sábado, 3 de julho de 2021

Pablo Ortellado - Negacionismo, corrupção ou um pouco dos dois?

O Globo

As denúncias de corrupção envolvendo a tentativa de compra de vacinas abriram outra linha interpretativa para entender a má gestão da pandemia.

Antes, a explicação dominante era que o governo tinha adotado teses conspiratórias que negavam a gravidade da pandemia e indicavam saídas rápidas milagrosas. Com as revelações desta semana, outra possibilidade se abriu: será que o governo adiou a compra de vacinas do Butantan e da Pfizer para tentar comprar imunizantes de fornecedores alternativos com sobrepreço?

A hipótese de que é o negacionismo que tem movido as ações do governo é amparada por inúmeras declarações e peças de propaganda. Desde o começo, o governo Bolsonaro lançou suspeitas sobre a origem e a gravidade da pandemia, insinuando que a China teria criado e difundido o vírus com o intuito de prejudicar a economia global e, controlando a Covid-19 antes de todos, de ganhar vantagem competitiva no mercado internacional.

Fazia parte dessa leitura acreditar que a gravidade da doença estava sendo superestimada, levando governos de todo o mundo a adotar medidas excessivas, de forte impacto econômico, como o distanciamento social e os lockdowns.

Para enfrentar essa pretensa conspiração, o governo adotou uma postura que minimizava a gravidade da doença, alegando que os números de mortos estavam inflados. Além disso, tratava a Covid-19 como um mal que poderia ser facilmente enfrentado com medidas simples como o tratamento precoce —cuja eficácia seria desqualificada pela mesma conspiração que difundira o vírus.

Outra saída adotada pelo governo era buscar a imunidade coletiva por meio da exposição ao vírus. Isso explicaria a ênfase em divulgar o número de “curados”, a falta de empenho em comprar vacinas e o desestímulo ao uso de máscaras, ao distanciamento social e aos lockdowns.

Na semana passada, porém, as denúncias de que o líder do governo na Câmara, o deputado Ricardo Barros (PP-PR), tentava comprar vacinas de fornecedores alternativos com sobrepreço levantou a suspeita de que a corrupção poderia explicar a postura displicente do governo na compra de imunizantes.

Nessa interpretação, Bolsonaro deliberadamente teria ignorado a oferta de vacinas de empresas e instituições sérias como Pfizer e Butantan porque queria aproveitar a possibilidade de compras bilionárias para desviar dinheiro público.

É difícil dizer, neste momento, com as informações de que dispomos, se o governo ignorou as ofertas de vacinas por pura ideologia ou porque queria corromper fornecedores menos sérios. Também não sabemos ainda se o governo estava associado aos esquemas de Ricardo Barros ou apenas fez vista grossa à corrupção para manter o apoio do Centrão no Congresso.

O descaso na compra de vacinas é uma negligência criminosa que custou a vida de milhares de brasileiros, seja ela motivada por convicção conspiratória tola ou puro interesse econômico. Muda a motivação, mas não a natureza do crime.

 

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