domingo, 22 de agosto de 2021

Elio Gaspari - A mágica do imposto atolou

O Globo / Folha de S. Paulo

Reforma tributária desandou quando tentou avançar no caixa de estados e municípios

Na tarde de terça-feira, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, dava a impressão de que, somando promessas a ameaças, aprovaria o pacote chamado de reforma tributária. À noite, viu que se fosse a voto, o projeto morreria. Adiou a votação por uma semana, que depois virou uma quinzena, e a esta altura não se sabe seu futuro. Bem feito, esperteza quando é muita, come o dono.

A construção do pacote foi patética. Pretendia financiar um projeto que substituiria o Bolsa Família, sem explicar por quê. Como todas as iniciativas do gênero, vinha fantasiada de redução da carga tributária, mas acabaria elevando-a.

No escurinho de Brasília e da pandemia, primeiro salvaram-se os bancos, depois os advogados e os médicos. Em seguida, tentou-se tungar professores. Quando tentaram avançar na caixa dos estados e municípios, a mágica desandou. No dia seguinte, Lira disse que o governo precisava se empenhar melhor, e o doutor Paulo Guedes anunciou que vai chamar a oposição para discutir o projeto, coisa que deveria ter feito há meses.

Toda discussão de reforma tributária é uma barafunda, mas o gato embrulhado nesse pacote foi exposto pelo secretário da Receita Federal. Chama-se estímulo à pejotização. No Brasil, existem dois tipos de trabalhadores: os que vivem sob a Consolidação das Leis do Trabalho e aqueles que se transformaram em pessoas jurídicas, são os pejotas, pagando menos impostos e perdendo benefícios sociais.

O mundo dos pejotas vai da mais absoluta legalidade e racionalidade à fraude pura e simples. Exemplo desse caso: o pejota que dá expediente numa empresa, igualzinho ao celetista da mesa ao lado. Em muitos casos, são as próprias empresas que estimulam essa anomalia.

A pejotizacão, infiltrada na privataria, produziu o efeito colateral da degradação das relações de trabalho em atividades públicas. Isso acontece quando um serviço é fatiado e alguns de seus setores são entregues a empresas privadas com funcionários pejotizados. O pacote que está no Congresso incentiva essa malignidade. O sistema tributário brasileiro é ruim, e a cobrança do Imposto de Renda é pior. Querem agravar o que não presta.

O deputado Celso Sabino (PSDB-PA), relator do projeto atolado, reclamou dizendo que prevaleceu o lobby que protege os maganos que nada pagam sobre os dividendos que recebem. Acertou, mas essa turma está na sombra há décadas precisamente porque todas as tentativas de reforma do sistema tributário tentam tramitar no escurinho de Brasília. Se os defensores do monstrengo mostrarem quem ganha muito e paga pouco, enquanto quem ganha pouco paga muito, a discussão muda de patamar. A luz do Sol é o melhor dos detergentes.

O jabuti do FNDE foi para o TCU

Passados quase dois anos da hora em que a Controladoria-Geral da União (CGU) achou um jabuti de R$ 3 bilhões num edital do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), o bicho andou e aninhou-se na mesa do ministro André Luís de Carvalho, do Tribunal de Contas da União.

Pelo edital, o FNDE compraria algo como um milhão de computadores, laptops e equipamentos eletrônicos para a rede pública de ensino. A CGU sentiu cheiro de queimado e produziu um relatório de 74 páginas mostrando que ele continha erros, absurdos e vícios que beneficiavam fornecedores.

Entre os absurdos, a CGU mostrou que 355 escolas receberiam um número de laptops superior ao de alunos. Numa delas, em Minas Gerais, 265 jovens receberiam 30.030 laptops. Essa gracinha custaria R$ 74,7 milhões à Viúva. Nunca se soube quem botou o jabuti no edital. Agora se sabe que o Ministério Público do TCU estudou o caso e concluiu que não houve “erro grosseiro” nem “má fé” dos gestores.

Se a turma do FNDE tivesse cometido um erro de digitação, mandando 30.030 laptops para a escola, em vez de 303, esse tipo de erro já teria sido grosseiro. Noves fora que foi repetido 355 vezes. Se a CGU tivesse apontado apenas essa incongruência, seria possível dizer que os gestores tomaram vacinas e viraram jacarés. (Há o argumento segundo o qual os 30.030 laptops não seriam entregues, pois o absurdo seria percebido. Certo, mas o magano que está na ponta do fornecimento quer apenas vender sua mercadoria, se ela é entregue ou não, isso não lhe interessa.)

A CGU não mostrou apenas isso. Apontou também a má qualidade da tomada de preços e os sinais de direcionamento favorecendo empresas. Diante do alerta, o edital foi suspenso e, posteriormente, cancelado.

Até agora, havia um jabuti. Com a manifestação do Ministério Público do TCU, fica a suspeita de que o trabalho da CGU rendeu pouco. Serviu para impedir a maracutaia, mas sumiu a autoria.

Lendo-se o relatório da CGU, vê-se o que é um trabalho bem feito. A partir de agora, acompanhando-se o serviço do Tribunal de Contas, será possível entender para que ele serve.

Barroso vivanda

O ministro Luís Roberto Barroso, presidente do Tribunal Superior Eleitoral, quer um representante das Forças Armadas na comissão de transparência do pleito do ano que vem.

Falta explicar o que as Forças Armadas têm a ver com transparência de eleição. Ou os militares e os dentistas confiam na Justiça Eleitoral, ou não há muito a fazer.

Barroso teve a falta de sorte de ver divulgado um encontro semissocial que teve com o vice-presidente Hamilton Mourão.

Nunca é demais lembrar as palavras do presidente Castello Branco em agosto de 1964:

“Eu os identifico a todos. E são muitos deles, os mesmos que, desde 1930, como vivandeiras alvoroçadas, vêm aos bivaques bolir com os granadeiros e provocar extravagâncias do Poder Militar.”

 (Um ano depois dessa fala, diante do resultado da eleição de 1965, insuflados pelas vivandeiras, oficiais da Divisão Blindada queriam ir ao Maracanã, onde estavam sendo apurados os votos de papel da eleição, para sequestrar as urnas. Quem estava lá lembra.)

Boquinha americana

Desde a primeira hora do desastre de Cabul começou a circular o mantra de um número mágico segundo o qual os Estados Unidos gastaram mais de US$ 1 trilhão durante os 20 anos de ocupação do Afeganistão.

É verdade, mas falta decompor essa cifra, calculando-se quanto desse dinheiro foi para o bolso de afegãos e quanto foi embolsado por americanos.

Desde o governo de George Bush, as Forças Armadas americanas foram infiltradas por um processo de privataria no qual militares da reserva e ex-funcionários dos serviços de informação transformaram-se em empreiteiros de obras e serviços. Quem está acompanhando a CPI da Covid, com as tramoias das vacinas, viu esse fenômeno, em ponto muito menor, operando em Pindorama.

Quem entende de dinheiro y de outras cositas más calcula que, no máximo, 20% desse trilhão entrou nos bolsos de afegãos.

Raquel Dodge

Ocupando a Procuradoria-Geral da República depois de Rodrigo Janot e antes de Augusto Aras, Raquel Dodge foi um ponto fora da curva.

 

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