quinta-feira, 22 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões / Editoriais

EDITORIAIS

O poder das saúvas

O Estado de S. Paulo

Enquanto Jair Bolsonaro entretém a plateia com ameaças de golpe, parlamentares manipulam o Orçamento conforme seus objetivos eleitorais

Não é possível imaginar que a aprovação do escandaloso fundo eleitoral de R$ 5,7 bilhões, embutido no projeto de Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), tenha ocorrido sem que o governo no mínimo soubesse da urdidura.

Na hipótese benevolente, o governo se omitiu. Nesse caso, as declarações indignadas de Jair Bolsonaro sobre o chamado “fundão”, supondo-se que sejam autênticas, indicam que o presidente ou não tem nenhuma autoridade sobre seus articuladores políticos ou escolheu nada saber, deixando o poder de fato para as saúvas que hoje corroem seu governo.

Em se tratando de Bolsonaro, contudo, é difícil ser benevolente. Outras hipóteses soam mais plausíveis. Uma delas é a de que o processo de aprovação do fundão eleitoral no Congresso foi articulado de modo a diluir as digitais do governo e de seus suseranos do Centrão na manobra, diante da previsível reação popular negativa.

De quebra, Bolsonaro pode faturar eleitoralmente com seu poder de vetar o impopular fundão – sem, contudo, fazer sua base trabalhar para que o veto seja sustentado no Congresso, como já aconteceu inúmeras vezes. Ou seja, o veto de Bolsonaro é apenas cenográfico.

“O acordo para incluir os R$ 5,7 bilhões para o fundo no Orçamento foi costurado numa reunião de líderes da base dele (Bolsonaro), na casa do presidente da Câmara (Arthur Lira), aliado dele, sob coordenação dos líderes do governo no Congresso e na Câmara. Então, se não fosse o governo Bolsonaro, não existiria o fundão”, disse ao Estado o vice-presidente da Câmara, Marcelo Ramos (PL-AM), que presidiu a sessão em que o fundão foi aprovado.

Ramos foi atacado por Bolsonaro como se fosse o culpado pela manobra, mas está cada vez mais claro que a responsabilidade, desde sempre, é dos governistas. É o padrão bolsonarista, ditado por um presidente especialista em se livrar de suas responsabilidades, sempre tendo em vista a campanha eleitoral.

Trata-se de método. Bolsonaro deseja governar de maneira irresponsável, razão pela qual trabalha dia e noite para enfraquecer as instituições que lhe impõem freios. No entanto, ao menos no caso do Congresso, a ofensiva dos bolsonaristas fracassou. Eles foram engolidos por turma mais esperta que eles, a tal ponto que, hoje, o presidente não pode dar um passo sem pedir a bênção do Centrão.

Nesse arranjo, Bolsonaro vem entregando ao Congresso partes cada vez maiores do controle sobre o Orçamento. O contrabando do fundão eleitoral na LDO é um poderoso símbolo dessa renúncia do Executivo, sob Bolsonaro, à sua função precípua de, antes de mais nada, transformar em realidade as aspirações nacionais.

Com um Executivo omisso e conivente, o Orçamento é entregue aos interesses paroquiais dos parlamentares, reduzindo drasticamente a capacidade de investimento do governo. E essas manobras orçamentárias ocorrem frequentemente sem qualquer preocupação com higidez moral e eficiência administrativa.

Como o Estado revelou recentemente, o governo permitiu que deputados aliados definissem a destinação de verbas alocadas no Ministério do Desenvolvimento Regional por meio das emendas do relator-geral do Orçamento. A esse escândalo junta-se outro, também revelado por este jornal: desde o fim de 2019, primeiro ano do governo Bolsonaro, os parlamentares dispõem de uma modalidade de repasse de verbas para prefeituras e governos estaduais que dispensa qualquer justificativa ou apresentação de projetos. O dinheiro cai direto na conta da administração. Não à toa, é chamado jocosamente de “Pix orçamentário”.

No ano passado, esse repasse camarada de emendas individuais sem controle dos órgãos de fiscalização consumiu R$ 621 milhões do Orçamento. Neste ano, o valor saltou para R$ 1,9 bilhão. E os parlamentares já se movimentam para replicar esse modelo com as emendas apresentadas por bancadas de partidos, o que elevaria o montante para R$ 12 bilhões neste ano.

Assim, enquanto Bolsonaro entretém a plateia com ameaças de golpe, parlamentares silenciosamente manipulam partes cada vez maiores do Orçamento conforme seus objetivos eleitorais. Como o presidente não governa, dedicando-se apenas a alvoroçar vivandeiras e a bulir com granadeiros, os oportunistas estão cada vez mais à vontade.

Mudanças para preservar o STF

O Estado de S. Paulo

Iniciativa de lideranças partidárias do Senado deve ser debatida com seriedade

Ao indicar o advogado André Mendonça, de 48 anos, para ocupar a vaga aberta pelo ministro Marco Aurélio no Supremo Tribunal Federal (STF), o presidente Jair Bolsonaro adotou o mesmo critério que usou na indicação do juiz Kássio Nunes, de 49 anos, para a vaga do ministro Celso de Mello. Além de não serem conhecidos por sua sólida formação jurídica, como prevê a Constituição, Kássio e Mendonça são alinhados com suas aspirações políticas e prometeram ser fiéis a ele. E, por serem jovens, poderão ficar por pelo menos 25 anos na Corte.

Temendo que o aparelhamento do STF comprometa sua independência, as lideranças partidárias no Senado estão discutindo a possibilidade de aprovar uma Proposta de Emenda Constitucional que estabeleça idade mínima de 50 anos para os indicados e um mandato de 10 anos para o exercício do cargo. A ideia é evitar que Bolsonaro não apenas tenha influência prolongada no STF, mas, também, que seus sucessores não possam indicar novos ministros, o que impediria a renovação da Corte e a modernização da jurisprudência.

A imposição de idade mínima e um mandato por tempo determinado numa corte suprema existe em vários países desenvolvidos, com democracias maduras, como é o caso da Alemanha, Itália e Espanha. No Senado, medidas como essas vêm sendo discutidas há tempos. Em 2015, por exemplo, o senador Raimundo Lira (PMDB-PB) propôs que a idade mínima para o STF fosse de 55 anos, o que, a seu ver, possibilitaria a renovação da Corte. Ainda em 2015, os senadores Lasier Martins (Podemos-RS), Machado Reguffe (Podemos-DF), Plínio Valerio (PSDB-AM) e Marta Suplicy (PT-SP) apresentaram PECs que previam a fixação de mandato e alteravam o processo de indicação dos ministros. Após ser aprovada pela Comissão de Constituição e Justiça (CCJ), uma dessas PECs chegou a ser debatida em primeiro turno no plenário. 

Em 2019, os senadores Ângelo Coronel (PSD-BA) e Plínio Valério apresentaram duas novas PECs. Uma estabelecia em oito anos o mandato de um ministro do STF e outra retirava do presidente da República a exclusividade da indicação. Entre o fim de 2019 e o início de 2020, quando todas essas PECs tramitavam na CCJ, o relator, senador Antonio Anastasia (PSDB-MG), apresentou um substitutivo, condensando algumas delas. Segundo ele, o mandato de dez anos seria o período mais adequado, “até porque é até maior do que o que geralmente têm durado os mandatos dos ministros, hoje vitalícios”. Em relação ao processo de escolha dos ministros, Anastasia manteve a exigência de lista tríplice prevista por uma das PECs, mas reduziu para apenas três as instituições que poderiam indicar candidatos – o Judiciário indicaria um magistrado; a Procuradoria-Geral da República indicaria um procurador; e a Ordem dos Advogados do Brasil indicaria um jurista. 

Reagindo a essas propostas, entre 2015 e 2020 assessores dos inquilinos do Palácio do Planalto alegaram que, por ser uma cláusula pétrea da Constituição, a indicação de ministros para o STF é uma prerrogativa exclusiva do presidente da República que não poderia ser revogada. Anastasia, que é professor de direito público, refutou esse argumento. Em primeiro lugar, a lista tríplice é usada para todos os demais tribunais superiores. E, em segundo lugar, as corporações jurídicas sempre defenderam pluralismo e equilíbrio na escolha dos membros do STF. O processo de depuração de nomes para a escolha de um ministro de uma corte suprema “tem de ser feito às claras” e da “forma mais republicana possível”, concluiu.

É com base nessas PECs e no substitutivo de Anastasia que as lideranças do Senado pretendem recorrer para tentar evitar o aparelhamento do STF por Bolsonaro. Pela importância da Corte, que tem de ser isenta e independente por princípio, a iniciativa dessas lideranças deve ser debatida com seriedade. Ela pode evitar que um presidente que afronta a Constituição consiga corroer, por meio de suas indicações, a Corte cuja principal missão é controlar a constitucionalidade das leis. É isso o que está em jogo.

A omissão do MEC

O Estado de S. Paulo

O ministro cobra uma reabertura segura das escolas sem ter feito nada para isso

Em todo grupo de trabalho escolar há sempre aquele aluno relapso, que não só não contribui para o resultado da tarefa coletiva, como critica o que é feito pelos colegas. Em geral, o oportunista não se constrange por querer obter crédito indevido e ainda se arvora em bedel do grupo.

Foi mais ou menos assim, como o aluno insolente, que o ministro da Educação, Milton Ribeiro, se apresentou à Nação na noite de terça-feira passada, quando fez um pronunciamento em cadeia nacional de rádio e TV “conclamando” os brasileiros ao retorno às aulas presenciais. Classificando esta volta às escolas como uma “necessidade urgente”, Ribeiro afirmou que “o Brasil não pode continuar com as escolas fechadas, gerando impacto negativo nestas e nas futuras gerações”.

De fato. Mas o que o Ministério da Educação (MEC) fez desde o início da pandemia de covid-19 para mitigar o “impacto negativo” gerado pelo fechamento das escolas? A pergunta é retórica. O MEC não fez rigorosamente nada, ausente que esteve de toda e qualquer discussão relevante sobre os efeitos da peste sobre a vida de milhões de alunos, professores, funcionários e seus familiares em todo o País.

Enquanto teve à frente o ex-ministro Abraham Weintraub, de lamentável memória, o MEC esteve mais ocupado em travar sua “guerra cultural” do que em pensar uma estratégia nacional de enfrentamento da pandemia à luz de seus impactos na educação. Na famigerada reunião ministerial de abril de 2020, Weintraub não disse palavra sobre a atuação do MEC na crise sanitária que já dava sinais de agravamento. Em vez disto, pregou a prisão de ministros do Supremo Tribunal Federal (STF).

Com Milton Ribeiro, a ação do MEC tem sido pouco diferente. O atual ministro é apenas mais civilizado do que o anterior, mas a batalha ideológica, que tem sido o norte da atuação de um dos Ministérios mais importantes da Esplanada, seguiu inabalada. Sob Ribeiro, o MEC virou a cidadela do ensino domiciliar, também chamado de homeschooling, entre outros temas de relevância muitíssimo circunscrita, além de agendas claramente inconstitucionais, como a tentativa de limitar a autonomia das universidades federais, tidas pelo presidente Jair Bolsonaro como “antros da esquerda”.

A bem da verdade, o pronunciamento de Milton Ribeiro em rede nacional serviu apenas para lembrar muitos brasileiros que, ao menos do ponto de vista formal, há um ministro da Educação. Assim como fazem outras autoridades do governo federal, Ribeiro usou o espaço para fazer proselitismo, propaganda para o governo federal e tentar justificar a inação do MEC distorcendo a decisão do STF que apenas fez valer a Constituição ao reconhecer a competência concorrente da União, dos Estados e dos municípios na adoção de medidas de enfrentamento da pandemia de covid-19. “Quero deixar claro que, no Brasil, a decisão de abertura foi delegada a Estados e municípios, não tendo o governo federal nem poder nem decisão sobre o tema”, disse o ministro. Mesmo a esta altura, quando o próprio STF, em diferentes ocasiões, já esclareceu o teor da decisão, a desfaçatez ainda é capaz de causar espanto.

É evidente que a decisão final sobre o funcionamento das escolas durante a pandemia é de governadores e prefeitos. A razão é elementar: embora todos tenham sofrido as dores da peste, cada ente da Federação sofreu de uma forma particular. A vacinação da população, por sua vez, também tem ocorrido em ritmos diferentes nos Estados e municípios. Isto não significa dizer, em absoluto, que não competia ao Ministério da Saúde coordenar em âmbito nacional o planejamento da vacinação entre outras medidas de proteção contra o coronavírus, assim como não se poderia dizer que não caberia ao MEC coordenar com secretários estaduais e municipais de Educação uma política de ensino a distância e um planejamento nacional de retorno às aulas presenciais de forma segura.

Era dever do MEC oferecer apoio aos entes federativos. O ministro, no entanto, furtou-se de cumprir seu dever de coordenador nacional e agora cobra dos gestores locais uma abertura para a qual não moveu uma palha. 

Fundo eleitoral deveria ser corrigido pela inflação

O Globo

O presidente Jair Bolsonaro parece enfim ter tomado uma decisão a respeito do valor escandaloso que o Congresso decidiu alocar na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) para as campanhas eleitorais do ano que vem. “Em respeito ao povo brasileiro, vetarei o aumento do fundão eleitoral”, escreveu numa rede social.

Não tem mesmo nenhum cabimento o volume de recursos destinado na LDO ao fundo eleitoral: R$ 5,7 bilhões. Esse fundo foi estabelecido em 2017 para suprir a lacuna deixada pelo veto ao financiamento corporativo das campanhas eleitorais, resultado de uma decisão do Supremo Tribunal Federal (STF) de 2015. Diante do sem-número de crimes de corrupção e caixa dois desmascarados pela Operação Lava-Jato e da teia criminosa de relacionamento entre empresas e partidos políticos, parecia um mal menor destinar recursos públicos às campanhas, desde que usados com transparência e devidamente fiscalizados pela Justiça Eleitoral.

Nas eleições de 2018, primeiro ano da vigência do fundo, as campanhas para presidente, governadores, senadores, deputados federais e estaduais custaram R$ 1,7 bilhão aos cofres públicos. Nas eleições municipais de 2020, o fundo eleitoral consumiu R$ 2 bilhões. Na semana passada, os parlamentares não tiveram o menor pudor em aprovar nada menos que R$ 5,7 bilhões para o ano que vem, mais que o triplo do valor gasto no último pleito comparável.

O montante se torna ainda mais escandaloso porque as campanhas eleitorais ficaram mais baratas nos últimos anos, sobretudo em virtude do uso de tecnologias como as redes sociais e das limitações impostas à propaganda eleitoral gratuita no rádio e na televisão (que reduziram o custo de produção). Em 2014, as eleições custaram R$ 5,1 bilhões pelos números oficiais (fora o caixa dois), quatro anos depois o valor caiu a um terço disso.

Por mais que os congressistas estejam tentando modificar a legislação eleitoral para conquistar mais espaço nos meios de comunicação para as campanhas, é absolutamente irreal acreditar que o custo delas volte a ser o que foi num passado em que os tesoureiros costumavam usar empresários amigos como um caixa eletrônico. O melhor a fazer para ter uma dimensão de custo sensata para a sociedade é seguir a sugestão do próprio presidente Bolsonaro em entrevista à Rádio Itatiaia: corrigir o valor gasto no último pleito pela inflação.

Levando em conta a projeção de 20% de inflação acumulada nos quatro anos entre as duas eleições comparáveis — para Presidência, Congresso, assembleias e governos estaduais —, o total ficaria hoje perto de R$ 2,1 bilhões, menos da metade do que os parlamentares destinaram na LDO. O Congresso terá a prerrogativa de derrubar o veto de Bolsonaro se quiser manter o absurdo. Se, em vez disso, quiser manter um mínimo de sensatez, essa é a ordem de grandeza que todos deveriam ter em mente quando forem negociar.

Bolsonaro conta com apoio de Aras na PGR para as eleições de 2022

O Globo

O presidente Jair Bolsonaro anunciou a intenção de indicar Augusto Aras para mais um mandato de dois anos à frente da Procuradoria-Geral da República (PGR), instituição pensada como um dos freios ao Poder Executivo. Antes da recondução, Aras precisa passar por sabatina em comissão do Senado, e seu nome terá de ser aprovado no plenário. Ninguém tem dúvida de que será.

Pela segunda vez, Bolsonaro ignorou a lista tríplice da Associação Nacional dos Procuradores da República (ANPR). O presidente não tem a obrigação legal de escolher um deles, mas a prática era, até Bolsonaro, uma regra não escrita da democracia brasileira, seguida por Luiz Inácio Lula da Silva, Dilma Rousseff e Michel Temer. A escolha entre os preferidos dos próprios procuradores é uma tentativa de garantir independência à PGR. Como a Constituição permite que o procurador-geral seja indicado para um segundo mandato ou a uma vaga ao SupremoTribunal Federal (STF), o presidente poderia, em tese, fazer promessas para garantir a cooperação da PGR. A lista tríplice foi pensada para evitar a manobra.

O primeiro mandato de Aras deu vários exemplos para alimentar a preocupação com a falta de autonomia. Em abril de 2020, um ano após o STF iniciar uma investigação sobre fake news, Aras abriu um inquérito para apurar atos antidemocráticos de apoiadores de Bolsonaro que defendiam o fechamento do Supremo e do Congresso. Diante das evidências, a Polícia Federal (PF) pediu em dezembro o aprofundamento das investigações. A PGR não só demorou meses para dar uma resposta, como, quando deu, surpreendeu ao pedir o arquivamento do caso.

Em maio, a PF, a pedido do ministro Alexandre de Moraes, do Supremo, deflagrou a Operação Akuanduba para investigar um esquema de facilitação ao contrabando de produtos florestais. Acabou por atingir o então ministro do Meio Ambiente, Ricardo Salles. Logo em seguida, a PGR apresentou ação para obrigar que as operações deflagradas pela PF contra quem tivesse foro privilegiado fossem submetidas ao aval prévio da equipe de Aras.

Em junho, senadores apresentaram notícia-crime exigindo a investigação das acusações contra Bolsonaro por prevaricação no caso Covaxin. Em seguida, a PGR pediu para aguardar a conclusão da CPI da Covid. Em julho, a ministra do STF Rosa Weber respondeu dizendo que “no desenho das atribuições do Ministério Público, não se vislumbra o papel de espectador das ações dos Poderes da República”.

Caso confirmada, a recondução de Aras será particularmente preocupante por causa do aumento das manifestações golpistas de Bolsonaro à medida que se aproximam as eleições de 2022. Diante das insinuações descabidas de irregularidades nas urnas eletrônicas — sem nenhuma prova —, integrantes do Ministério Público pediram que Aras abrisse uma investigação eleitoral por abuso de poder. Até agora não houve resposta. Se o passado servir de bússola, não será da PGR sob Aras que a defesa da democracia receberá um reforço.

Lista para a PGR

Folha de S. Paulo

Recondução de Aras premia a subserviência; processo de escolha precisa mudar

O presidente Jair Bolsonaro propôs a recondução de Augusto Aras para o posto de procurador-geral da República por mais um biênio. O anúncio talvez surpreenda pela antecipação, uma vez que o mandato de Aras só se encerra em setembro, mas não pelo conteúdo.

O procurador, afinal, vem se mostrando um bolsonarista zeloso, poupando o presidente, seus familiares e aliados de investigações e processos incômodos. Do ponto de vista do Planalto, seria uma temeridade não reconduzi-lo.

Já a antecipação da medida pode ter mais ligação com o Supremo Tribunal Federal do que com a PGR. Bolsonaro indicou há pouco André Mendonça para substituir Marco Aurélio Mello, que se aposentou. Ambas as indicações precisam passar por sabatina e votação no Senado antes de se efetivarem.

Se o nome de Mendonça causa algum desconforto entre parlamentares (no passado recente ele apoiava a Lava Jato), o de Aras é quase unanimidade (ele sempre foi contra a operação). Recorde-se que diversos congressistas estão envolvidos em inquéritos e processos que passam pelo procurador-geral.

Com as duas indicações correndo simultaneamente, fica mais difícil para o Senado dar-lhes tratamento distinto. Seria complicado, por exemplo, procrastinar a sabatina de um e correr com a do outro. A expectativa, portanto, é que a indicação de Aras facilite a vida de Mendonça —o que envolve alguma ironia, pois ambos disputaram a vaga no Supremo.

Outro ponto a destacar é que a recondução de Aras na prática o amarra ao atual cargo. Se ele ainda nutria a esperança de surgir como indicação alternativa ao STF, caso as resistências a Mendonça se mostrassem irredutíveis, tal hipótese se tornou ainda mais remota.

Sua melhor chance de chegar ao Supremo é manter-se caninamente fiel a Bolsonaro, torcer por sua reeleição e aguardar uma das duas vagas que se abrem em 2023.

Do ponto de vista das instituições, porém, é péssimo que magistrados e procuradores mostrem qualquer tipo de lealdade para quem os indicou. O preço da autonomia —que precisa ser maximizada nos tribunais e nos ministérios públicos— é a ingratidão.

No caso do STF e das outras cortes superiores, há um debate inconcluso sobre as melhores formas de selecionar juízes. No caso da PGR, existe uma solução simples e já testada por aqui: a lista tríplice.

Todos os biênios, a Associação Nacional dos Procuradores da República organiza eleições entre seus membros para apontar três nomes de candidatos ao comando da entidade. De 2003 até 2017, os presidentes da República acolheram essas indicações; Bolsonaro é que rompeu a tradição, e os resultados estão à vista de todos.

Por tais motivos, esta Folha defende que o uso da lista se converta em procedimento obrigatório.

Apesar do MEC

Folha de S. Paulo

Ministro pede volta de aula presencial, que ocorre graças a estados e municípios

Após mais de um ano de escolas fechadas pela pandemia, as redes estaduais vêm, felizmente, pondo em marcha um retorno paulatino das atividades presenciais.

Alguns estados já recebem alunos de forma escalonada há alguns meses, casos de São Paulo e Rio de Janeiro. Na grande maioria dos demais, a retomada foi anunciada para este ou o próximo mês.

Trata-se de um movimento que, embora ocorra com atraso, merece ser saudado. O Brasil, afinal, acabou se tornando um dos países que mais tempo permanece com as escolas cerradas —muito em razão, sublinhe-se, da desídia governamental no combate à infecção.

Levantamento feito em fevereiro pela Unesco mostrou que 80% das nações haviam retomado, de alguma forma, as aulas presenciais.

Não surpreende. Um período tão longo longe dos bancos escolares acarreta, como estudos vêm quantificando, prejuízos gravíssimos para os alunos, mormente os mais pobres. Ampla pesquisa com discentes paulistas revelou que, em 2020, os estudantes da rede pública aprenderam em média um quarto do conteúdo esperado.

Outra pesquisa, esta em âmbito nacional, encomendada por Fundação Lemann, Itaú Social e Banco Interamericano de Desenvolvimento, mostrou que, da perspectiva dos pais, 40% dos estudantes não estavam motivados nem evoluindo na aprendizagem e, por isso, admitiam abandonar os estudos.

Muitos desses efeitos teriam sido mitigados, e mesmo a reabertura das escolas poderia ter ocorrido antes, se o Ministério da Educação tivesse cumprido seu papel.

Situa-se, pois, entre o oportunismo e o escárnio o pronunciamento do titular da pasta, Milton Ribeiro, conclamando a volta às aulas.

Omissa ao longo de toda a pandemia, o MEC abdicou da tarefa de coordenar a política nacional de educação, que lhe compete por lei.

Na prática, estados e municípios tiveram de enfrentar sozinhos os desafios de adaptar suas atividades para o ensino a distância, bem como de implementar protocolos de segurança e outras medidas necessárias para que as escolas fossem reabertas com segurança.

Caberia agora ao MEC liderar o crucial passo seguinte —a recuperação geral do aprendizado. É sintomático que, sobre isso, o ministro não tenha dito palavra.

Dúvidas sobre a recuperação global afeta os mercados

Valor Econômico

Onda positiva no Brasil se deve ao quadro internacional favorável, que pode mudar de uma hora para a outra

As fortes oscilações das bolsas no exterior e a corrida para os títulos do Tesouro americano dos últimos dias são a expressão das dúvidas, entre os investidores internacionais, de que a economia mundial poderá retomar rapidamente a normalidade depois da pandemia. Para o Brasil, o clima de aversão a risco expõe as nossas vulnerabilidades, sobretudo o ajuste fiscal ainda incompleto.

Na segunda-feira, os mercados acionários na Europa e nos Estados Unidos registraram forte queda, com recuperação parcial no dia seguinte. Ontem, houve nova alta, mas com muita volatilidade ao longo dos pregões. Tem sido assim há algumas semanas, à medida que são divulgadas estatísticas que levantam dúvidas sobre a força da recuperação das principais economias do globo.

O setor de serviços nos Estados Unidos ficou abaixo do esperado em junho e, na China, o banco central cortou depósitos compulsórios dos bancos para sustentar sua economia. Mais recentemente, a disseminação da variante Delta do novo coronavírus torna mais incerto a progressiva reabertura das economias, em especial em países ainda com baixa cobertura da vacinação, sobretudo na Ásia.

É um contraste com o otimismo que surgiu a partir de fins de 2020, quando ficou comprovada a eficácia dos novos imunizantes. Na virada do ano, aumentou a esperança, depois que o então presidente eleito dos Estados Unidos, Joe Biden, assegurou maioria parlamentar para aprovar pacotes fiscais de estímulo econômico.

Nesse período, ganhou força a tese de que a economia mundial viveria um período de reflação. Ou seja, finalmente os bancos centrais dos países desenvolvidos conseguiriam levar a inflação, que foi muito baixa dos últimos anos, para os níveis desejados. lguns economistas influentes, como o ex-secretário do Tesouro dos Estados Unidos Larry Summers, passaram a alertar inclusive para o risco de exagero nos estímulos fiscais, provocando uma escalada muito forte e disseminada dos preços.

Nos mercados financeiros, esse novo quadro levou ao chamado “trade da reflação”. Os investidores reduziram as aplicações em empresas que mais lucraram com a pandemia, como as de tecnologia, e passaram a apostar em empresas ligadas à economia real. Prevendo a aceleração da inflação acima dos níveis desejados, eles assumiram posições vendidas em títulos do Tesouro americano. As cotações das commodities ganharam novo impulso. Os emergentes, como o Brasil, voltaram a registrar fluxos de capitais de curto prazo, com o aumento do apetite por risco.

Esse movimento reflacionista perdeu um pouco do vigor, porém, a partir de maio, quando o Federal Reserve (Fed) deu as primeiras indicações de que poderá retirar estímulos monetários antes do esperado, embora suas indicações sejam de que quer ver progressos concretos e duradouros na aceleração da inflação aos níveis desejados e na busca do pleno emprego. A atitude mais alerta do Fed estimulou o recuo das taxas de juros de prazo mais longo nos Estados Unidos e a elevação no curto prazo.

Neste mês, os mercados passaram a reagir mais fortemente a notícias sobre atividade econômica. Em parte, o exagero dos movimentos reflete o posicionamento dos investidores, que estava muito concentrado na tese da reflação. As férias no Hemisfério Norte, com a redução da liquidez, também contribuem para exacerbar a volatilidade. Mas, no fundo, o que mexe com o mercado é o receio de que o pico da atividade econômica pós-covid já tenha ficado para trás, no segundo trimestre.

Naturalmente, essas previsões são instáveis e sujeitas a revisões. Uma sequência de eventuais dados mais positivos seria suficiente para reanimar os mercados. A tese de superaquecimento da economia, que levaria a inflação acima dos niveis desejados, não desapareceu completamente. Alguns alertam para o risco de essa safra de dados negativos levar o Federal Reserve a adiar as necessárias ações para retirar os estímulos - e, agindo com atraso, são maiores os riscos de solavancos nos mercados globais.

Essas incertezas vem afetando os mercados no Brasil, que vivia um período de trégua, com queda do dólar e valorização da Bolsa. Muitos acreditavam que essa onda positiva se devia a melhoras no quadro fiscal, com a queda da dívida bruta. Na verdade, deve-se muito ao quadro internacional favorável, que pode mudar de uma hora para a outra.

 

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