O Globo
Agosto é um estranho mês, todos sabemos no
Brasil. Por que não o seria sob Bolsonaro, que em si já é um estranhíssimo
governo?
Numa noite dessas de agosto, vi nas redes
um cantor sertanejo nos ameaçando de caos e até fome se não adotássemos o voto impresso.
Na minha santa ignorância, perguntei: mas o
que pensa o outro?
Achava que os cantores sertanejos sempre se
apresentam em dupla, mas o autor da ameaça faz uma carreira solo. Achava também
que cantam amores perdidos, a natureza, um pé de serra, um animal de estimação.
O cantor se dizia ligado aos caminhoneiros,
daí o caos e a fome que se espalhariam pelo país. Minha perplexidade foi ainda
maior: diesel e gasolina aumentam desde o princípio do ano, o etanol já está
34% mais caro. Merecíamos um castigo tão grande, por optar pela votação
eletrônica?
Tenho sonhado muito nos últimos anos. Todas
as noites, sonhos disparatados, mas — o que fazer? — sonhos adoram o absurdo.
Sinceramente fiquei com medo de dormir e sonhar com a multidão pedindo a volta dos orelhões com fichas nas bancas de jornal. Ou numa hipótese mais radical, cartazes exigindo a volta do Rhum Creosotado, aquele dos famosos anúncios nos bondes de antigamente.
A indecisão diante do sono me lembrou uma
história muito contada. É a do pobre homem que vivia num cômodo abaixo de um
boêmio que chegava tarde à noite e tirava ruidosamente as botas. As duas
pancadas da bota batendo no assoalho arruinavam o sono do vizinho de baixo.
Um dia ele tomou coragem, foi até o boêmio
e pediu que tirasse as botas silenciosamente. Ao voltar para casa de madrugada,
um pouco bêbado, o homem tirou uma bota ruidosamente e se lembrou do vizinho,
corrigindo-se logo e depositando a outra em silêncio.
Aconteceu o previsível: o pobre homem
passou a noite esperando que a outra bota fosse depositada, até que subiu ao
quarto do boêmio e pediu que jogasse logo a outra bota, pois precisava dormir e
trabalhar bem cedo.
A situação de muitos de nós é parecida.
Estamos à espera de um golpe sempre anunciado nas entrelinhas e temos vontade
de que tentem logo, para resolvermos nossa vida.
Os historiadores teriam dificuldade de
explicar um golpe liderado por um cantor sertanejo.
Leio que ele se arrependeu, amigos disseram
que bebeu muito.
Outra perplexidade de agosto: um sertanejo
bêbado cantando um tango é muito mais previsível do que propondo um golpe.
Mas, como se diz na linguagem popular, onde
há fumaça há tanques, outras pessoas com chapéu de caubói aparecem na internet
dizendo que acabou a tolerância, que agora o país pegará fogo se não adotarmos
o voto impresso.
Rigorosamente, os biomas brasileiros estão
pegando fogo. Não teremos como os afegãos a possibilidade de nos agarrarmos no
trem de pouso de aviões que partem.
Nossa única chance seria abraçarmos os
pássaros maiores, jaburus, gaviões, urubus-reis, nhambus, jacus, e tentar
pousar noutras raras florestas do planeta.
Com todo o respeito a essas pessoas com
chapéu de caubói que se sentem acima do Estado Democrático de Direito, é
preciso lembrar que a população se sente cada vez mais distante do governo
Bolsonaro.
As pesquisas mostram a crescente
consciência de que Bolsonaro foi apenas um acidente histórico e de que, apesar
da importância númerica das forças conservadoras no Brasil, ele não as
representa na sua totalidade.
Quando essa consciência se cristaliza, a
extrema direita isolada nada pode fazer, além de cargas de cavalaria como nos
filmes de faroeste e desfiles de tanques enfumaçados.
A imposição pela força é uma visão
idealista que não se sustenta nem à direita nem à esquerda. A exportação do
socialismo empurrado por baionetas fracassou na Europa; o idealismo liberal de
se instalar no Afeganistão foi um fracasso.
Por mim, podem jogar logo a segunda bota,
apesar do barulho e do peso das esporas.
Gabeira como sempre; NA MOSCA!!!
ResponderExcluirGABEIRA COMO SEMPRE, NA MOSCA!!!
ResponderExcluirGabeira como sempre; NA MOSCA!!!!
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