terça-feira, 24 de agosto de 2021

Míriam Leitão - A cena do país em desequilíbrio

O Globo

Os governadores tinham maioria para assinar uma carta contra as ameaças de Jair Bolsonaro à democracia, mas preferiram fazer um movimento estratégico e aceitaram propor uma reunião ao presidente. Na ata do Fórum dos Governadores está claro o que foi discutido e isso, segundo me disse um governador, mostra o isolamento do presidente. Se o encontro acontecer, contudo, Bolsonaro vai aproveitar para reafirmar sua beligerância. Ele está usando a radicalização, que inclui até o pedido de impeachment contra o ministro Alexandre de Moraes, para manter mobilizados os seus apoiadores até a manifestação de 7 de setembro. Bolsonaro quer conflito, convulsão social, por isso os governadores preferiram propor o diálogo.

A economia continua demonstrando cada vez mais desconfiança em relação ao presidente e à gestão econômica. Ontem o Ibovespa caiu em dia de alta nas outras bolsas. O dólar teve mais um dia de volatilidade. A tendência de todos os indicadores mostra a deterioração da confiança, e o mês de agosto marcou esse ponto de virada na percepção do mercado financeiro.

O risco institucional passou a ser considerado central nas avaliações sobre o governo Bolsonaro. Nas últimas semanas o dólar saiu do patamar de R$ 4,90 para R$ 5,30, apesar de o país estar no meio de um ciclo de alta de juros no mundo de juros baixos. Isso deveria valorizar a moeda brasileira. A projeção de crescimento vai murchando para o ano que vem. No Focus está em 2%, mas em várias instituições formadoras de opinião no mercado, como o Itaú, está em 1,5%. A MB calcula 1,4%.

Nos últimos dias o país viu uma sucessão de notas de partidos políticos e manifestações de instituições da sociedade civil contra o governo. Apesar disso, Jair Bolsonaro colherá uma enorme vitória hoje graças ao Senado Federal. Críticos do presidente e integrantes da oposição ajudarão a fortalecer o projeto Bolsonaro ao votarem pela recondução do procurador-geral da República, Augusto Aras.

Aras foi durante dois anos subserviente a Bolsonaro. Ao fazer isso, ele traiu o papel constitucional da PGR. Para quem precisa de números para ver isso, as professoras Eloísa Machado e Luiza Pavan Ferraro, da FGV Direito de São Paulo, não deixaram dúvidas. As duas publicaram na “Folha de S. Paulo”, no dia 19, um artigo mostrando que 287 ações questionando a constitucionalidade dos atos do presidente foram apresentadas ao Supremo. “Chama a atenção, diante da agenda de ofensas contínuas à Constituição promovidas pelo governo Bolsonaro, a quase inexistente participação da Procuradoria-Geral da República, enquanto autora da ação. Propôs apenas 1,74% das ações”, disseram as professoras. Há outro número estarrecedor: em 93,9% das manifestações da PGR e da AGU houve alinhamento de posições. Aras é o agente de Bolsonaro no MPF e hoje o Senado será cúmplice desse atentado à Constituição ao dar a ele mais um mandato.

A ata da reunião dos governadores registrou “a escalada constante de ameaças de ruptura institucional” do presidente. Colocou também o dedo em outra ferida: o risco de as polícias militares se politizarem. Ontem mesmo o dia começou com o governador de São Paulo, João Dória, exonerando o coronel Aleksander Lacerda que, segundo revelou o “Estado de S.Paulo”, estava em suas redes ofendendo o governador, o STF, e conclamando para a manifestação bolsonarista no dia 7 de setembro.

Os governadores também falam do resultado disso: “Cria-se em decorrência dessa situação um cenário de grande instabilidade e insegurança perante os investidores nacionais e internacionais, sendo necessário para o Brasil salvaguardar um ambiente estável e atrativo para o crescimento econômico”.

Quem olha para qualquer lado da economia vê a desconfiança aumentando. Não faltam motivos. Ontem o ministro Paulo Guedes declarou que “pode ser que o Congresso tire o precatório do teto”. Ou seja, Guedes tentará de novo apresentar o inaceitável como se fosse coisa do Congresso.

Todo esse barulho se reflete nos números. O Ibovespa acumula queda de 1,16% no ano —tendo caído 10% desde junho — enquanto o índice americano S&P500 tem alta de 21%. O Banco Central tem que enfrentar todas essas incertezas e é por isso que já se fala em Selic a 8%. A questão é que não há juros que segurem uma crise de confiança quando o risco é de ruptura institucional.

 

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