quarta-feira, 18 de agosto de 2021

Fernando Exman - Insegurança jurídica na segurança nacional

Valor Econômico

Prazo para sanção precede as próximas manifestações

Primeiro de setembro. É este o prazo para a sanção - ou veto - do projeto de lei que revoga a Lei de Segurança Nacional e define crimes contra o estado democrático de direito. Tema sensível, que merecia uma discussão à margem da crise provocada pelo próprio chefe do Executivo.

Existe um fator agravante. A decisão terá que ser dada a poucos dias das próximas manifestações marcadas contra e a favor do governo, criando assim o cenário ideal para que o assunto se transforme em um novo ponto de fricção nas relações entre os Poderes.

É enorme a probabilidade de o despacho do presidente Jair Bolsonaro a ser publicado no "Diário Oficial da União" alimentar o já esgarçado debate político, seja a sua opção pela sanção do projeto ou uma decisão de vetá-lo total ou parcialmente. Ficam em segundo plano reflexões sobre o que pode representar à soberania um vácuo legislativo. A normatização de questões relativas à segurança nacional não é algo estranho mundo afora.

É verdade, porém, que a lei serviu de base para abusos. E a votação do projeto foi justamente uma reação do Parlamento aos ataques do presidente e algumas práticas lamentáveis da atual administração, como a intimidação de opositores.

Foi uma forma de o Congresso enviar um recado ao Palácio do Planalto de que daria um passo à frente na construção de trincheiras na defesa da democracia, indo além da divulgação de inócuas notas de repúdio, mas sem expor individualmente seus integrantes ou membros da mesa diretora. Em uma crise institucional, uma resposta institucional.

A proposta foi aprovada num dia simbólico, apenas poucas horas depois do heterodoxo desfile de veículos blindados convocado por Bolsonaro.

A “tanqueciata”, organizada em meio a uma mobilização liderada pela Marinha, gerou profundo mal-estar entre as Forças Armadas. Ainda assim, não teve o resultado pretendido pelo Planalto de pressionar o Congresso antes da votação da proposta de emenda constitucional que reinstituiria o voto impresso no Brasil. O governo ficou sem a PEC e sem a Lei de Segurança Nacional.

A LSN tem longa história. Embora não seja unanimidade nem mesmo entre militares, poderia ser substituída por um conjunto de regras fruto de uma pactuação dos diversos setores da sociedade, militares e da comunidade de inteligência. Isso demandaria tempo e temperança.

Na época do Império, por exemplo, havia a previsão do crime de lesa-majestade. Existia até uma confusão entre eventuais atos praticados contra a pessoa do rei e sua família das ações dirigidas contra a nação.

Em 1935, uma Lei de Segurança Nacional foi promulgada para definir o que se considerava, à época, os crimes contra a ordem política e social. Criava-se um regime mais rigoroso. Abandonava-se garantias. Era também um momento de radicalização política.

Mesmo após a queda da ditadura do Estado Novo, em 1945, o dispositivo foi mantido na legislação. Durante a ditadura militar, ganhou novos contornos.

A lei que agora está sob análise é a originada naquele período, de dezembro de 1983. Ela definiu os crimes contra a segurança nacional e estabeleceu regras para o seu processo e julgamento, mas, por outro lado, passou a ser objeto de severas críticas sobre seu caráter antidemocrático e restritivo às liberdades individuais e aos movimentos sociais. Todas legítimas.

Tais críticas ganham força quando um presidente, entusiasta do período de exceção, insiste em invocar um suposto “poder moderador” das Forças Armadas contra o que considera ameaças internas.

Mas já começaram as pressões de setores das forças de segurança, base eleitoral relevante de Bolsonaro, para que o presidente vete a proposta. Ou pelo menos vete alguns dos trechos considerados mais sensíveis, aqueles que, segundo eles, fragilizará o combate à espionagem e reduzirá o poder do Estado de agir contra grupos violentos em manifestações.

Bolsonaristas condenam, também, a tentativa de punir quem criticar os chefes de Poderes. Acreditam que poderá haver abusos nas interpretações sobre o que é incitar animosidade entre as Forças Armadas ou delas contra os poderes constituídos, as instituições civis ou a sociedade. A pressão tende a crescer.

Visão de fora

Aliás: a deterioração do ambiente político é vista com grande preocupação por diplomatas estrangeiros instalados em Brasília.

De um lado, há grande expectativa com o resultado dos recentes esforços de reconstrução das pontes entre os Poderes. Do outro, a certeza de que não haverá apoio da comunidade internacional a uma ruptura institucional no Brasil.

Reforma do IR

Se há um local em que é fácil de ver cenas explícitas de corporativismo, este lugar é o Congresso Nacional. Habitat natural de lobistas e grupos de pressão, o Legislativo pode ser mais ou menos hostil em relação aos projetos em discussão, dependendo dos interesses e atores envolvidos. Com frequência, a despeito da orientação dos partidos, a origem profissional do parlamentar acaba sendo um fator determinante para o seu voto.

É o caso da reforma do Imposto de Renda. Nos últimos dias, o deputado Celso Sabino (PSDB-PA) precisou fazer ajustes para beneficiar médicos, advogados e profissionais liberais. A situação dos professores também surgiu nas negociações.

Categorias cuja força política não pode ser desprezada: dos 513 deputados eleitos em outubro de 2018, 78 são advogados e 34 médicos. Os professores somam 29.

No Senado, os interesses dos Estados têm mais peso no processo legislativo, mas ainda assim essas categorias terão força para influenciar a tramitação da reforma.

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