sábado, 21 de agosto de 2021

Adriana Fernandes - Declaração de guerra

O Estado de S. Paulo

Guedes cria mais atritos com o Senado ao implodir projeto de reforma tributária ampla

O ministro da Economia, Paulo Guedes, quebrou mais pontes de diálogo no Senado ao praticamente implodir a proposta de reforma tributária ampla que estava em discussão com a equipe do relator, senador Roberto Rocha, e apoiada pelo presidente da Casa, Rodrigo Pacheco.

Guedes era o convidado especial de ontem de uma série de debates sobre a PEC de reforma tributária. A expectativa era grande em relação a sua fala e ao apoio do governo ao modelo conhecido como “dual” para a tributação do consumo, que estava sendo costurado com a sua equipe.

Afinal, o próprio ministro e a Receita Federal vinham participando de reuniões técnicas, há mais de dois meses, para definir o caminho da etapa da reforma tributária (são quatro fases até agora) que ficou com o Senado – e que abrange também os impostos estaduais e municipais.

Nessas reuniões, o desenho negociado permitiria uma tramitação alinhada da PEC com o projeto do governo que está na Câmara e que cria a Contribuição sobre Bens e Serviços (CBS), em substituição ao PIS e Cofins, tributos cobrados pelo governo federal.

Por esse modelo tributário, o Brasil passaria a ter dois tributos sobre o consumo: a CBS e o Imposto sobre Bens e Consumo (IBS), num modelo de Imposto sobre Valor Agregado (IVA) que é adotado na maioria dos países, e pelo qual a tributação (não cumulativa) incide somente no valor que foi adicionado de uma cadeia a outra até chegar ao consumidor final.

Guedes não só não apoiou a PEC, como também acabou instigando os municípios contra os Estados, recomendando, na prática, que caíssem fora desse barco.

O ministro disse que alguns municípios (que cobram hoje o ISS sobre serviços) não precisavam entrar no IVA dual. O problema é que, sem todos os municípios, a reforma tecnicamente não faz sentido algum, já que o ICMS cobrado pelos Estados recai sobre mercadorias. Como funcionaria, por exemplo, o envio de bens de um município com IVA para outro sem IVA? Não faz sentido fazer um IVA só de mercadorias, que agrega vários serviços para a sua produção.

As Prefeituras das grandes capitais não apoiavam o projeto com receio de perder arrecadação para os Estados, mas os demais municípios estavam apoiando e têm muito a ganhar com a proposta do IBS. Acabou que o presidente da Confederação Nacional de Municípios (CNM), Paulo Ziulkoski, que também participava da audiência e apoiava o projeto, ficou em cima do muro.

Para muitos, Ziulkoski passou a percepção de que estava mais interessado em garantir as benesses que conseguiu com o presidente da Câmara, Arthur Lira, para apoiar o projeto do Imposto de Renda, entre elas uma parcela maior do FPM, o Fundo de Participação dos Municípios.

Relator da PEC, o senador Roberto Rocha não escondeu a contrariedade e soltou os cachorros na comissão. Subiu o tom e disparou críticas também ao secretário da Receita, José Tostes, que, ao invés de falar sobre a PEC do IBS (tema da audiência), ficou comentando sobre a CBS.

Rocha deixou claro que não ficará com o seu relatório no colo e antecipou que vai apresentá-lo na semana que vem. No final do dia, contrariado, enviou aos colegas do Senado uma carta em que diz que a audiência com Guedes mostrou que o governo deseja aprovar apenas os projetos da Câmara.

Terminou a carta dizendo: “Caberá a nós, senadores, decidir se e em qual direção avançar”.

Foi uma declaração de guerra. Mais um problema para a aprovação do projeto do IR, porque de nada adianta Lira e Guedes apressarem a sua votação se mais à frente encontrarem um muro no Senado. No cenário de hoje, é o mais provável que ocorra com o climão que ficou da audiência.

Numa estratégia arriscada, Guedes disse também na audiência com todas as letras que pode retirar o apoio ao projeto do IR ao afirmar que “prefere não ter reforma tributária do que piorar o sistema”. Se largar o osso, como tem sido aconselhado, deixa Arthur Lira, patrocinador do projeto, na mão. Mas tudo pode não passar de uma estratégia diversionista dos dois para surpreender o plenário na terça com uma votação relâmpago. E se o preço for queda de arrecadação, os dois peitam! É esperar para ver a reação do Senado.

 

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