terça-feira, 3 de agosto de 2021

O que a mídia pensa: Editoriais

EDITORIAIS

Falta um pacote de governo

O Estado de S. Paulo

Ações de improviso, concebidas para um objetivo pessoal, a busca da reeleição em 2022, adiam a proposta de um rumo para o País

Enquanto repete a ameaça golpista às eleições, o presidente Jair Bolsonaro, por via das dúvidas, tenta montar um pacote eleitoral de bondades. Em busca de votos, o governo estuda um aumento do Bolsa Família, isenção mais alta para o Imposto de Renda (IR), redução da alíquota para empresas e outras medidas de alcance variado. São, na maior parte, ações de improviso, concebidas para um objetivo pessoal, a busca da reeleição em 2022. Não servem sequer como esboço de um cenário prospectivo nem chegam a compor um compromisso de longo alcance. Completados mais de dois anos e meio de mandato, Bolsonaro e seus auxiliares, incluído o ministro da Economia, Paulo Guedes, continuam devendo o pacote mais importante, o de governo, com a proposta de um rumo para o País.

Nem sequer o pacotinho eleitoreiro é bem fechado. As bondades, se concretizadas, envolverão novos gastos e redução de receitas. Falta explicar, entre outros pontos, como as mudanças serão acomodadas nas contas públicas. Não se trata apenas de saber como certos limites serão respeitados. A inflação muito alta abrirá espaço no Orçamento do próximo ano. Alguma solução será encontrada para o problema do teto de gastos, talvez com a abertura de alguma exceção. As questões mais importantes são outras. Falta explicar de onde sairá dinheiro para cobrir as novas despesas e, se for o caso, para compensar a perda de receitas.

No caso de gastos permanentes, como o Bolsa Família, é preciso pensar em fontes permanentes de arrecadação. Também é recomendável identificar compensações permanentes para renúncias fiscais duradouras. Não tem sentido contar com receitas de privatização e, além disso, vender estatais, assim como criar estatais deve ser parte de um plano. Vender por vender, só para simplificar a gestão? Decisões tão importantes deveriam sempre estar vinculadas a um plano de governo – mais precisamente, a um plano de modernização e de crescimento, algo jamais apresentado pelo atual presidente ou pela equipe econômica.

Contar simplesmente com o crescimento da arrecadação, como se fosse algo assegurado, é sinal de irresponsabilidade. Se crescer 5,5% neste ano, a economia ficará pouco acima do nível de 2019, um ano muito ruim. Além disso, nada aponta aceleração nos próximos anos. No mercado, a mediana das projeções indica expansão de 2,10% em 2022 e de 2,50% nos anos seguintes. É impossível prever números melhores quando faltam investimentos em máquinas, equipamentos, infraestrutura, obras particulares, formação de capital humano e tecnologia. Que formação de capital humano pode haver sob um governo inimigo da educação, da cultura e da ciência? (Ver abaixo o editorial Desprezo pelas instituições.)

Mas o pacotinho inclui um arremedo de programa de emprego e de qualificação para jovens, com pagamento parcial de custos pelo governo. Na prática, é mais uma tentativa de apenas baratear a mão de obra, como se isso pudesse substituir uma política séria de crescimento e de criação de empregos.

Não se pode acreditar num jogo desse tipo, especialmente quando o governo tenta arrebatar dinheiro do Sistema S – respeitado pela formação de mão de obra de alta qualidade – para finalidades nada claras. Líderes empresariais têm resistido a essa investida, já condenada por um conhecido especialista em política de mão de obra, o professor José Pastore, da Universidade de São Paulo. “O governo quer o dinheiro, não a expertise” do Sistema, escreveu ele em artigo recente no Estado.

Parte do pacotinho contém a promessa de regularização tributária. Ao elevar para a pessoa física a faixa de isenção do IR, o governo apenas atenua um velho problema, a falta de correção com base na evolução dos preços. Com a constante desatualização das faixas, o contribuinte tem sido, há muito tempo, supertributado.

Enquanto estuda essas bondades, o governo prepara o projeto de Orçamento de 2022, sob controle mais aberto do Centrão, instalado oficialmente no Palácio do Planalto. Pelo menos o Centrão tem um plano claro e bem conhecido: ganhar com qualquer governo, enquanto o governo durar.

Desprezo pelas instituições

O Estado de S. Paulo

Ao criticar o IBGE, ministro da Economia perde credibilidade e se desmoraliza

Irritado porque o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) divulgou na última sexta-feira que a taxa de desemprego no segundo trimestre deste ano foi de 14,6%, o que, a seu ver, prejudica não apenas a imagem do governo num ano pré-eleitoral, mas, também, a de sua própria gestão à frente do Ministério da Economia, o ministro Paulo Guedes voltou a entrar em rota de colisão com esse órgão. Agora, ele o acusou de “estar na idade da pedra lascada”. 

Esse tipo de desqualificação e a motivação que o levou a recorrer a ela dão a dimensão de como o ministro não tem o menor apreço pelas instituições. Criado em 1938, o IBGE foi originariamente concebido como um órgão encarregado de coordenar a produção estatística do País, integrando dados estatísticos e informações coletadas pelas prefeituras, pelos Estados e pela União. Com o tempo, ele mesmo passou a promover pesquisas, das quais a mais importante é o Censo Demográfico. Por seu alcance, capilaridade e capacidade de captar informações em todas as regiões de um país com dimensões continentais, ele faz levantamentos e pesquisas que a iniciativa privada não tem condições técnicas e logísticas de promover e que são decisivas para o planejamento de seus projetos de expansão e criação de novos negócios. 

Desde que assumiu o Ministério da Economia, Guedes não esconde sua antipatia por essa instituição. Alegou que ela custa caro, criticou seu corpo técnico, defendeu a contratação de trabalhadores temporários e negou recursos orçamentários para a realização do Censo Demográfico de 2020. O que o levou a entrar em novo confronto com o IBGE, na semana passada, foi uma divergência sobre números do emprego entre a Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) Contínua, feita pelo órgão, e o Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), que trabalha com dados oficiais das empresas. Segundo Guedes, embora o governo venha “gerando praticamente 1 milhão de empregos a cada três meses e meio”, a Pnad Contínua estaria atrasada na coleta desses números, entre outros motivos, por usar entrevistas por telefone para calcular a taxa de desemprego. 

O que o ministro despreza por conveniência política é que as bases de dados dessas duas pesquisas são distintas, motivo pelo qual seus números não podem ser comparados. Seguindo padrões internacionais, a Pnad Contínua capta modalidades de trabalho – como o informal, por exemplo – que não aparecem nos números do Caged. O que Guedes também oculta é que as pesquisas do IBGE sobre emprego sempre foram presenciais. Elas só passaram a ser realizadas por telefone por causa da pandemia e agora, com o avanço da vacinação, as entrevistas presenciais estão sendo gradativamente retomadas. 

Como era inevitável, as críticas de Guedes foram mal recebidas pela comunidade científica. Presidente do IBGE entre 2017 e 2019, o engenheiro Roberto Olinto afirmou que o ministro da Economia foi duplamente “leviano”. De um lado, por revelar um total desconhecimento técnico sobre pesquisas sobre desemprego. E, de outro, por ter criticado o sistema de entrevista telefônica do IBGE apenas com o objetivo de desviar a discussão da questão essencial, “que é o elevado desemprego detectado pela Pnad Contínua”. Não menos contundentes foram as críticas do sociólogo Simon Schwartzman, que presidiu o IBGE entre 1994 e 1998. “Se Guedes acha que o órgão está na idade da pedra lascada, o que está fazendo para melhorar? Ele é o responsável pelo IBGE e fala como se não fosse. Além de dizer bobagem, se o IBGE tem dificuldades é porque o ministro não sabe cuidar dele.” 

Ao seguir assim a triste sina do governo do qual faz parte, e que prima por tentar reiteradamente desqualificar ou afrontar as instituições, Paulo Guedes acabou cometendo um grave equívoco político. Ele se esqueceu de que, quanto mais tenta desacreditar órgãos públicos que se negam a manipular estatísticas e informações que permitam maquiar a imagem de um governo inepto e desastroso, mais ele perde credibilidade e se desmoraliza. 

A ‘cupinização’ da democracia

O Estado de S. Paulo

Sob Bolsonaro, políticas públicas são concebidas como se vivêssemos sob estado de exceção

O presidente Jair Bolsonaro mobilizou sua militância aloprada para protestar contra as urnas eletrônicas, responsáveis, segundo os bolsonaristas, por grossas fraudes nas eleições de 2014 e 2018. Embora Bolsonaro não tenha provado nenhuma das irregularidades que alardeia há três anos, seus camisas pardas se animaram a ir às ruas para denunciar o atual sistema de votação.

Não eram muitos os manifestantes, é verdade, mas, para Bolsonaro, isso não tem a menor importância: em seu discurso, meia dúzia de gatos pingados se torna uma “multidão”. E a essa “multidão” o presidente reiterou suas ameaças de golpe. Depois de dizer que “sem eleições limpas e democráticas não haverá eleições”, Bolsonaro conclamou seus seguidores, a quem ele chamou de “meu exército”, para “fazer com que a vontade popular seja expressada na contagem pública dos votos”.

Que não haja dúvidas: embora a afluência às manifestações tenha sido baixa, é certo que há bolsonaristas celerados o bastante para atender ao chamamento irresponsável do presidente e causar tumultos na época da eleição – em especial se o resultado for desfavorável a Bolsonaro.

Ainda que cause justificada apreensão no País, esse investimento presidencial na confusão e nas ameaças se presta menos a prenunciar uma efetiva tentativa de golpe e mais a tirar a atenção de uma forma bem mais sutil de deterioração da democracia que está sendo levada adiante por Bolsonaro.

Conforme reportagem publicada pelo Estado no domingo, em menos de três anos de mandato o presidente Bolsonaro e seus assessores já editaram 88 decretos, medidas provisórias, portarias, pareceres ou resoluções, além de patrocinarem projetos que visam a corroer o Estado ou a atentar contra liberdades civis e direitos constitucionais.

A estratégia não é nova. Regimes autoritários da primeira metade do século passado criaram detalhada legislação para conferir verniz de legitimidade ao arbítrio. A diferença é que nos países em que isso ocorreu a democracia já havia sido esmagada. Hoje, as instituições democráticas continuam existindo, mas estão sendo emasculadas por uma legislação criada para dar ao governante a capacidade de moldá-las a seus propósitos.

No Brasil de Bolsonaro, o exemplo é a Venezuela ou a Polônia, países em que candidatos a ditadores foram arruinando aos poucos o sistema de freios e contrapesos. Não por acaso, ambos começaram pela Suprema Corte, que existe para zelar pelo respeito à Constituição.

Como mostra a reportagem, Bolsonaro prometeu desde a campanha ampliar o número de ministros do Supremo Tribunal Federal, para “pôr juízes isentos lá dentro”. Com Bolsonaro eleito, o governo tentou contrabandear na reforma da Previdência um artigo que permitiria modificar a idade-limite para a aposentadoria de ministros do Supremo por meio de lei complementar. Se vingasse, o dispositivo daria a Bolsonaro o poder de renovar o Supremo como bem entendesse.

O bolsonarismo ataca de maneira semelhante nas áreas de educação, cultura, ambiente, segurança pública e saúde. Em vários casos, o padrão é o mesmo: redução da participação da sociedade civil, afrouxamento da legislação para permitir o arbítrio e distorção de princípios constitucionais.

Na feliz definição de Celso Lafer, professor emérito da USP e ex-chanceler, trata-se de um processo de “cupinização” das regras do direito e das instituições democráticas. É essa degradação que transforma exceção em regra, dando ao governante autoritário o poder de definir essa exceção. “No fundo, o que Bolsonaro quer é ter o poder soberano de declarar a exceção”, disse Lafer.

Nesse processo, como afirma Luís Manuel Fonseca Pires, professor de direito na PUC-SP, as políticas públicas são concebidas como se vivêssemos sob estado permanente de exceção. Com tal característica, essas políticas perdem seu caráter público e se destinam a punir inimigos – e, por extensão, a favorecer amigos do regime.

Assim, enquanto entretém o País com seu discurso golpista, Bolsonaro avança sobre os pilares da mediação de vontades típicas de uma democracia – o direito e a política – para impor suas veleidades na marra.

Aula de desigualdade

Folha de S. Paulo

Ensino presencial precisa diminuir o fosso entre escolas públicas e privadas

O tardio retorno às aulas nas escolas do estado de São Paulo merece todo apoio. Já era tempo de pôr ponto final no abandono a que o alunado esteve relegado durante a pandemia, como se a educação figurasse entre as últimas prioridades do governo e da sociedade.

O Brasil todo entregou-se a tal descaso. Com raras exceções, redes municipais e estaduais de ensino interromperam aulas em classe por um ano ou mais, pondo o país entre os que mais demoraram a retomá-las —a comprovar que aqui pouco se valoriza o principal instrumento para reduzir uma escandalosa desigualdade.

O recurso lenitivo a aulas remotas atendeu só aos poucos estudantes de escolas públicas com acesso a conexões informáticas de qualidade. Mesmo para essa elite do ensino oficial, horas de estudo e assiduidade caíram vertiginosamente.

O Estado falhou de modo flagrante no dever de prover educação, mesmo tomando em conta as dificuldades criadas pela Covid-19. A promessa de dotar todos os alunos de meios digitais para atividades ainda não passa de miragem.

O resultado se conhece bem: crianças e jovens não só não progrediram tanto quanto deveriam como a suspensão das aulas presenciais implicou uma regressão no aprendizado. Em algumas escolas e séries, calcula-se que até 11 anos sejam necessários para recuperar habilidades e conteúdo não assimilados.

Suscita espanto que profissionais de educação tenham resistido por tanto tempo a retomar o trabalho em classe. Fizeram bem em batalhar por condições de segurança sanitária, mas não resta dúvida de que dedicaram mais empenho aos próprios interesses do que aos direitos de seus pupilos.

Qualquer pessoa pode intuir, como aliás indicam pesquisas, que os mais prejudicados em formação e qualificação são os alunos mais pobres. O atraso pesará por muito tempo, diminuindo-lhes as já exíguas vias de mobilidade social —e o desvão de oportunidades aumenta até no retorno à escola.

Em São Paulo, estabelecimentos privados de ensino se preparam para receber a totalidade dos estudantes nas classes. Em contrapartida, escolas da rede estadual devem adotar um esquema de rodízio, mantendo ainda 50% dos jovens em ensino remoto.

Espaço e equipamentos de alguns colégios públicos podem não ser ideais para receber todos os alunos em classe. Isso, no entanto, é algo a ser resolvido caso a caso, não adiando aulas indefinidamente.

Basta: chegou a hora de voltar a perseguir o equilíbrio entre demandas da corporação e a obrigação de combater a desigualdade socioeconômica devolvendo aulas de verdade, interação social e merendas a quem delas mais precisa.

Novo epicentro

Folha de S. Paulo

Com vacina atrasada, Sudeste Asiático vê disparada da Covid; África também sofre

Considerado até pouco tempo atrás exemplo de sucesso na contenção da pandemia, o Sudeste Asiático vem enfrentando um aumento vertiginoso de infecções e mortes causadas pela Covid-19 e se convertendo em novo epicentro da doença no mundo.

O caso mais alarmante é, de longe, o da Indonésia. O país de 240 milhões de habitantes registra atualmente a maior quantidade de óbitos no mundo, com média de aproximadamente 1.800 por dia. São seis vezes os 300 que a nação insular anotara no pico anterior.

Embora em situação menos grave, o Vietnã também inspira preocupações. Com apenas 35 mortes até maio, o país conheceu uma explosão de óbitos em julho, chegando a registrar 392 vítimas num único dia. As infecções, que até então eram de poucas centenas, já se aproximam de 10 mil diárias.

Os principais fatores por trás do fenômeno são a disseminação da variante delta e a baixa cobertura vacinal da região. Mais contagiosa, embora aparentemente não mais letal, a delta já está presente em 132 países e vai se tornando preponderante no planeta.

Esse alastramento é impulsionado pela morosidade na imunização. As duas nações mais populosas do Sudeste Asiático, Indonésia e Filipinas, não lograram vacinar completamente nem 8% de seus habitantes. A situação é ainda pior no Vietnã, com um ínfimo 0,6%.

Quadro semelhante se esboça na África, onde somente 1,6% da população foi totalmente vacinada. Desde julho, o continente enfrenta sua pior quadra na pandemia, tanto em número de contaminações como de mortes.

Em regiões onde a imunização alcança níveis mais elevados, casos de Europa e Estados Unidos, os riscos se mostram menores, apesar do avanço da variante. Com mais de 50% da população adulta vacinada e boa parte das restrições abolidas, ambos vêm registrando um repique de infecções, mas as mortes se mantêm sob controle.

O Brasil, por sua vez, encontra-se a meio caminho entre os piores e melhores cenários. No fim de semana, nossa média móvel de óbitos, não obstante permaneça em patamar elevado, ficou abaixo de 1.000 pela primeira vez desde janeiro.

Neste momento em que a delta se espalha pelo país e estados começam a relaxar o controle sanitário, a vacinação, hoje completa em apenas 20% da população, ganha ainda mais relevância para evitar uma nova onda de contágio.

O Globo

Desafio da CPI da Covid será produzir resultado

Comissão parlamentar de inquérito precisa comprovar de forma objetiva as muitas denúncias que não passam de indícios

Depois do recesso de duas semanas, a CPI da Covid retoma os trabalhos hoje com nova configuração — o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) assume como suplente — e um desafio fundamental: fazer as revelações que por quase três meses dominaram o noticiário terem consequências para além do jogo político. Criada para apurar erros e omissões do governo no combate à pandemia que já tirou a vida de mais de 557 mil brasileiros, a comissão precisa cumprir seu propósito: apontar os responsáveis e os corresponsáveis pelo morticínio.

A punição pela hecatombe sanitária não depende apenas da CPI, onde oposição e independentes ainda são maioria (sete em 11). Dependerá sobretudo da Procuradoria-Geral da República (PGR), a quem caberá dar prosseguimento às denúncias. Em entrevista ao GLOBO, o senador Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da comissão, disse que, a partir da entrega do relatório à PGR, as autoridades terão30 dias para informar as providências tomadas, “sob pena de serem responsabilizadas penal ou criminalmente”. Afirmou ainda que as conclusões serão encaminhadas também ao Congresso e ao Tribunal Penal Internacional.

A denúncia ao tribunal de Haia faz barulho — e só. No Parlamento, o governo tem amplo apoio, e a chance de qualquer processo contra o Planalto é nula enquanto o Centrão de Arthur Lira (PP-AL) mandar na Câmara. Na PGR, o alinhamento de Augusto Aras com o presidente Jair Bolsonaro também sugere empenho tímido — ou nenhum. Recentemente, a PGR teve de ser chacoalhada pela ministra Rosa Weber, do Supremo, para fazer seu trabalho e investigar se Bolsonaro prevaricou no caso das denúncias sobre a compra da vacina indiana Covaxin. Aras queria esperar o fim dos trabalhos da CPI para começar a agir. Rosa disse que não cabia ao Ministério Público o papel de espectador.

Parece haver também desinteresse da Controladoria-Geral da União, que anunciou na semana passada não ter encontrado irregularidades com a Covaxin, a não ser um problema na documentação (se não havia nada, por que o Ministério da Saúde cancelou o contrato de R$ 1,6 bilhão para o qual já havia recurso empenhado?).

A descrença nos resultados da CPI é palpável. Uma pesquisa Datafolha de maio revelou que, para 82%, o Senado fez bem em criar a comissão, mas mais da metade (57%) diz que ela não apresentará resultados. Pouco mais de um terço (35%) afirma acreditar que ela fará uma investigação séria.

Todas essas dificuldades aumentam a responsabilidade da CPI, que precisa comprovar de forma objetiva as muitas denúncias que não passam de indícios. Não adianta ficar abrindo novas frentes de investigação se as demais não estão fechadas. Quanto mais técnico e menos político for o relatório, mais será valorizado. Com o aparelhamento dos órgãos de controle pelo governo Bolsonaro, são reais os obstáculos para levar adiante qualquer punição futura. Apenas conclusões precisas e contundentes poderão aumentar a pressão para punir os eventuais responsáveis. A sociedade quer saber por que alcançamos o segundo maior número de mortes pela Covid-19 no planeta. Mas só isso não basta. É preciso que os erros e omissões na pandemia mais letal em cem anos tenham consequências. A CPI ainda deve isso aos brasileiros.

Valor Econômico

Nova variante ameaça ritmo da recuperação econômica

FMI prevê desaceleração do ritmo de recuperação em 2022

Não é de hoje que o Fundo Monetário Internacional (FMI) vem alertando para a influência da vacinação contra o novo coronavírus na recuperação da economia global. A revisão das projeções do World Economic Outlook (WEO) recentemente divulgada pelo Fundo comprova a relação. A previsão do crescimento global deste ano continuou em 6%, como havia sido estimado em abril, mas houve uma mudança na composição da taxa. Enquanto o crescimento esperado para as economias avançadas aumentou meio ponto, para 5,6%, o projetado para os mercados emergentes foi cortado em 0,4 ponto para 6,3%. Não por mera coincidência, as economias avançadas estão com 40% da população totalmente vacinada, segundo dados de 19 de agosto trabalhados pelo FMI. Já os países emergentes estão com 10%; e os de baixa renda, com menos ainda, 1%.

Outro fator de influência é a política de estímulo fiscal e monetário, em que os países avançados novamente estão na frente. O FMI estima que, desde março de 2020, os países gastaram US$ 16 trilhões para sustentar a economia, mesmo às custas de inflar os déficits para os níveis mais elevados desde a Segunda Guerra Mundial em alguns casos. Os bancos centrais aumentaram seus balanços em US$ 7,5 trilhões, segundo o FMI. Também nesse ponto as economias avançadas levam vantagem, com maior fôlego para bancar crescentes déficits, sem afugentar os investidores.

Entre as economias avançadas, lidera os Estados Unidos, que deve crescer 7% neste ano, a maior taxa desde 1984, estima o Fundo, argumentando com o avanço da vacinação e o pacote trilionário do presidente Joe Biden. Para o Reino Unido, igualmente ágil na imunização, a previsão de crescimento foi elevada em 1,7 ponto para 7%.

Mas o próprio FMI reconhece que a disseminação da variante delta do coronavírus é um fator que põe em risco as previsões mais otimistas. Foi a delta a responsável pelo corte da estimativa de crescimento da Índia, onde surgiu, de 12,5% para 9,5%, percentual ainda elevado. Países do Sudeste Asiático também foram negativamente afetados. A expansão prevista para a China foi cortada de 8,4% para 8,1%, depois que Pequim resolveu retirar medidas de apoio à economia e diminuir investimentos públicos. Já o caso do Brasil, cuja elevação do PIB esperado para o ano subiu de 3,7% para 5,3%, é peculiar a demais exportadores de commodities favorecidos pelo aumento da demanda de parceiros como EUA e China.

A variante delta também pode sepultar a proposta do FMI para que as economias avançadas repassem ou vendam sobras de vacinas para os demais de modo a que 40% da população global em risco seja vacinada neste ano, chegando a 60% em 2022. O Fundo calcula que esse movimento custaria US$ 50 bilhões, mas salvaria meio milhão de vidas e resultaria em aumento de trilhões do PIB global. O Fundo não deixa de ter razão na medida que, para a economia mundial deslanchar, a vacinação deve ser abrangente.

Mas economias avançadas como os EUA e o Reino Unido já começam a rever suas políticas de flexibilização diante do avanço da variante delta e da constatação de que ela é bastante transmissível a partir mesmo de vacinados. Além disso, estão renovando os esforços para que mais pessoas se imunizem, e até cogitam a necessidade de um reforço nos já vacinados. O crescimento do PIB americano à taxa anualizada de 6,5% no segundo trimestre, abaixo do esperado, já é reflexo da nova variante, além de problemas nas cadeias de suprimentos.

Do lado fiscal, o suporte econômico também tem seus limites. As economias avançadas começam a tatear o mercado para avaliar o momento em que vão desmontar ou reduzir as medidas de estímulo. O movimento terá consequências nos mercados emergentes, que dependem do investimento estrangeiro, alertou o Banco para Compensações Internacionais (BIS). No Brasil, o Investimento Direto no País (IDP) teve queda em junho pelo terceiro mês consecutivo, acumulando US$ 46,6 bilhões em 12 meses.

Embora os números sejam promissores até aqui, não há segurança em relação à evolução da pandemia nos próximos meses, o que ameaça a recuperação global dado o desequilíbrio na administração das vacinas. Sinal disso é a previsão do FMI de desaceleração do ritmo de recuperação em 2022. Para o PIB global, a expectativa é de crescimento de 4,9%, com as economias avançadas crescendo 4,4% e 5,2% os mercados emergentes. O Brasil deve ficar bem abaixo, prevê o FMI, com 1,9%.

 

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