quarta-feira, 7 de julho de 2021

Vera Magalhães - Bolsonaro sozinho no voto impresso

O Globo

À medida em que se agrava a crise no governo em razão das descobertas da CPI da Covid e que fantasmas do passado, como o das rachadinhas familiares, voltam para a assombrar Jair Bolsonaro, os partidos vão dando demonstrações consistentes de que podem até estar aproveitando o bem-bom da bonança orçamentária concedida pelo seu governo, mas não vão com ele até o final “duela a quien duela”. 

E esta é uma grande notícia para a democracia, por mais que não se possa celebrar intenções republicanas da parte de quase nenhuma das siglas partidárias brasileiras.

É especialmente alentadora a banana que legendas que estão aboletadas no Centrão ou em cargos no governo mesmo sem se assumir como tal, como é o caso do DEM, deram para o capitão em sua cruzada pelo voto impresso, auditável ou como queira se chamar essa empulhação.

Mesmo com a pressão inacreditável feita pelo presidente para forçar a porta desse retrocesso eleitoral, os partidos demonstram que não pretendem cerrar fileiras com ele na disposição de questionar o pleito a depender de seu resultado.

A sombra que Bolsonaro agora lança sobre a lisura do voto eletrônico teve uma contribuição vergonhosa do PSDB, partido que se quer sério e mainstream, quando em 2014 não aceitou a derrota de Aécio Neves para Dilma Rousseff e pediu uma recontagem que não apontou nenhum indício de fraude.

Estava lançado ali o ovo da serpente, e não é por acaso que Bolsonaro busca o caso Aécio como suposto precedente de caso em que as eleições teriam sido adulteradas. O outro, segundo a narrativa falsa que ele vende, seria o dele próprio, que teria vencido, vejam só, no primeiro turno em 2018.

Diante da evidência de que Bolsonaro usará, enquanto puder, a cantilena do voto impresso para ameaçar empastelar a eleição, conversei com um ministro que terá assento no Tribunal Superior Eleitoral no pleito do ano que vem, para o qual as perspectivas são de alta turbulência.

Tranquilo diante da possibilidade de o presidente ser bem sucedido em qualquer quartelada que tente, esse magistrado observou: “Alguém mais rico, mais inteligente e com um partido gigante tentou isso nos Estados Unidos e hoje está em sua réplica do Salão Oval”.

De fato, a firmeza demonstrada pelo Partido Republicano, a despeito de Donald Trump ainda ter uma força considerável na legenda, ao não chancelar os devaneios golpistas do ex-presidente foi uma demonstração de vigor da democracia norte-americana. E não só: a Suprema Corte, o Congresso e as Forças Armadas deixaram o caricato empresário que chegou à Presidência incidentalmente vociferando sozinho. Até o Twitter, plataforma por meio da qual ele mais governou, lhe virou as costas.

No Brasil os partidos são bem menos vertebrados que nos Estados Unidos. A forma como Bolsonaro e os filhos ciscam de terreiro em terreiro dessas siglas de aluguel em busca de uma que aceite recebê-los de porteira fechada é o indicador mais claro dessa falta de espinha dorsal.

Isso só torna mais notável que nem nesse ambiente de completo vale-tudo a ideia maluca do voto auditável encontre público. 

Combinada a movimentos cada vez mais ousados dos partidos na CPI da Covid — que caminha a passos céleres para responsabilizar o presidente e seu governo pelas mortes e pelo desastre na pandemia — e em busca de uma opção eleitoral para o ano que vem, a debandada do voto impresso mostra que a blindagem ao presidente, como venho mostrando aqui, terá a duração, a ênfase e a extensão dos ganhos eventuais que esses partidos e seus caciques possam auferir. 

Com pesquisas em queda, as ruas gritando “fora genocida” e escândalos de baciada, o preço aumenta e a contabilidade de ganhos e perdas começa a ficar mais apertada que o orçamento do brasileiro diante da inflação galopante.

 

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