sexta-feira, 9 de julho de 2021

O que a mídia pensa: Opiniões/ Editoriais

EDITORIAIS

Forças Armadas devem deixar a CPI trabalhar

O Globo

É inegável que a CPI da Covid, que começou sufocada por fortes resistências do Planalto, assumiu em pouco tempo um protagonismo na cena política que aumentou a pressão sobre o presidente Jair Bolsonaro. Natural, portanto, que tudo o que ali se passa ganhe repercussão, às vezes até exagerada. Na sessão de quarta-feira, que culminou com a prisão de Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, o presidente da CPI, senador Omar Aziz (PSD-AM), fez críticas ao envolvimento de militares em escândalos no Ministério da Saúde. Houve reação imediata das Forças Armadas.

Aziz saiu da linha ao fazer um comentário pouco cuidadoso sobre fatos ainda sob investigação. O senador disse que fazia muito tempo “que o Brasil não via membros do lado podre das Forças Armadas envolvidos com falcatruas dentro do governo”. Até o momento, contudo, não há nenhuma denúncia comprovada contra quem quer que seja, civil ou militar. O próprio Aziz parece ter reconhecido que se excedera, ao dizer depois que as declarações eram “pontuais e não generalizadas”.

Na própria quarta-feira, o Ministério da Defesa divulgou nota afirmando que a declaração “atinge as Forças Armadas de forma vil e leviana, tratando-se de uma acusação grave, infundada e sobretudo irresponsável”. É sintomático que a nota tenha sido publicada primeiro pelo presidente Jair Bolsonaro numa rede social, antes de ser divulgada oficialmente. Seja como for, as Forças Armadas deveriam deixar a CPI fazer seu trabalho em paz, dentro das prerrogativas da Constituição. Imagina-se que estejam interessadas, como qualquer brasileiro, em esclarecer as suspeitas sobre negociações nebulosas no Ministério da Saúde, onde trabalharam, e ainda trabalham, muitos militares do Exército.

A CPI, de seu lado, precisa abrir mão de atitudes midiáticas e conclusões precipitadas para se concentrar nas investigações. A prisão de Dias, que ganhou as manchetes dos jornais ao fim de um depoimento inócuo, foi um exagero. Se o argumento para prendê-lo é que mentiu à comissão, ele não foi o único. O ex-secretário de Comunicação Fabio Wajngarten, o ex-chanceler Ernesto Araújo e o ex-ministro Eduardo Pazuello testaram ao máximo a tolerância dos senadores. Se a intenção era pressionar Dias a apresentar um dossiê sobre falcatruas nos altos escalões do ministério, a decisão é ainda mais patética. Ele fora acusado pelo PM Luiz Paulo Dominguetti de cobrar propina numa negociação para compra de 400 milhões de doses da AstraZeneca. Seu depoimento teve efeito praticamente nulo, e a prisão não mudou em nada o que sabemos.

A CPI da Covid, importantíssima para que se esclareçam erros e omissões do governo que contribuíram para a morte de mais de 530 mil brasileiros, precisa corrigir seu rumo. Depoimentos são relevantes, mas não constituem o único caminho de investigação. A comissão tem poder para requisitar documentos, contratos e pedir quebra de sigilo, como vem fazendo de forma meio aleatória. Há indícios de que negociações subterrâneas se desenrolavam no Ministério da Saúde enquanto brasileiros morriam. É improvável, a não ser em delações premiadas, que os mercadores da morte revelem suas tratativas espúrias. Mas é plenamente possível investigá-las para chegar aos autores. A Operação Lava-Jato é a maior prova disso.

Discussão sobre imposto global mistura esperança e ceticismo

O Globo

Ministros da economia e presidentes de bancos centrais do G20, grupo que reúne as 20 maiores economias do mundo, debatem hoje e amanhã em Veneza (ou remotamente) temas como revolução digital, produtividade e ajuda aos países mais pobres em tempos de pandemia. Um dos assuntos mais relevantes é o acordo que prevê a criação de um imposto mínimo global para empresas multinacionais. Entre os principais alvos estão as gigantes do setor de tecnologia, como Apple, Google e Facebook.

O objetivo dessa espécie de reforma tributária global, proposta pelos americanos, é bloquear o caminho usado por multinacionais para tentar pagar menos impostos, a proverbial “engenharia tributária”. Com isso, espera-se que as grandes empresas mantenham menos operações fora de seus países de origem e tragam de volta os empregos que foram embora com a globalização. Outro benefício seria coibir o uso dos paraísos fiscais e dar mais transparência aos investimentos globais. Essa é a teoria.

Na prática, a iniciativa partiu dos países mais ricos, o G7. Aquilo que parecia impensável poucos anos atrás aconteceu em junho: eles selaram um acordo sobre o local de tributação de lucros. Deixaria de ser onde as empresas têm sede — muitas vezes paraísos fiscais ou países com alíquotas baixas — e passaria para o local de venda. Na eventualidade de uma multinacional continuar desviando parte dos lucros para pagar menos impostos, seu país de origem poderá cobrar a diferença até alcançar um patamar mínimo de 15% (seria um piso global para os impostos sobre o lucro, hoje de 34% no Brasil). No início do mês, 130 países — entre eles, Brasil, China, Índia e Rússia — assinaram um acordo preliminar similar.

A expectativa é que as negociações sejam finalizadas até o final do ano e que as regras sejam aplicadas a partir de 2023. Em entrevista ao jornal Valor Econômico, Pascal Saint-Amans, diretor do Centro para Política Fiscal e Administração da Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), disse que o Brasil poderá arrecadar entre US$ 2 bilhões e US$ 3 bilhões a mais por ano.

Mas será que um acordo tributário global dessa natureza tem mesmo chance de prosperar? Uma sondagem da Universidade de Chicago ouviu 75 dos maiores economistas do mundo sobre a medida, entre eles o Nobel Angus Deaton, da Universidade de Princeton, Daron Acemoglu e David Autor, do MIT, Barry Eichengreen, da Universidade da Califórnia, o brasileiro José Scheinkman, de Columbia, e Olivier Blanchard, ex-FMI atualmente no Peterson Institute. Para 94%, a criação de um piso global para o imposto seria eficaz para limitar os benefícios de buscar países com alíquotas menores. A maioria também diz que a medida é factível.

Porém 25% dos europeus e 45% dos americanos têm dúvidas ou acham que não dará certo. Kenneth Judd, da Universidade Stanford, resume a preocupação central sobre o imposto global: “Espero que possa ser alcançado, mas é sempre preciso manter o ceticismo sobre a capacidade de os processos políticos resultarem em decisões racionais”.

Não é só negacionismo

O Estado de S. Paulo

É equívoco pensar que a questão das vacinas envolve apenas funcionários de terceiro escalão. Jair Bolsonaro sempre se mostrou próximo e atento à questão.

Odepoimento de Roberto Ferreira Dias, ex-diretor do Departamento de Logística do Ministério da Saúde, à CPI da Covid teve uma série de incongruências, que levaram o presidente da comissão, senador Omar Aziz (PSD-AM), a decretar a sua prisão sob a acusação de crime de perjúrio. Horas depois, mediante pagamento de fiança, Roberto Ferreira Dias foi solto.

A sessão de quarta-feira passada foi marcada por informações contraditórias e inverossímeis. A história que Roberto Ferreira Dias contou a respeito do encontro, num shopping de Brasília, com o policial militar Luiz Paulo Dominghetti – que o acusou de pedir propina de US$ 1 por dose de vacina – fere a lógica e o bom senso. O exercício de cargo público deve envolver um mínimo de seriedade na prestação de contas à sociedade.

Mas, apesar de atribulada, a sessão do dia 7 foi muito proveitosa, trazendo informações valiosas sobre o objeto central de investigação da comissão. Trata-se de entender como o Executivo federal foi capaz de dar uma resposta tão equivocada, atrasada e omissa a tema tão grave e urgente, que afetou e continua a afetar a vida de todos os brasileiros.

Na sessão da CPI de quarta-feira passada, dois temas adquiriram especial materialidade. Em primeiro lugar, a cada revelação sobre o modus operandi do governo Bolsonaro, tem-se a impressão de que existe, na pasta da Saúde, uma espécie de briga entre quadrilhas. Há ainda muito a ser investigado, mas o que veio a público até agora em nada se assemelha ao que deve ser o funcionamento da administração pública, especialmente no meio de uma pandemia, com recursos escassos e urgentes necessidades.

Esse modus operandi, envolvendo acusações mútuas e até relatos de dossiês secretos, é especialmente escandaloso diante da constante afirmação de Jair Bolsonaro de que a corrupção na esfera federal seria coisa do passado. Com o que a CPI da Covid tem revelado, a jura de probidade ganha ares não apenas de engodo, mas de tática para intimidar os órgãos de controle.

O segundo tema sobre o qual a sessão da comissão de quarta-feira passada jogou luzes envolve diretamente o item mais decisivo para a saúde dos brasileiros e para a economia do País neste momento: as vacinas contra covid.

Antes da CPI, já era evidente que o governo Bolsonaro retardou a compra de vacinas. Mas, até então, os motivos desse atraso não eram muito conhecidos. Atribuía-se tanto ao negacionismo bolsonarista, que chamava de gripezinha a doença que matou mais de meio milhão de brasileiros, como à rivalidade política do Palácio do Planalto com o governador de São Paulo. Jair Bolsonaro parecia preferir privar os brasileiros da vacina produzida pelo Instituto Butantan a reconhecer os méritos de João Doria no combate à pandemia.

Agora, esses dois motivos não perderam validade, mas ganharam uma dimensão um tanto secundária. Não é que o governo Bolsonaro não quisesse simplesmente comprar vacina. A CPI da Covid tem mostrado intensas negociações de vacinas.

A questão é, portanto, de outra ordem. Os elementos trazidos até agora revelam que o governo Bolsonaro nutriu especial preferência por algumas vacinas não em razão de sua eficácia – basta ver o tratamento dado aos e-mails da Pfizer –, mas pelo modo como elas eram negociadas. Aqui também há ainda muito a ser investigado, mas os indícios mostram especial presteza em negócios sobre vacinas com potencial de propina. Os intermediários do governo Bolsonaro demoraram para responder à farmacêutica americana, mas não tiveram empecilhos para conversar sobre compra de vacinas com terceiros num shopping de Brasília, fora do horário de expediente.

É um equívoco pensar que a sessão da CPI de quarta-feira passada envolve apenas funcionários de terceiro escalão. Jair Bolsonaro sempre se mostrou próximo e atento à questão das vacinas, dando-se ao trabalho, por exemplo, de explicar em suas redes sociais quais vacinas o governo federal nunca compraria. A CPI da Covid tem ainda muito a elucidar. O trabalho está apenas começando.

Inflação ainda assombra

O Estado de S. Paulo

Preços subiram menos em junho, mas ainda assustam as famílias e desafiam o Copom

Apesar do recuo, a inflação continuou acelerada em junho, atormentando as famílias e mantendo um duro desafio para o Banco Central (BC), principal defensor do poder de compra do dinheiro. Com alta de 0,53% no mês passado, o IPCA, o mais importante sinalizador da evolução dos preços, acumulou aumento de 3,77% no ano e de 8,35% em 12 meses, superando com folga a onda inflacionária mundial. Em maio a subida havia sido bem maior (0,83%), mas seria muito otimismo falar em trégua. Os dados são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA), produzido pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE).

Diante dos preços em disparada, os dirigentes do BC terão, de novo, um duro problema para resolver na próxima reunião do Comitê de Política Monetária (Copom), em agosto. Deverão decidir, mais uma vez, se apertam mais fortemente a política anti-inflacionária ou se continuam ajustando suavemente os juros básicos. Se a moderação prevalecer, haverá mais um aumento de 0,75 ponto porcentual e a taxa subirá para 5%. Se decidirem dar um tranco para conter a alta de preços, a taxa básica poderá aumentar 1 ponto.

Se a solução mais branda for novamente escolhida, a inflação passará bem acima da meta de 3,75%, neste ano, e poderá superar o limite de tolerância, de 5,25%. No mercado, as projeções apontam nova ultrapassagem do centro da meta (3,5%) em 2022. Na última pesquisa Focus, divulgada na segunda-feira, dia 5, o número estimado para o próximo ano ficou em 3,77%.

Se o Copom eleger a política mais dura, a alta de preços poderá ser freada, embora com alguma defasagem. Mas juros mais altos poderão prejudicar a reativação dos negócios e, além disso, encarecer o financiamento do Tesouro, afetando a gestão das contas do governo e inflando a dívida pública. Se houver risco maior para as finanças oficiais, o mercado poderá reagir com rapidez, tornando ainda mais difícil a captação de recursos pelo governo.

O receituário mais suave poderá evitar maiores problemas fiscais e ser mais favorável à sustentação dos negócios. Mas será preciso muito mais que isso para alimentar a atividade econômica no próximo ano. Em 2021 o Produto Interno Bruto (PIB) poderá crescer entre 5% e 5,5%, segundo as projeções correntes no mercado. Para 2022, no entanto, o crescimento estimado caiu em quatro semanas de 2,31% para 2,1%.

O entusiasmo exibido pelos economistas fora do governo tem, portanto, limites estreitos: aponta uma razoável retomada neste ano, mas fica nisso. O País poderá compensar com pequena folga o tombo de 4,1% sofrido em 2020, mas em seguida voltará ao padrão medíocre dos últimos anos – ou abaixo de medíocre, quando comparado com o desempenho normal de outros emergentes.

A inflação, o desemprego acima dos padrões globais e o baixo potencial de crescimento predominam entre as desvantagens brasileiras. Mas a esses fatores é preciso juntar outros dados negativos. A política antiambiental implantada em 2019 prejudica a imagem do agronegócio, embora a produção relevante ocorra quase toda em áreas bem preservadas. Essa avaliação é injusta, mas alimentada pelo comportamento desastroso do presidente da República, figura criticada publicamente até no Festival de Cannes.

A questão dos juros é só um detalhe num quadro muito complicado, mas um detalhe especialmente importante. Não há solução simples e sem perigo. Em qualquer hipótese, a evolução dos preços continuará refletindo problemas fora do controle governamental, como a escassez de chuvas e a cotação internacional do petróleo. A inflação também poderá ser intensificada pelas tensões políticas e pelas incertezas derivadas da gestão fiscal e das palavras e ações do presidente Jair Bolsonaro, acuado por investigações e suspeitas e empenhado, até mais do que antes, em cuidar da reeleição. Mas o Copom tem sido, regularmente, o núcleo mais competente e confiável da administração federal nos últimos dois anos e meio. A sensatez – pelo menos isso se pode esperar – deverá continuar presente em sua próxima deliberação.

O marco legal das startups

O Estado de S. Paulo

Nova lei entra em vigor justamente num período de forte expansão dessas empresas

Enquanto o governo Bolsonaro continua mandando para o Congresso projetos mal formulados, muitos deles tratando de questões menores e com forte viés ideológico, na Câmara dos Deputados um grupo de parlamentares de diferentes partidos políticos e correntes ideológicas decidiu fazer justamente o contrário, apresentando projetos consistentes e oportunos.

Um deles é o Projeto de Lei Complementar n.º 146, que foi apresentado em 2019 e acaba de ser convertido na Lei Complementar n.º 182. A iniciativa desses deputados teve por objetivo melhorar o ambiente de negócios no País. A nova lei estabelece o marco legal para as empresas de base tecnológica e também cria mecanismos que facilitam seu desenvolvimento e sua consolidação. Também chamada de marco legal das startups e do empreendedorismo inovador, a Lei Complementar n.º 182/21 entra em vigor justamente num período de forte expansão dessas empresas.

Atualmente, há mais de 13 mil startups funcionando no País – cerca de 20 vezes mais do que há dez anos, quando começou a discussão sobre formas de regulamentação das pequenas empresas com atuação voltada para o desenvolvimento de inovações aplicadas a produtos, serviços ou modelos de negócios. A ideia é que a Lei Complementar 182/21 favoreça os negócios que estão sendo criados nos mais variados setores da economia, permitindo-lhes receber recursos de pequenos e de grandes investidores. A nova legislação também prevê que universidades e organizações sem fins lucrativos nas áreas de ciência e tecnologia gerenciem as startups em algumas dessas etapas. Isso é fundamental para que elas possam transpor o estágio entre o desenvolvimento de suas inovações e sua consolidação comercial.

Entre outras inovações, o marco legal das startups concede a essas empresas prioridade na análise de registro de marcas e pedidos de depósito de patentes pelo Instituto Nacional da Propriedade Industrial. Também permite que as grandes empresas obrigadas a investir em pesquisa e desenvolvimento, como as do setor de petróleo e de gás, invistam em startups por meio de fundos patrimoniais ou de fundos de investimento voltados para a aquisição de participações no processo de inovação tecnológica.

Além disso, a Lei n.º 182/21 regulamenta o papel dos investidores que aplicam recursos em pequenas empresas nascentes, confiando em seu potencial de crescimento. Ainda que esses investidores possam receber uma remuneração periódica, eles não têm o status legal de sócios nem direito a ingerência ou voto na gestão do negócio. Por isso, em caso de falência não responderão por qualquer obrigação da empresa, o que lhes dá a segurança de que necessitam para investir.

Outra inovação é a criação de um regime especial de contratação de soluções inovadoras pela administração pública, por meio de licitações. No processo seletivo, as propostas terão de ser submetidas a uma comissão formada, entre outros, por um servidor público da área para a qual o serviço está sendo contratado e por um professor de instituição pública de ensino superior ou técnico. Essa é uma estratégia já adotada em países com sistemas de inovação já consolidados, como os Estados Unidos. Ela se baseia na premissa de que é mais eficiente o poder público realizar encomendas específicas às startups do que oferecer subsídios esperando que elas tenham sucesso em seus projetos de inovação.

Nos centros de pesquisa, nas universidades e nos meios empresariais, pesquisadores, professores e executivos afirmam que o marco legal das startups poderia ter sido mais ousado em alguns pontos, principalmente em matéria de regime fiscal e estrutura societária. Mas elogiam a determinação dos autores do projeto, que souberam superar antagonismos ideológicos, ouviram todos os setores interessados e conseguiram apresentá-lo e aprová-lo num período de apenas dois anos. E também são unânimes ao reconhecer que esses deputados agiram com sensatez e determinação ao criar um padrão de segurança jurídica que é fundamental para o funcionamento da economia brasileira.

O reprovado

Folha de S. Paulo

Pobres, menos escolarizados, nordestinos e mulheres minam aprovação a Bolsonaro

A avaliação de Jair Bolsonaro chegou ao nível mais baixo de uma série que raramente lhe foi favorável. Segundo o Datafolha, 51% dos entrevistados consideram seu governo ruim ou péssimo, ante 24% dos que o têm como ótimo ou bom. Trata-se da maior diferença entre menções favoráveis e desfavoráveis ao desempenho do presidente.

Seu prestígio está no vermelho em todas as regiões e categorias de renda, instrução, sexo, idade e cor. Desde maio, quando a reprovação era de 45% e aprovação era a mesma de hoje, o desgaste maior ocorreu entre os que ganham até dois salários mínimos, que estudaram até o ensino fundamental, no Nordeste e entre as mulheres.

A avaliação é menos negativa por parte dos residentes das regiões Centro-Oeste e Norte e dos brasileiros de renda média-alta —de 5 a 10 salários mínimos.

A piora na avaliação do governo se espelha na degradação da imagem presidencial. Para 58% dos entrevistados, Bolsonaro é incompetente; para 62%, despreparado. É autoritário para 66%, desonesto para 52% (honesto para 40%).

Parte da impopularidade pode ser atribuída às condições materiais de vida dos mais pobres em uma economia que se recupera da recessão em ritmo muito desigual e prejudicada pela inflação.

O número de pessoas ocupadas é o menor desde que se tem registro comparável, em 2012. O setor de serviços, em que se empregam os menos abonados, ainda está deprimido devido ao impacto da Covid.

A carestia dos alimentos afeta obviamente e em particular os mais pobres. A redução do alcance e do valor do auxílio emergencial deve ter feito estragos adicionais.

Observe-se que a taxa de aprovação de Bolsonaro apenas não foi menor que a de reprovação no trimestre inicial de seu mandato e entre agosto e dezembro do ano passado, quando era grande o efeito do auxílio e a inflação da comida ainda não havia explodido.

Bolsonaro mandou arquivar projetos de renda mínima em agosto do ano passado e retardou por um trimestre um novo programa de renda emergencial neste 2021. Agora promete uma reformulação do Bolsa Família e iniciativas de estímulo ao emprego de jovens.

A recuperação econômica deve permitir algum aumento da população ocupada, em especial se se confirmar o progresso na vacinação. A situação econômica, porém, não determina sozinha a opinião do eleitorado —que terá na memória anos de agrura material, os lutos da epidemia e os escândalos na administração federal.

Ainda faltam, recorde-se, 15 meses até a eleição —e Bolsonaro, em vez de governar, dedica-se a lançar mais ameaças veladas e suspeitas farsescas sobre a lisura do pleito.

Haiti em transe

Folha de S. Paulo

Assassinato do presidente expõe persistente miséria econômica e institucional

O assassinato do presidente do Haiti, Jovenel Moïse, morto a tiros em sua residência na quarta-feira (7), mergulhou ainda mais a miserável nação caribenha no pântano de violência e tumulto político do qual parece nunca ter saído.

No cargo desde 2017, Moïse liderou um governo marcado por sucessivas crises e conflitos, a começar por sua conturbada ascensão.

A vitória no primeiro turno do pleito de 2015 foi questionada por opositores, para os quais o processo havia sido fraudado. A eleição terminou cancelada, um governo interino assumiu o país e uma nova votação foi convocada.

No pleito do ano seguinte, Moïse venceu novamente, mas o comparecimento às urnas não passou de ínfimos 18% do eleitorado.

Sua frágil e contestada liderança logo desembocou em crise generalizada. Protestos violentos prorromperam em 2018 após um aumento do preço dos combustíveis.

Meses depois, um escândalo de corrupção se somou às crescentes dificuldades econômicas do país mais pobre do hemisfério ocidental, e milhares foram às ruas exigir a saída do presidente.

Com o país convulsionado, a eleição legislativa de 2019 foi suspensa. Quando o mandato da maior parte dos legisladores terminou, no ano seguinte, Moïse simplesmente dissolveu o Parlamento e passou a governar por decreto.

Sem um Legislativo funcional e com o sucessor de direito tendo morrido recentemente por Covid-19, o país enfrenta agora um perigoso vácuo de poder.

A crise política dos últimos anos veio acompanhada de um ressurgimento das milícias armadas, cuja ação esteve no cerne da violência política que, em 2004, resultou numa missão de paz da ONU, comandada pelo Brasil por 13 anos.

Hoje, como há duas décadas, o Estado já não controla partes do território, incluindo áreas de Porto Príncipe. Estima-se que, apenas em junho, cerca de 8.500 pessoas foram obrigadas a abandonar suas casas na capital devido a disputas entre grupos armados.

A repetição do ciclo de violência e instabilidade política mostra que inexiste saída fácil para as tribulações que consomem o Haiti.

Se neste momento a ajuda internacional parece necessária para evitar que a situação se deteriore ainda mais, o frágil saldo da missão da ONU deixa claro que, sem enfrentar o subdesenvolvimento extremo que campeia no país, nenhum resultado será duradouro.

Crise hídrica deixa em alerta desempenho do agronegócio

Valor Econômico

Crise é também uma oportunidade para a agropecuária rever seus processos

Após quatro anos como locomotiva da economia, contribuindo para tirar o país da recessão que marcou 2015 e 2016, e para amenizar a debacle com a pandemia em 2020, o agronegócio deve perder o protagonismo neste ano. Não haverá um recuo. Outros setores vão crescer mais, até porque vêm de anos de baixa. As previsões são que o agronegócio vai crescer pouco mais de 2,5% neste ano. Mas os resultados seriam melhores não fosse o agravamento da escassez de água.

A situação só não está pior porque a crise hídrica estourou após o fim da colheita da soja, responsável por mais da metade da safra recorde de grãos prevista para o ciclo de 2020/21. Ainda ontem o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) e a Companhia Nacional de Abastecimentos (Conab) divulgaram os números da safra atual com crescimento. Para o IBGE, a safra brasileira de grãos deve chegar a 258,5 milhões de toneladas neste ano, 1,7% maior que a do ano passado, ou o equivalente a 4,4 milhões de toneladas, mas houve recuo em relação à estimativa feita no mês passado. Enquanto a produção de soja deve crescer 9,7% para novo recorde de 133,3 milhões de toneladas, e a de arroz 1,5% para 11,2 milhões de toneladas, o milho deve recuar 8% para 95 milhões de toneladas. A cultura de cana também está ameaçada de quebras. Frutas e hortifrutigranjeiros.

IBGE e Conab estão pessimistas com a safrinha do milho, segundo grão mais cultivado no país, cujo plantio foi atrasado e sofreu o impacto dos problemas hídricos. Em consequência, a produção deve cair, apesar do aumento da área plantada e colhida, e da ampliação dos investimentos feitos. Outros produtos afetados pela seca são laranja, que terá sua pior quebra da história na área compreendida por São Paulo e Minas Gerais, e café, com estimativa de produção 21% inferior à de 2020. O feijão sentiu o impacto da estiagem nas suas duas primeiras safras, e talvez na terceira, que responde por 20% do total e é majoritariamente irrigada durante todo o ciclo produtivo. Outro produto afetado é o arroz, que já sofreu redução da área plantada no Sul em consequência do baixo nível dos reservatórios, região que recorre muito à irrigação. Mais dependentes ainda são as lavouras de ciclo curto, como os hortifrútis, que abastecem as cidades a partir dos cinturões verdes.

A agricultura é uma das atividades que mais consome água porque utiliza principalmente a irrigação por aspersão, que gasta mais do que a tecnologia de gotejamento. Segundo a Organização das Nações Unidas para a Alimentação e Agricultura (FAO), a agropecuária é responsável por 70% de toda a água consumida no mundo.

De imediato, o setor receia a falta de água para irrigação. O custo mais alto da energia necessária para captar e distribuir a água também vai influenciar a rentabilidade. Tudo isso vai repercutir negativamente na inflação. Os preços elevados nos mercados externo e interno compensam as perdas na produção e o aumento do custo de fertilizantes. A agropecuária representa quase um quarto das exportações brasileiras.

Outra preocupação é a interrupção do uso da hidrovia Tietê-Paraná para transporte de produtos agrícolas de modo a que a água seja direcionada apenas para a geração de energia. Na crise de 2013 a paralisação da hidrovia afetou o transporte de 6,5 milhões de toneladas e provocou prejuízos superiores a R$ 1 bilhão. Atualmente, transitam por ela 12 milhões de toneladas, segundo a Confederação Nacional da Agricultura, a CNA (Valor 29/6).

A agropecuária não é das atividades que mais empregam mão de obra. Do estoque total de empregos formais de 39,4 milhões no fim de 2020, o setor detinha 1,6 milhão de vagas. Mas, ao longo do ano, foi o terceiro maior criador de vagas, depois da construção civil e da indústria, mostrando sua importância em um momento em que os demais setores estão deprimidos.

Em momento de crise hídrica como a atual, a agropecuária também será atingida e não pode deixar de ser ouvida. Mas a crise é também uma oportunidade para a agropecuária rever seus processos e buscar maior eficiência no consumo de água.

Somente a safra recorde de soja garante crescimento ao redor de 2,6% projetam o Instituto Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e a Tendência Consultoria. Para o Banco Central (BC), o PIB agrícola vai crescer de 2% a 2,5% neste ano. Mas, os especialistas acompanham o desenvolvimento do quadro e podem rever as projeções.

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