hospital, Jair Bolsonaro volta-se contra quem tenta expor negociatas e sobrepreço na compra de vacinas. No último mês, a CPI da Covid trouxe elementos para intuir a existência de quadrilhas operando na pasta de Eduardo Pazuello.

A agressividade de Jair Bolsonaro depois de cada escândalo exposto pela CPI da Covid é ainda mais embaraçosa tendo em vista o inquérito da Polícia Federal para investigar o presidente da República por crime de prevaricação. Com as ofensas que profere, Jair Bolsonaro reforça os indícios contra si mesmo. Se, de forma pública e reiterada, Jair Bolsonaro coloca-se frontalmente contrário a toda investigação de eventuais malfeitos em seu governo, é no mínimo estranho pensar que a portas fechadas, longe dos olhos do público, Jair Bolsonaro teria apoiado e determinado as diligências investigativas a que ele tanto se opõe em público.

Por força do recesso parlamentar, a CPI da Covid voltará aos seus trabalhos no dia 3 de agosto. Há muito a ser apurado. Jair Bolsonaro sempre esteve próximo das questões relativas às vacinas anticovid, determinando publicamente o que podia e o que não podia comprar. Suas recentes ofensas confirmam quanto o tema o afeta direta e pessoalmente.

Uma recuperação oscilante

O Estado de S. Paulo

Puxada pela indústria, a economia cresceu 0,3% nos 12 meses até maio, mas ainda ficou 0,7% abaixo do nível de fevereiro do ano passado, antes do tombo causado pela pandemia, segundo a Fundação Getulio Vargas (FGV). “Esses resultados mostram que ainda há um longo caminho para a retomada mais robusta”, comentou o pesquisador Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB-FGV, a mais detalhada prévia mensal do Produto Interno Bruto (PIB). Apesar da reação do consumo e de sinais positivos em todos os setores, o ritmo dos negócios tem oscilado. No trimestre móvel encerrado em maio a atividade foi 0,9% inferior à dos três meses até fevereiro.

O crescimento econômico de 1,8% em maio foi o melhor desempenho mensal registrado em 2021 pelo Monitor, mas esse resultado ficou longe de compensar a perda acumulada em março e abril. Em cada um desses meses o PIB encolheu 1,4%, segundo as contas da FGV. Apesar desse avanço inseguro, mercado e governo têm elevado suas projeções para este ano.

O Ministério da Economia acaba de aumentar sua estimativa de 3,5% para 5,3%, emparelhando sua expectativa à do mercado. Em quatro semanas, economistas do setor financeiro e de grandes consultorias passaram de 4,85% para 5,26% suas previsões de aumento do PIB em 2021.

Se a nova expectativa oficial estiver certa, a economia brasileira chegará a dezembro com um ganho de 0,98% em relação ao resultado de 2019. Mas o dado mais significativo, para quem se preocupa com o potencial produtivo do País, está nas projeções para os próximos anos. O crescimento anual do PIB ficará em torno de 2,5% no período de 2022 a 2025, segundo as novas estimativas divulgadas pelo Ministério da Economia. As projeções do mercado indicam 2,09% para o próximo ano e 2,5% para os dois seguintes.

Há anos as projeções de longo prazo ficam na faixa de 2% a 2,5%. Esse é o potencial de crescimento avaliado por economistas brasileiros e estrangeiros. O baixo investimento em máquinas, equipamentos e obras é um dos fatores limitantes levados em conta pelos especialistas. Desde janeiro de 2000, esse tipo de investimento correspondeu em média a 18% do PIB. No período a partir de 2015 a média ficou em 16%. Em maio deste ano, a taxa foi bem mais alta, 22,1%, segundo a FGV.

Mas isso de nenhum modo aponta uma alteração dos padrões. Essa elevação reflete principalmente o forte aumento da produção de certos tipos de equipamentos, como caminhões e outros veículos, depois da grande queda em 2020. Além disso, falta verificar por quanto tempo se manterá uma taxa em torno de 22%. Depois, essa porcentagem, apesar de superior à média de duas décadas, ainda seria insatisfatória para as necessidades do País. Em outros emergentes, a formação de capital fixo normalmente supera esse padrão.

Nos últimos dez anos o desempenho econômico do Brasil foi nitidamente inferior ao da maioria dos países de renda média. O País cresceu menos, poupou e investiu muito menos e foi menos capaz de se integrar nas cadeias globais de produção. Enquanto outras economias emergentes participaram de acordos e ingressaram em novas áreas de comércio, o Brasil permaneceu pouco aberto, perdendo múltiplas oportunidades de intercâmbio e de absorção de investimentos e de tecnologia. Alguns grupos, privilegiados pela política oficial, prosperaram e até ganharam projeção global, mas a maior parte da indústria e dos serviços pouco participou do jogo mais amplo.

O atual governo quase nada fez para mudar esse quadro. A economia permaneceu fechada, incapaz de se beneficiar até do acordo entre Mercosul e União Europeia. Durante a maior parte do tempo essa administração defendeu bandeiras antiglobalistas. Seu antiambientalismo criou riscos para o setor mais eficiente da economia nacional, o agronegócio. Diante da pandemia, seu negacionismo e sua desastrosa política sanitária, causadora de atraso na vacinação, dificultaram a retomada. A tudo isso é preciso somar as tensões criadas pelo presidente da República, o maior fator de insegurança econômica do Brasil.

A oportunidade e a dificuldade para a terceira via

O Globo

As eleições presidenciais de 2022 representam um enigma para os analistas políticos. A incerteza atual deriva não apenas dos ataques do presidente Jair Bolsonaro à urna eletrônica ou de suas inclinações antidemocráticas. Deriva também de um paradoxo: os dois pré-candidatos que mais atraem eleitores — Boolsonaro e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva — são também os mais rejeitados.

Tal polarização, agravada pela derrocada progressiva da popularidade de Bolsonaro durante a pandemia, tem criado em vários círculos políticos a esperança de que, na hora H, um terceiro nome possa vencê-lo no primeiro turno e derrotar Lula no segundo. É verdade que as perspectivas para o proverbial candidato da terceira via nunca foram tão concretas — mas as dificuldades também.

Basta olhar as últimas pesquisas para vislumbrar a oportunidade. Aqueles que, espontaneamente, não escolhem nem Lula nem Bolsonaro somam 42% no Ipec e 53% no Datafolha. Noutra pesquisa, realizada pela Quaest, perto de um terço do eleitorado (31%) afirma explicitamente preferir que nem um nem outro vençam.

Se tais números são sem dúvida animadores para quem se apresentar como alternativa a ambos, também mostram que será preciso conquistar os eleitores em dúvida. Do contrário, eles cairão por gravidade para um e outro lado, numa campanha virulenta (e previsível) em que Lula e Bolsonaro pintarão o adversário como a encarnação do demônio capaz de destruir o país.

Mais que escolher um nome que se projete contra ambos, será necessário escolher um programa. Qual? Ninguém sabe ao certo. Ciro Gomes sugere uma outra encarnação do nacional-desenvolvimentismo que tantas vezes deu errado no Brasil. João Doria ou Eduardo Leite, o oposto disso, talvez um liberalismo sem Paulo Guedes, quem sabe um retorno ao rumo dos anos Temer. Luiz Henrique Mandetta quiçá acrescentasse uma pitada de bem-estar social. Sergio Moro, de combate à corrupção.

Para todos os efeitos, estamos diante de vetores em direções concorrentes, apontando até sentidos contrários. A resultante é uma incógnita que só contribui para semear mais dúvida. O eleitor gostaria de conhecer a posição dos candidatos sobre as reformas tributária e administrativa, as privatizações, a política para energia e meio ambiente, Mercosul e comércio exterior, saúde e educação. Se a terceira via não trouxer nada de muito diferente de Lula e Bolsonaro em todos esses campos, será mais confortável e seguro para o eleitor escolher um dos dois. Pelo menos já sabe do que se trata.

O mais difícil para os demais postulantes à Presidência é, portanto, entender que não basta não ser nenhum dos dois outros. Um terceiro nome só terá chance se, no lugar das negativas — nem Lula, nem Bolsonaro —, trouxer a afirmativa. Não basta definir a candidatura pelo que não é. Será preciso dizer o que é. Repousa aí, justamente, a principal dificuldade do campo que se autodefine como “centro democrático”.

Plano de retomada do Rio tem o mérito de fixar metas para a cidade

O Globo

O prefeito do Rio, Eduardo Paes (PSD), anunciou na quinta-feira um plano de retomada que estabelece 93 metas e prevê investimentos de quase R$ 14 bilhões até 2024. O programa estipula, em diferentes áreas da administração, objetivos que, se cumpridos, têm tudo para melhorar as condições de vida dos cariocas e a autoestima da capital fluminense, nas últimas décadas vítima de um profundo esvaziamento econômico, refletido na degradação flagrante de seu espaço urbano.

O plano não poderia ter sido lançado em momento mais oportuno: a cidade convalesce da pandemia que matou quase 30 mil cariocas, fechou escolas, transformou o Centro num bairro fantasma, jogou milhares no desemprego e expôs as desigualdades gritantes de uma cidade partida.

Chamam a atenção os seguintes objetivos: reduzir de 14,7% para 8% o desemprego na capital; desenvolver o comércio local, com a ativação de 43 polos nas áreas de gastronomia, cultura, turismo e produção rural; aumentar o fluxo de turistas em 2 milhões; ampliar a cobertura das Clínicas da Família de 34% para 70%; expandir em pelo menos 10% o tratamento de esgoto; alcançar 100% das famílias em extrema pobreza com o programa de transferência de renda; criar 22 escolas de Ginásio Experimental Tecnológico com ênfase em matemática, tecnologia e ciências; e oferecer acesso à internet em 100% das escolas do ensino fundamental.

Aspecto relevante é a promessa de enfrentar um problema crônico que acelera a degradação do Rio: o avanço do poder paralelo. Uma das metas é criar o Centro de Controle e Fiscalização, articulado com a Justiça e o estado, para prevenir a ocupação irregular e combater a milícia, a grilagem e grupos criminosos. Os negócios imobiliários clandestinos são hoje a grande fonte de renda de organizações paramilitares que dominam parcelas expressivas do território da cidade.

Segundo a prefeitura, 70% dos investimentos serão destinados aos subúrbios e à Zona Oeste. Há um foco. Dos R$ 13,9 bilhões previstos, quase tudo sairia do Tesouro municipal, incluindo receitas próprias, transferências, financiamentos e outorgas. A intenção é atrair R$ 1,2 bilhão em concessões e parcerias público-privadas, além de reduzir despesas em R$ 500 milhões.

Sem dúvida, o plano tem qualidades, mas, como o próprio nome diz, trata-se de um plano. Para se tornar realidade, precisa ser cumprido. Aí reside o problema. Por mais bem-intencionadas que sejam as metas, muitas não dependem só do município. O Rio não é uma ilha. O que acontece na ex-capital federal sofre impacto inexorável do que ocorre no país (a mortalidade no estado pelo novo coronavírus é uma das maiores da Federação). Combater as construções das milícias é fundamental, mas requer o comprometimento do estado. Talvez o maior mérito do plano esteja em criar metas claras e ambiciosas para a atual administração. Servem tanto ao prefeito, que assume compromissos objetivos com a população, quanto aos eleitores, para cobrá-las daqui a três anos. Ponto a ponto.

Caminho estreito

Folha de S. Paulo

Candidaturas que se formam para 2022 não deveriam acalentar quimeras econômicas

A economia brasileira recuperou-se, sob o ponto de vista estrito do nível de produção, do baque causado pela pandemia de coronavírus.

Em maio de 2021, o volume de atividade no índice mensal do Banco Central ficou 16% acima do que apontara em abril de 2020, auge da crise. A melhora foi acentuada até janeiro e depois a trajetória ficou mais próxima da estabilidade.

A inércia dos meses iniciais de 2021 e o impulso extra da vacinação agora acelerada devem assegurar elevação acima de 5% no PIB deste ano, segundo expectativas de mercado. Já em 2022 a atividade voltaria para a modorra das últimas décadas, com alta em torno de 2%.

Seria um despropósito, no entanto, fixar a análise em indicadores conjunturais mais otimistas e tapar os olhos para os desafios estruturais que continuarão a ameaçar a economia brasileira mesmo após a superação da debacle sanitária.

Esse é o principal alerta para as candidaturas que se formam almejando a Presidência da República em outubro do ano que vem. A melhoria tem muito de ilusória no que diz respeito aos problemas imediatos e seculares que atravancam o desenvolvimento do Brasil.

A inflação que ora beneficia a contabilidade fiscal —engordando indicadores como o PIB a preços correntes e depreciando, em termos reais, as despesas dos governos— é a mesma que esmaga os orçamentos dos mais pobres.

A valorização das mercadorias exportadas pelo Brasil representa uma bonança apenas cíclica. Quando essa curva se infletir novamente, a depauperada situação das contas públicas brasileiras voltará a ser exposta em sua inteireza.

Por isso restará exígua margem de manobra prática para quem assumir o governo federal em janeiro de 2023. Se alguém acha que poderá aplicar seu “plano Biden” por aqui, com nova expansão ubíqua de gastos, está acalentando quimeras.

Especulações livres sobre o que fazer do teto que impede o crescimento acima da inflação das despesas federais encontrarão a dura realidade do Orçamento tomado pelas destinações obrigatórias de recursos e a resistência da sociedade à elevação da carga tributária.

A volúpia de retomar os investimentos estatais topará com as limitações não só das finanças, mas sobretudo do péssimo histórico empreendedor do setor público.

Essa estreita margem de manobra, obviamente, não significa margem de manobra nenhuma.

Sustentar um diagnóstico sóbrio do Estado brasileiro, nomear quadros capazes para os postos-chave e arregimentar maiorias congressuais sólidas para mudanças legislativas necessárias tornam-se elementos fundamentais para que a travessia rumo a um futuro melhor seja retomada no novo mandato.

Turismo orbital

Folha de S. Paulo

Bilionários são primeiros passageiros no mercado de passeios à borda do espaço

Ao alcançar 86 km de altitude sobre o Novo México, o bilionário Richard Branson inaugurou a era do turismo espacial —ou suborbital, dirão os céticos. Não resta dúvida, porém, de que sua empresa Virgin Galactic marcou um tento na competição por esse mercado restrito.

O próprio Branson torrou mais de US$ 1 bilhão (R$ 5,1 bilhões) e consumiu 17 anos para realizar o sonho de todo adolescente aficionado pelo espaço. O próximo bilionário a se projetar no éter será Jeff Bezos, dono da Amazon, na terça-feira (20), a bordo de um foguete de verdade da Blue Origin, sua companhia aeroespacial.

Branson voou por apenas uma hora na aeronave Unity 22, protótipo com ares de avião, e pôde experimentar a sensação de ausência de peso, mas não alcançou ambiente espacial propriamente dito.

Ficou aquém da linha de Karman, a 100 km da Terra, limite internacionalmente reconhecido para adentrar o espaço extraterrestre.

Do ponto de vista comercial, a diferença é sutil, se não irrelevante. Michael Colglazier, executivo-chefe da Virgin Galactic, tem planos para enviar clientes em mais de um voo por dia, mas não detalha como nem quando (há 600 deles na lista de espera depois de depositarem, cada um, US$ 130 mil dos US$ 250 mil da passagem).

O objetivo do passeio suborbital até a beirada do espaço teve claro propósito promocional. A decolagem da Unity com o proprietário na cabine de quatro passageiros foi antecipada logo que Bezos marcou data de sua viagem, em face da qual o magnata amealhou US$ 28 milhões (R$ 145 milhões) com leilão de assento junto ao seu.

O outro ricaço de olho na órbita terrestre é Elon Musk, dos carros elétricos Tesla e da Space X. Estima-se que o mercado de viagens de longa distância em naves aeroespaciais possa alcançar US$ 20 bilhões ao ano, se o trio excêntrico conseguir ultrapassar todas as barreiras regulatórias.

Para efeito de comparação, com esse valor seria possível adquirir quase 3 milhões de doses da vacina da AstraZeneca. Ou, então, pagar 347 mil benefícios do novo Bolsa Família anunciado pelo governo, a R$ 300 por domicílio.

Até o presente, meros 583 terráqueos romperam a barreira dos 80 km, seguindo a trilha aberta por Iuri Gagárin há 60 anos. Ainda vai demorar para um número significativo de seres humanos terem a chance de vislumbrar, como o russo pioneiro, que a Terra é azul.

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