terça-feira, 20 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

Retrato da degradação

O Estado de S. Paulo

Eleito com a festiva expectativa de inaugurar uma “nova política”, o atual Congresso parece empenhado em desmontar o pouco que resta de contenção contra os maus hábitos da “velha política”.

A mais recente ofensiva se deu na quinta-feira passada, e seguiu rigorosamente o roteiro da esperteza parlamentar que faz a festa de partidos fisiológicos e de políticos oportunistas enquanto dilapida o erário e ajuda a empobrecer o País.

À socapa, sem dar qualquer possibilidade de debate, adicionou-se ao projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2022 um aumento obsceno no fundo de financiamento eleitoral. Segundo cálculos de técnicos da Câmara, a mudança fará o fundo saltar para R$ 5,7 bilhões, um aumento de 185% em relação aos R$ 2 bilhões destinados à campanha eleitoral de 2020.

O valor coloca o Brasil como um dos países que mais gastam dinheiro público com partidos e candidatos no mundo – tudo isso em meio à penúria generalizada causada pela pandemia de covid-19.

Diante da repercussão negativa, vários parlamentares, a começar pelos governistas, disseram que votaram a favor do projeto de LDO, mas não do aumento do fundo. O próprio presidente Jair Bolsonaro tratou de responsabilizar o deputado Marcelo Ramos (PL-AM), que conduziu a votação na Câmara. Na versão do presidente, Marcelo Ramos, que é vice-presidente da Câmara, manobrou para aprovar o aumento do fundo eleitoral.

Ora, se estivessem realmente interessados em impedir a aprovação, os agora indignados parlamentares governistas poderiam ter se juntado ao esforço de um punhado de partidos que apresentaram destaque contra a medida. Como o destaque foi facilmente derrubado, em votação simbólica, sem qualquer mobilização por parte dos aliados do Palácio do Planalto, presume-se que poucos parlamentares queriam de fato barrar o aumento.

Ademais, a aberração poderia ter sido abortada no Senado, mas, assim como na Câmara, passou sem dificuldade, com votos nominais de vários governistas.

O governo poderia, se quisesse, pelo menos dificultar a tramitação do aumento escandaloso do fundo eleitoral, mas não o fez: seus articuladores no Congresso deixaram correr a esbórnia, embora tivessem pleno conhecimento do que estava sendo operado.

Nada do que se passou no Congresso nesse inacreditável episódio teria acontecido se não fosse fruto de um grande acordo. E o presidente Bolsonaro, a quem cabe agora a decisão de vetar ou não o aumento do fundo eleitoral, pode até afetar indignação com o que chamou de “casca de banana”, mas, quando poderia ter interferido na questão, orientando seus líderes no Congresso, mais uma vez se omitiu – o que, em política, geralmente é lido como aval.

Essa deliberada ausência do presidente da República na articulação parlamentar não apenas confunde sua base, como dá ao Congresso uma autonomia política impensável num regime presidencialista. O reflexo mais óbvio disso é a facilidade com que deputados e senadores vêm criando mecanismos para dispor do Orçamento como bem entendem, não raro longe dos radares democráticos – tudo isso sob o olhar catatônico de um presidente que só se interessa pelo que acontece no Congresso na medida em que isso afeta as chances de terminar seu mandato.

A rigor, o festim com verba pública nas campanhas eleitorais nem deveria ser permitido. Não há nenhum argumento razoável para obrigar o contribuinte a aceitar que o dinheiro do seu imposto seja usado para financiar partidos e candidatos com os quais não se identifica.

Democracia representativa dá trabalho: presume que os partidos sejam capazes de convencer seus eleitores não apenas a lhes dar votos, mas a lhes proporcionar capacidade de subsistência, por meio de doações e de participação. Para isso, contudo, os partidos deveriam ser ideologicamente discerníveis uns dos outros, de modo a despertar no eleitor o genuíno sentimento de representação.

Sabemos que raros são os partidos capazes disso – a maioria representa apenas seus donos e seus interesses privados. O imoral aumento do fundo eleitoral é consequência natural dessa degradação da democracia.

A exploração de uma tragédia

O Estado de S. Paulo

Quando depôs na CPI da Pandemia, em maio, o intendente Eduardo Pazuello tentou justificar sua falta de empenho nas negociações com a Pfizer para compra de vacinas contra a covid-19 argumentando que, como ministro da Saúde, era o “dirigente máximo”, o “decisor” dos contratos firmados pela pasta. Portanto, seria uma incumbência do “nível administrativo” negociar com os representantes do laboratório. Arrogante, Pazuello chegou a admoestar o relator da comissão, o senador Renan Calheiros (MDB-AL), afirmando que alguém na sua posição “já deveria saber” que o ministro não poderia se reunir com empresários. À desídia e à empáfia de Pazuello se somou uma mentira. Não foi a primeira lorota do intendente e, seguramente, não há de ser a última.

Dois meses antes do depoimento à CPI, Pazuello se reuniu no Ministério da Saúde com representantes de uma obscura empresa sediada em Santa Catarina, a World Brands Distribuidora, para negociar a compra de 30 milhões de doses da Coronavac “direto com o governo chinês”. Ou seja, fez exatamente o que disse aos senadores que não poderia fazer em razão do cargo. De acordo com um vídeo revelado pelo jornal Folha de S.Paulo, a reunião entre Pazuello e os representantes da World Brands parece ter sido bastante promissora, haja vista que na ocasião foi assinado um “memorando de entendimentos” para a compra da Coronavac e, com o “compromisso” de Pazuello, a assinatura do contrato não tardaria.

Por mais esdrúxulo que possa parecer, a mentira do intendente à CPI talvez seja o menor dos problemas daquele encontro escabroso. Vejamos.

O que o então ministro da Saúde chamou de “negociação direta com o governo chinês” para comprar a Coronavac na verdade não passava de uma negociação com uma empresa atravessadora registrada em nome de um empresário – Jaime José Tomaselli – que, conforme revelou o Estado, foi condenado em 2014 pela Justiça Federal de Itajaí (SC) por fraudes em processos de importação. Uma pesquisa simples evitaria que Pazuello, se estivesse interessado, abrisse as portas do Ministério da Saúde para uma empresa de má reputação.

Os 30 milhões de doses da Coronavac negociadas por meio da World Brands custariam à União US$ 28 cada dose, quase o triplo do valor cobrado pelo Instituto Butantan (US$ 10), única instituição autorizada pelo laboratório Sinovac a produzir e comercializar a vacina no País. Do ponto de vista criminal, os senadores da CPI da Pandemia precisam investigar a fundo as razões para esta gritante diferença de preço. É lícito inferir que interesses antirrepublicanos estejam por trás da transação. Se quisesse, o governo federal teria todas as condições de negociar a compra dos 30 milhões de doses da Coronavac diretamente com o Butantan, em condições comerciais muito mais favoráveis para a União, vale dizer, para os contribuintes. Some-se a isto a certeza de que o Butantan, instituição idônea que é, entregaria o produto contratado, uma salvaguarda sanitária importantíssima no momento mais crítico da pandemia.

Do ponto de vista político, é evidente que o presidente Jair Bolsonaro pôs os seus interesses eleiçoeiros muito acima da saúde e da vida dos brasileiros. Ou seja, cometeu mais um crime de responsabilidade. Convém lembrar que Pazuello apenas cumpria ordens de Bolsonaro. Não foi sem a anuência do presidente, portanto, que o então ministro se reuniu com os representantes da World Brands para comprar vacinas.

A exploração da tragédia é a principal linha de investigação da CPI da Pandemia. Bolsonaro tentou desmoralizar a Coronavac, sabidamente segura e eficaz contra a covid-19, apenas por se tratar de um imunizante trazido ao País pelo governador de São Paulo, João Doria (PSDB), que o presidente trata não como adversário político, mas como inimigo figadal. Ao usar a aquisição da Coronavac como instrumento de sua rinha política com Doria, Bolsonaro contribuiu decisivamente para aumentar o número de casos e mortes por covid-19 no País.

Ao final da CPI, espera-se que todos os que se aproveitaram do desastre, política ou financeiramente, sejam levados à Justiça.

Inflação com desemprego

O Estado de S. Paulo

Além de infernizar as famílias, a inflação disparada pode atrapalhar duplamente a retomada econômica – reduzindo o poder de compra dos consumidores e forçando a elevação dos juros. Esses efeitos são especialmente danosos num ambiente de alto desemprego e, além disso, de baixa qualidade das ocupações disponíveis para dezenas de milhões de trabalhadores. Os últimos dados oficiais mostram 14,8 milhões de desocupados no trimestre móvel encerrado em abril. Dificilmente o quadro do emprego terá melhorado de forma significativa nos meses seguintes, a julgar pelas informações setoriais já publicadas. Mas a alta de preços continuou avançando, nesse período, e as perspectivas têm piorado seguidamente.

Até as condições do tempo têm contribuído para alimentar a inflação. Com chuva escassa em grande parte do País, as tarifas de energia elétrica já foram reajustadas. No mercado internacional, as cotações têm pressionado os custos dos combustíveis, com reflexos nos preços da gasolina, do diesel e do gás. Em quatro semanas, as previsões do mercado para a alta dos preços administrados em 2021 passaram de 9,16% para 9,95%. Nesse grupo se incluem os preços de combustíveis, dos transportes públicos e da eletricidade. Os brasileiros estão gastando mais para tomar banho quente, para ir ao trabalho e para cozinhar alimentos – adquiridos com preços já muito remarcados.

A inflação anual chegará a 6,31% em dezembro, segundo a mediana das projeções da pesquisa Focus divulgada ontem. Essa estimativa piorou pela 15.ª semana consecutiva e há mais de um mês aponta resultados acima do limite de tolerância. Esse limite, de 5,25%, supera por 1,5 ponto porcentual o centro da meta, de 3,75%. O ponto central ficará em 3,5% no próximo ano, mas a expectativa captada na pesquisa ficou em 3,75%. Esse número é pouco inferior àquele registrado quatro semanas antes (3,78%), mas ainda ultrapassa o alvo fixado para a evolução do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA).

Com a piora da inflação, o mercado prevê um aperto maior da política monetária. Para enfrentar a alta de preços, até o fim do ano o Banco Central (BC) deverá elevar os juros básicos a 6,75%. Há um mês a mediana das projeções apontava 6,5%. Se os preços evoluírem de acordo com as previsões, o BC terá de aplicar uma política anti-inflacionária mais severa, deixando as condições de crédito menos favoráveis à expansão dos negócios. Além disso, com juros mais altos a dívida pública ficará mais cara e a gestão das contas oficiais se tornará mais complicada.

Para avaliar as condições das famílias, convém considerar também a inflação acumulada no ano e em 12 meses. Em junho o IPCA subiu 0,53%. No ano, 3,77%. Em 12 meses, 8,35%, taxa muito superior ao limite de tolerância fixado para o ano. É importante levar em conta a inflação acumulada porque qualquer novo aumento ocorre sobre um patamar já muito elevado.

Esse patamar já é muito alto no caso dos preços mais importantes para a manutenção da família. Nos 12 meses até junho o custo de alimentos e bebidas subiu 12,59%, mas esse número, já muito alto, é uma taxa média. As carnes vermelhas encareceram 38,17%. Aves e ovos, 16,41%. Leite e derivados, 13,37%. Óleos e gorduras, 54,9%. Outros itens essenciais também ficaram muito mais dispendiosos. Os preços de combustíveis domésticos (incluído o gás) subiram 22,98%. A tarifa de energia elétrica residencial aumentou 14,2% nesse período.

Em junho, o IPCA subiu 0,53%. Essa taxa, inferior à de maio (0,83%), ainda é muito alta e, além disso, incidiu sobre um patamar já muito elevado. No período de 16 de junho a 15 de julho, o Índice de Preços ao Consumidor Semanal (IPC-S) da Fundação Getúlio Vargas aumentou 0,88% em relação às quatro semanas anteriores. No período anterior havia subido 0,72%. Não seria este um momento de manter uma firme assistência aos mais vulneráveis por meio do auxílio emergencial? O governo terá dinheiro para isso, se gastar menos com interesses paroquiais de seus aliados e de seus membros.

Congresso tem de esquecer reformas política e eleitoral

O Globo

Está em curso no Congresso um festival de iniciativas de ordem eleitoral e política que precisam ser derrubadas para preservar a saúde da democracia brasileira. A começar pelo escandaloso aumento no fundo eleitoral, destinado a custear as campanhas no pleito de 2022. De R$ 1,7 bilhão em 2018, o total saltou para R$ 5,7 bilhões na Lei de Diretrizes Orçamentárias, um aumento injustificado.

Embora essa seja, pelo valor, a medida que despertou maior indignação, ela não é o único, nem o maior, absurdo em tramitação. Estão em gestação um projeto desastroso de reforma política, uma reforma eleitoral descabida e até uma proposta de mudança no sistema político. São iniciativas que, se prosperarem, piorarão a representatividade e a transparência da nossa democracia.

O projeto de reforma política da deputada Renata Abreu (Podemos-SP) prevê para a eleição do ano que vem a adoção de um sistema de escolha de deputados considerado o pior pelos cientistas políticos: o “distritão”, por meio do qual são eleitos os mais votados, desprezando votos nas legendas ou nos demais candidatos. É um sistema que favorece a candidatura de esportistas, líderes religiosos e celebridades, em detrimento dos partidos. O projeto inclui incentivos a plebiscitos e alivia a cláusula de barreira que tenta inibir a fragmentação partidária.

Trata-se de retrocesso inadmissível no saneamento gradual da estrutura partidária brasileira posto em marcha pela minirreforma política de 2017. As eleições de 2022 serão as primeiras de âmbito nacional sob a vigência das novas regras sobre coalizões partidárias e cláusula de barreira. Não faz o menor sentido querer mudá-las antes mesmo que sejam testadas na prática.

Não bastasse isso, outro projeto, da deputada Margarete Coelho (PP-PI), propõe mudar a prestação de contas dos partidos, abrindo brechas a usos escusos do fundo partidário. A proposta acaba com a divulgação de bens dos candidatos, torna mais lenientes a punição por caixa dois e a regulação da propaganda. Nada disso fará bem à transparência das eleições.

Por fim, o presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), estuda a adoção, em 2026, do sistema político de países como França ou Itália, o semipresidencialismo (com presidente e primeiro-ministro). É uma ideia no mínimo fora de hora. O brasileiro escolheu o presidencialismo como sistema de governo no plebiscito de 1993, e o Congresso não pode atropelar a vontade do cidadão às vésperas de um ano eleitoral, sem promover um debate maduro.

Por mais que nosso sistema crie arestas na relação entre Executivo e Legislativo, ele também protege o país dos desvarios de líderes populistas. O Congresso tem funcionado como freio essencial aos arroubos de presidentes. Uma relação mais próxima poderia ter o benefício da agilidade, mas cobraria um preço alto na qualidade das leis.

É justamente esse papel de freio que se exige do Parlamento agora. Propor tantas mudanças neste momento é sinal de que há nelas pouca substância e muito oportunismo, num jogo em que as mais exuberantes poderão ser sacrificadas para que outras passem despercebidas. O Brasil não precisa de outra reforma política, nem de mudança drástica na lei eleitoral, muito menos de voto impresso ou outro sistema de governo. Precisa, isso sim, de boas reformas administrativa e tributária, que não parecem ter, aos olhos dos parlamentares, o mesmo senso de urgência.

Software espião israelense desperta preocupação com segurança digital

O Globo

Uma ferramenta de espionagem digital chamada Pegasus, desenvolvida pela empresa israelense NSO Group, foi usada para grampear smartphones de ao menos 37 jornalistas, ativistas de direitos humanos e executivos em vários países, de acordo com um consórcio internacional de 17 veículos de comunicação, entre os quais o britânico The Guardian, o francês Le Monde e o americano The Washington Post. Os dados foram obtidos em primeira mão pela ONG Forbidden Stories.

Não se trata de obra de adolescentes ou criminosos, mas de governos. Reportagens publicadas no domingo afirmam que o software espião, vendido a agências de inteligência de várias partes do mundo, foi amplamente usado de forma indevida. Uma lista com “pessoas de interesse” reunia mais de 50 mil números de telefone em 45 países, incluindo Índia e México. A NSO afirma que seu software foi criado para coletar dados de suspeitos de crimes e terrorismo e acusa a reportagem de falsas suposições. No entanto uma análise forense realizada pela Anistia Internacional sustenta a acusação de abuso para, pelo menos, 37 dos alvos dos grampos.

O Pegasus pode invadir celulares e computadores com o clique numa mensagem, mas também a partir de ações mais prosaicas, como abrir um vídeo enviado num grupo de WhatsApp. Uma vez dentro do aparelho, o software permite que os invasores tenham acesso a todos os dados e também ao microfone e à câmera. Fazem do smartphone ou do computador uma fonte permanente de escuta.

Que ditaduras, como Arábia Saudita ou Marrocos, não tenham limites para vigiar seus cidadãos não chega a ser uma novidade. O chocante na revelação é ver democracias entre os suspeitos de promover escutas ilegais. Na Índia, Rahul Gandhi, principal nome da oposição, foi um dos possíveis alvos. No México, o software foi, pelas informações publicadas, adquirido ainda no governo do presidente Enrique Peña Nieto. A investigação levanta a suspeita de que tenha sido usado contra advogados e defensores dos direitos humanos.

O consórcio de imprensa continuará publicando reportagens, que precisarão passar pelo escrutínio de outros órgãos independentes. O Brasil não aparece na lista de países que usam o software de forma irregular. Não existe nem confirmação de que os órgãos de investigação e espionagem brasileiros tenham o Pegasus. Mas é difícil que ninguém tenha tomado conhecimento de algo do tipo, que circula há tempos no submundo da espionagem.

Que a experiência internacional sirva de lição. As democracias têm o dever de proteger seus cidadãos espionando potenciais terroristas e malfeitores, mas desde que obedeçam estritamente às leis que regem essas atividades. Todo o resto é ação criminosa daqueles que estão no poder, tornando vulneráveis cidadãos, órgãos da sociedade civil, a imprensa e a própria democracia.

Pelado na piscina

Folha de S. Paulo

Balbúrdia administrativa é apenas o mínimo que o vídeo com Pazuello evidencia

“Quando fala em propina, é pelado dentro da piscina.” Foi com a particular familiaridade que gosta de exibir com terminologias do submundo que o presidente Jair Bolsonaro comentou o episódio obscuro do vídeo envolvendo o ex-ministro Eduardo Pazuello (Saúde).

Revelada na sexta (16) pela Folha, a peça mostra o general da ativa que comandou um desastre na gestão da pandemia de Covid-19 recebendo afetuosamente vendedores de vacinas contra a doença.

Na lógica presidencial, o fato de o alegre colóquio ter sido registrado inocenta a priori Pazuello. Segundo tal arrazoado, o ministro, se quisesse participar de alguma negociata, deveria procurar algum dos vários clubes à beira do lago Paranoá para agir sem registros.

Infelizmente, não é tão simples. Assim como nas traficâncias envolvendo a compra do imunizante indiano Covaxin e na rocambolesca história da oferta de 400 milhões de doses do fármaco da AstraZeneca, salta aos olhos o que parece um misto de inépcia e esperteza (no pior sentido da palavra) na gestão do vital ministério.

O vídeo, ressalte-se, não trata de propina —mas sim de uma possível compra da demonizada Coronavac, mensurada em 30 milhões de unidades, por um preço equivalente ao triplo do contratado pelo próprio Pazuello na versão formulada e envasada no Instituto Butantan, de São Paulo.

Além da discrepância, num momento em que o governo do rival João Doria (PSDB) ofertava mais vacinas de origem chinesa para a pasta, há uma dúvida: os negociantes em questão não apresentavam requisitos para tal. Vendiam vento.

Ainda que o laboratório chinês Sinovac, que tem no Butantan seu representante exclusivo no Brasil, houvesse ofertando doses por meio de atravessadores, seria de esperar algum protocolo na negociação.

Mas não. Na Saúde de Bolsonaro, quem oferece “terrenos na Lua”, como o presidente disse ocorrer em profusão em Brasília, é recebido por altas autoridades.

O episódio, que Pazuello tentou depois minimizar ao dizer que não havia negociado nada, é também mais um arranhão na imagem das Forças Armadas, enredadas como estão com os destinos do governo.

Não apenas a passagem do general pela pasta se mostrou um fiasco gerencial como uma quantidade expressiva de fardados, da ativa e da reserva, se viu na mira das investigações de desmandos da CPI da Covid no Senado.

Por mais de um motivo, é evidente a conveniência de aprovar a proposta de emenda constitucional que restringe o acesso de militares da ativa a funções civis. Trata-se de aperfeiçoamento institucional relevante para a preservação das Forças e de sua missão.

Estado policial

Folha de S. Paulo

Amazonas entrega postos-chave da gestão a PMs e registra um acúmulo de chacinas

A onda conservadora que levou Jair Bolsonaro ao Planalto em 2018 também elegeu governadores e parlamentares defensores do endurecimento da ação policial e de interesses das corporações da segurança pública. O Amazonas constitui hoje um exemplo de quão deletéria pode ser essa combinação.

Neófito na política e à frente do estado graças à popularidade como apresentador de um programa de TV policialesco, Wilson Lima (PSC) entregou as pastas de Segurança Pública e de Administração Penitenciária a coronéis da PM. Os resultados são calamitosos.

Em dois anos e meio, a Polícia Militar amazonense já protagonizou três chacinas. A primeira delas, ocorrida em 2019 em Manaus, deixou um saldo de 17 mortos —na operação mais letal de sua história.

Na segunda, em agosto de 2020, perto da cidade de Nova Olinda do Norte, registraram-se cinco mortos e três desaparecidos, em reação à morte de dois policiais. A truculência levou a Justiça Federal a determinar que a União adotasse medidas para proteger ribeirinhos e indígenas da ação dos agentes.

A mais recente matança aconteceu na cidade fronteiriça de Tabatinga, em junho, também após o assassinato de um policial. Familiares e testemunhas acusam a PM de ter matado seis jovens, dos quais três foram encontrados no lixão da cidade com sinais de tortura.

Além dos casos de violência extrema, há envolvimento em episódios rumorosos, como o roubo, em maio, de 500 quilos de maconha para redistribuição.

No início do mês, o secretário-executivo de Inteligência, o delegado da Polícia Civil Samir Freire, foi preso por rastrear e se apropriar de ouro de garimpo usando a máquina pública. Segundo investigações, ele e sua equipe monitoravam as vítimas com o Guardião, equipamento sofisticado que grava conversas telefônicas.

Enquanto isso, a população amazonense não deixa de padecer com a ousadia do crime organizado. Em junho, numa inédita demonstração de força, o Comando Vermelho incendiou e depredou ônibus, prédios públicos e viaturas em Manaus e em outras cidades.

Apesar do cenário desolador, o governador Wilson Lima não dá sinais de que mudará de rumo. O Amazonas está refém, pois, de uma nefasta união de ideologia e corporativismo que resulta em péssima política pública. Que ao menos sirva de alerta às outras unidades da Federação e à sociedade.

Cresce pressão externa sobre a política do meio ambiente

Valor Econômico

Em vários países existem propostas para taxar produtos mais poluidores importados, mas sem detalhes

Governadores da Amazônia Legal lançaram na semana passada o Plano de Recuperação Verde (PRV) em uma tentativa de atrair investimentos para projetos sustentáveis regionais, desvinculados das ações federais, que carecem de credibilidade na gestão do presidente Jair Bolsonaro. A iniciativa surge em um momento em que aumentam as pressões internacionais em favor do meio ambiente, reforçadas por dados que mostram a expansão dos focos de incêndio na Amazônia, que inclusive estão emitindo mais carbono do que a floresta consegue neutralizar, e pelas cheias que já fizeram quase duas centenas de mortos na Alemanha, um dos maiores defensores de políticas ambientais sérias.

Lançado pelo Consórcio Interestadual para o Desenvolvimento Sustentável da Amazônia Legal, formado pelos Estados da região, o Plano de Recuperação Verde tem como objetivo desenvolver uma economia “verde” ou de baixo carbono, capaz de combater as desigualdades sociais e econômicas da região amazônica, gerar emprego e renda para seus 30 milhões de habitantes e abrir espaço para o crescimento econômico sustentável. O plano tem quatro eixos - freio ao desmatamento ilegal, produção sustentável, inovação e capacitação e infraestrutura verde - e ainda promete zerar o desmatamento ilegal até 2030. O investimento inicial será de R$ 1,5 bilhão, com recursos públicos e privados.

O grupo também pretende desbloquear o Fundo Amazônia ainda este ano, em negociação com o governo federal ou ação na Justiça. Formado principalmente por recursos dos governos da Noruega e da Alemanha, o fundo está com seus cerca de R$ 2 bilhões bloqueados há dois anos e com repasses cortados depois de mudanças unilaterais feitas pelo governo de Bolsonaro. Mas a boa vontade do Consórcio pode ser insuficiente para convencer o mundo de que houve mudanças na gestão ambiental brasileira. Um dos motivos é que o próprio consórcio carece de consenso, o que limita as posições. Há divisões entre os nove Estados da região. São alinhados ou próximos de Bolsonaro seis deles - Rondônia, Roraima, Amazonas, Tocantins, Acre e Mato Grosso. Mais independentes são Amapá, Maranhão e Pará.

Além disso, o comportamento do governo federal não sustenta essa suposição. No campo legal ou infralegal, a “boiada” segue passando, mesmo após a saída do ministro Ricardo Salles, com medidas do governo que visam enfraquecer os controles ambientais, e pautas no Congresso contra os direitos indígenas e unidades de conservação, como a extinção do ICMbio e a transferência da responsabilidade pelo monitoramento e informação da existência de incêndios florestais do Instituto Nacional de Pesquisa Espacial (Inpe), do Ministério de Ciência e Tecnologia, para o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), vinculado ao Ministério da Agricultura.

Nem a saída de Salles do Ministério do Meio Ambiente é considerada um bom sinal. O novo ministro, Joaquim Álvaro Pereira Leite, defende posições semelhantes. A realidade dos números é incontestável: houve aumento de 17% do desmatamento na Amazônia no primeiro semestre na comparação com o mesmo período de 2020. Junho registou 2.308 focos de incêndio na região, o maior número em 14 anos - um inequívoco mau sinal.

Não vai ser fácil para o novo ministro causar uma boa impressão na CoP 26, em novembro, em Glasgow. Na semana passada, o prestigioso jornal britânico Financial Times publicou editorial listando os fracassos da política ambiental brasileira, avaliando que já passou da hora de negociar, e instando os investidores internacionais a “enviarem um sinal de US$ 7 trilhões para Brasília de que, a menos que o desmatamento diminua, eles se desfarão dos seus ativos”.

Uma ameaça desse tipo pode não se concretizar uma vez que os investidores também não formam um bloco único. Mas há pressão também do lado comercial. Ao mesmo tempo em que anunciou na semana passada seu plano para descarbonizar a economia, desde a geração de eletricidade até a produção de automóveis, aquecimento habitacional, transportes aéreo e marítimo, e agricultura, a União Europeia também anunciou a criação de uma taxa de carbono a ser aplicada a produtos poluidores ou fabricados à custa de danos ao ambiente, importados pela região.

Há uma proposta no Senado americano também para taxar produtos mais poluidores importados, mas sem detalhes. Canadá e Japão planejam um tipo similar de iniciativa. Faltam ainda detalhes sobre como calcular e aplicar essa taxa de carbono. Mas o cerco está se estreitando.

 

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