segunda-feira, 19 de julho de 2021

Washington Olivetto - Em bolsonarês claro

O Globo

Desde que assumiu o governo, em 2019, o presidente Jair Messias Bolsonaro surpreende com seu vocabulário, totalmente diferente do usado por qualquer outro estadista do planeta ou por seus antecessores.

Fernando Henrique Cardoso falava um português perfeito, num tom um pouco didático, típico de quem foi professor de sociologia durante anos: “Ou educamos nosso povo, ou não vamos conseguir nunca ser um povo solidário”.

Luiz Inácio Lula da Silva falava um português simplório, com alguns erros gramaticais e frases recheadas de metáforas futebolísticas, resultado de anos de prática como líder sindical: “Tem gente que não gosta do meu otimismo, mas eu sou corintiano, católico, brasileiro e ainda sou presidente do país. Como eu poderia não ser otimista?”.

Dilma Rousseff falava um “confusês” escorreito, língua que ela mesma inventou, mas que a maioria das pessoas tem dúvida se ela própria conseguia entender: “O meio ambiente é uma ameaça para o desenvolvimento sustentável”.

O presidente Jair Messias Bolsonaro é diferente; uma espécie de poliglota de si próprio. Fala um mínimo de três línguas diferentes, de acordo com seus interesses.

Na maior parte do tempo, busca expressões conhecidas, que sejam entendidas por todos e garantam sua popularidade. Como “não vou chutar o pau da barraca” ou “chega de frescura e de mimimi”. Outras vezes apela para frases que agradem a seus fiéis e fixos eleitores, como “eu sou imbroxável” ou “só deixo a Presidência se Deus tirar a minha vida”. E, quando se sente acuado, parte para o ataque com expressões como “tô cagando e andando pra você”, também creditadas ao filho Carlos, que dizem rachar o vocabulário com o pai.

Até agora, que eu saiba, o presidente ainda não disse publicamente expressões que certamente conhece como “vá enfornar o robalo”, “armazenar um croquete”, “entubar uma brachola” ou “sentar na mandioca”. Nem disse que estava a fim de “afogar o ganso” em quem quer que seja.

Também não usou até agora a sofisticadíssima expressão “vá se roçar nas ostras”, consagrada pelo brilhante jornalista Ivan Lessa no auge do semanário O Pasquim nos anos 1970. Bolsonaro não a usou por razões simples: ostras, certamente, não são tão importantes no seu universo afetivo, que é mais aéreo que marítimo. E O Pasquim, seguramente, jamais fez parte de suas leituras.

Para ofender jornalistas mulheres, o que tem ocorrido com bastante frequência, o presidente já usou o duplo sentido “ela queria dar o furo” e o impositivo “cala a boca”.

Nesse seu quadro de expressões atípicas, mesmo admirando apaixonadamente o ex-presidente americano Donald Trump, e tendo um filho que aprendeu inglês fritando hambúrgueres nos Estados Unidos, Jair Messias Bolsonaro usou até agora apenas uma única expressão em inglês. Foi no início do governo, quando chamou a atenção de todos, falando a respeito de golden shower, prática sexual bastante estranha, que, acredito, não se enquadra entre as preferências da maioria dos brasileiros.

Como seu mandato de presidente vai oficialmente até dezembro de 2022, Jair Messias Bolsonaro possui ainda tempo de sobra para usar muitas das expressões que até agora não usou, como “abraço de tamanduá”, “abotoar o paletó” e “amarrar o burro na sombra”.

Além de uma expressão que, comentam, está guardando para si próprio e para seus eleitores adeptos da liberação do porte e da compra de armas: “Se não me reelegerem, ‘vou sair atirando’ ”.

Até lá, algum assessor preocupado com a reeleição pode recomendar a utilização de uma palavra em inglês, idioma dominante nas redes sociais, na busca de conquistar o público jovem que, a partir dos 16 anos, faz parte do eleitorado: “O mito é cringe”.

 

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