segunda-feira, 16 de agosto de 2021

Alex Ribeiro - Biden deixa o FMI menos antiglobalista

Valor Econômico

Alocação de dinheiro a membros marca nova fase no organismo

O Brasil vai receber na semana que vem o equivalente a US$ 15,1 bilhões em moeda forte do Fundo Monetário Internacional (FMI) na alocação de recursos que o organismo está fazendo entre os seus membros. O dinheiro vai fazer pouca diferença para nós, já que as nossas reservas internacionais somam US$ 354,5 bilhões. Mas esse é um marco da mudança feita pelo presidente americano, Joe Biden, na relação com o FMI, que volta a ter uma visão de maior colaboração global.

A ideia de distribuir dinheiro entre os membros surgiu no ano passado, como uma resposta à crise da covid, que criou um aperto de liquidez entre os países mais pobres e aumentou a demanda de gastos em saúde. O Brasil não era um interessado direto na alocação de recursos, porque tem altas reservas e porque foi um dos beneficiados com uma linha de swap em dólares aberta pelo Federal Reserve (Fed, o BC americano). Ainda assim, o diretor-executivo do país, Afonso Bevilaqua, foi um dos advogados da proposta, assumindo o papel tradicional do país de defender as posições dos emergentes.

Com Trump, porém, a iniciativa não prosperou - não apenas pelo estilo pessoal do então presidente americano, mas pela tradicional postura de seu partido, o Republicano, contra a alocação de recursos desta forma. “Os republicanos em geral defendem um FMI que libera dinheiro mediante políticas de ajuste”, diz Pedro Fachada, ex-diretor alterno da cadeira brasileira no Fundo.

O FMI costuma socorrer os seus membros em dificuldades por meio de seus programas de empréstimos, em que liberam dinheiro a conta-gotas conforme os países cumprem condicionalidades, como o ajuste de suas contas públicas ou aprovação de reformas econômicas. Desta vez, está sendo feito de uma forma diferente. Vai distribuir a todos os seus membros os chamados Direitos Especiais de Saque (DES), que é uma espécie de moeda escritural do FMI.

Na prática, o DES vale como dinheiro, já que é baseado numa cesta de moedas fortes (dólar, euro, libra, iene e yuan) e alguns membros mais parrudos do organismo têm a obrigação de dar liquidez imediata a ele. Para os republicanos, é um “free lunch”, um almoço grátis, uma grana recebida sem esforço. Além do mais, como a alocação do DES é feita a todos os membros de acordo com as cotas de cada um, acaba beneficiando até quem os EUA não se dão bem, como Venezuela e Irã.

A cabeça de muitos dos republicanos é povoada por outros fantasmas. Um deles é que, ao emitir DES, haveria uma expansão monetária global com efeitos inflacionários. Outra é que, se o volume de DES aumentar muito, haverá uma ameaça ao dólar como a principal moeda de reserva.

O DES é carioca, lembra Fachada, porque foi criado no encontro anual do FMI de 1967, no Rio de Janeiro, na ditadura militar. Como anfitrião, o então ministro da Fazenda, Delfim Netto, saudou o novo instrumento como “um grande passo na consolidação do sistema de pagamentos internacional”. De lá para cá, houve cinco emissões, das quais apenas uma foi num governo republicano, de Richard Nixon, na década de 1970. A emissão costurada por Bill Clinton em 1997 demorou 12 anos para ser aprovada no Senado americano, em 2009, no clima de urgência criado pela crise global do subprime.

Mal assumiu o cargo, em janeiro, o governo Biden tocou adiante a alocação de DES, numa postura mais globalista do que o antecessor. O FMI calibrou a distribuição de DES de forma a não precisar, desta vez, aprovação do Senado dos Estados Unidos. A lei americana dispensa a aprovação legislativa se a alocação de DES for menor que a cota americana.

Um dos problemas é que, como os recursos são distribuídos de acordo com o tamanho das cotas, os países ricos vão ficar com mais dinheiro. A alocação, no total, soma US$ 660,6 bilhões, e os sete países ricos do G-7 ficam com 43%, ou US$ 282 bilhões. Já os 69 países mais pobres terão apenas 3,2% do dinheiro, ou US$ 20,8 bilhões. “Essa contradição tem gerado discussões no FMI, no G20 e mesmo entre organizações da sociedade civil sobre como reciclar o DES dos países que não precisam para aqueles que efetivamente necessitam dos recursos”, diz Fachada.

Uma das iniciativas é para os países ricos direcionarem o dinheiro para um fundo do FMI que administra empréstimos para países de baixa renda. Também existe o interesse em repassar dinheiro para outros organismos multilaterais, como o Banco Africano de Desenvolvimento. O Reino Unido está puxando as discussões para destinar recursos para a compra de vacinas conta a covid para os países mais pobres. Os Estados Unidos estão apoiando todas essas iniciativas.

A postura americana sob Biden é muito diferente da que havia com Trump, mas a onda globalista e de cooperação é muito menos ambiciosa do que a que houve há pouco mais de uma década. Em 2009, houve uma distribuição de DES e, no ano seguinte, Barack Obama apoio o aumento de cotas de países emergentes no FMI. O Brasil foi o segundo que mais ganhou, atrás apenas da China. Nossa representação subiu de 1,7% para 2,3%. Hoje, as relações entre os Estados Unidos e a China são bem mais tensas do que naquela época, por isso não é de se esperar progresso nessa agenda de ampliação da presença dos países emergentes na representação do FMI.

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O tamanho do ciclo de aperto de juros já estava incerto, com os analistas prevendo que a Selic vá subir dos atuais 5,25% ao ano para percentuais entre 7,25% ao ano 8% ao ano, ou mais. Ficou um pouco mais incerto depois que o presidente do Banco Central, Roberto Campos Neto, indicou que as estimativas da autoridade monetária para o juro neutro, hoje em 3% ao ano em termos reais, tem viés de alta.

“Na medida em que você leva em consideração os novos dados macroeconômicos, você começa a considerar que, se tiver algum, você tem um viés para se tornar mais alto, não mais baixo, embora eu não tenha um número e nós não tenhamos comunicado um número neste momento”, disse, num evento do banco UBS BB. É o preço do risco fiscal, que tem piorado recentemente.

 

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