sábado, 21 de agosto de 2021

Claudio Ferraz - A foto da desigualdade

O Globo

Na semana passada uma foto divulgada pela Ável, escritório de assessoria digital da XP Investimentos, gerou grande controvérsia na imprensa e nas mídias sociais. Nela aparece um grupo de aproximadamente cem jovens, em sua maioria homens brancos, posando na cobertura de um prédio. A foto gerou revolta e levou entidades dos movimentos negro e feminista a protocolarem uma ação civil pública pela falta de diversidade no quadro de funcionários.

Num artigo no portal UOL, Márlon Reis, advogado que representa as entidades na ação, argumenta que esse é um caso exemplar de discriminação, "que mostra como o processo de recrutamento nas empresas pode ser cruel".

Apesar da Ável e XP terem sido a bola da vez, tenho certeza que a composição demográfica de diversas corretoras e bancos de investimento não são muito diferentes dessa.

Grandes escritórios de advocacia também não estão muito longe disso e nem a composição de candidatos eleitos pela maioria dos partidos políticos.

Num contexto que conheço de perto, jovens homens brancos também são maioria em programas de mestrado de administração e economia em instituições de elite como o Insper, FGV e PUC-Rio.

Uma resposta que muitas organizações dão para esse tipo de situação é dizer que não há candidatos com outras características no mercado de trabalho. Ou seja, o problema é a falta de oferta de mão de obra qualificada por mulheres e homens pretos.

Mas será que esse é realmente o problema ou será que existe uma discriminação sistemática na contratação? 

Uma pesquisa que saiu recentemente nos EUA, feita pelos economistas Patrick Kline, Evan Rose e Christopher Walters, das universidades de Berkeley e Chicago, tenta responder a essa pergunta. Eles usaram anúncios de emprego de 108 empresas americanas na lista das Fortune 500 e mandaram 83 mil currículos fictícios para esses anúncios.

O estudo buscou influenciar a percepção do empregador mudando de forma aleatória os nomes dos candidatos. A ideia de utilizar nomes que são usados tipicamente pela população negra nos EUA como Lakisha e comparar com nomes que são usados tipicamente pela população branca como Emily já tinha sido empregada antes por Marianne Bertrand e Sendhil Mullainathan num trabalho publicado em 2004.

Os economistas Kline, Rose e Walters encontraram que candidatos com nomes tipicamente usados por indivíduos negros como Lakisha e Jamal recebem 9% menos ligações de volta quando comparados com candidatos com nomes tipicamente brancos e curriculum idênticos.

Eles também encontraram diferenças entre gêneros. No entanto, grande parte da discriminação contra negros e mulheres está concentrada em um pequeno número de empresas.

Aproximadamente 20% das 108 firmas são responsáveis por cerca de 46% dos contatos que não são feitos com candidatos negros.

Que tipo de firmas parecem discriminar mais?

Os autores encontram que firmas onde o empregado tem mais interacões sociais discriminam mais contra negros e mulheres como serviços de carros, vendas e varejo. Além disso, firmas que usam processos de RH mais centralizados.

O trabalho de Kline, Rose e Walters mostra que algumas empresas discriminam de forma sistemática na hora de chamarem candidatos para entrevistas de trabalho e que esse processo viesado é relevante para explicar, pelo menos em parte, a falta de representatividade em algumas companhias.

Mas isso não explica completamente a falta de representatividade na polêmica foto divulgada pela Ável.

Em outro trabalho que está por sair na American Economic Review, os economistas François Gerard, Lorenzo Lagos, Edson Severnini e David Card mostram que no Brasil aproximadamente dois terços da subrepresentação de pardos e pretos em firmas que pagam salários mais altos se deve às diferenças de habilidades (educação ou formação profissional) entre brancos e negros.

Assim, parece ser que realmente, muitas vezes, não há suficientes economistas pretos ou engenheiras mulheres.

A pressão da sociedade civil, das mídias sociais e dos consumidores é bem-vinda para mudar o comportamento e valores das empresas. Mas somente essa pressão e ações civis públicas não resolverão o problema.

Precisamos que a promoção da diversidade comece na escola com programas que incentivem mulheres e negros a se interessarem por matemática e ciências. E que continue nas universidades para que as habilidades necessárias em ocupações que pagam salários mais altos sejam distribuídas de forma mais igualitária.

 

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