terça-feira, 31 de agosto de 2021

Míriam Leitão - Os riscos do país, segundo Persio

O Globo

O economista Persio Arida acha que o Brasil precisa agora de uma agenda de reparação e recuperação do Estado. “Nosso Estado foi destruído e mal tratado, olha o que aconteceu com o Ibama, o que está acontecendo com a Ciência e Tecnologia.” Alerta para o risco de se deixar a inflação aumentar e chama a atenção para o avanço da pobreza. “Paulo Guedes devia andar na rua e não precisa ser em bairros pobres”. Sua grande preocupação no momento é com a defesa da democracia.

Persio Arida integrou o grupo do Plano Real. É liberal, mas nunca se viu representado pela agenda de Paulo Guedes e Jair Bolsonaro. Assinou um manifesto de economistas e empresários contra o governo, mas suas críticas a Bolsonaro e Paulo Guedes começaram antes das eleições. Eu o entrevistei na Globonews sobre os riscos econômicos e institucionais:

— Muitos, para evitar um suposto mal maior, ou seja, a volta do PT, votaram em Bolsonaro. Agora há um movimento de rejeição às ameaças de golpe, de ruptura da ordem democrática, rejeição a este processo de intimidação e erosão das instituições democráticas.

O economista acha que entre os que votaram em Bolsonaro, na elite empresarial e financeira brasileira, há arrependimento e decepção. Sobre a frustrada agenda liberal, ele também sempre alertou que era um engodo:

— Havia quem acreditasse que Bolsonaro encontrou Paulo Guedes na estrada de Damasco e se converteu. Foi um engano extraordinário. Bolsonaro votou contra o Plano Real, defendeu a tortura, disse que Fernando Henrique tinha que ser fuzilado porque privatizou a Vale, por que de repente acreditaram que ele defenderia o liberalismo? Paulo Guedes tem uma parte nisso. Ele criou uma narrativa e acreditou nela, a de que todos os problemas anteriores derivavam de ele não estar no governo. Foram dois erros: as pessoas não se perguntaram quem era Bolsonaro, nem quem era Paulo Guedes. Quiseram acreditar numa miragem. Uma miragem perigosa.

Ele critica também a surpresa demonstrada com o volume dos precatórios:

— A ideia de que o Orçamento brasileiro foi atingido por um meteoro. Que meteoro? Houve uma falha na condução do processo. Outra falha é no teto de gastos. Ele deveria levar a uma redução das despesas obrigatórias. E não houve esse esforço, apenas o congelamento de salário do funcionalismo que vai gerar uma pressão enorme de recomposição. Outro exemplo de má condução é a crise hídrica. Está tendo aquecimento global. O erro foi interpretar os vários períodos de seca como temporários. Os problemas não vieram do nada. É falta de planejamento.

Persio acha que o governo também erra drasticamente na questão ambiental:

— Estamos traindo o futuro de duas formas. Uma é que temos que fazer parte do esforço do mundo para conter o aquecimento global. Outra é do ponto de vista econômico. O que a gente poderia atrair de capitais hoje e não está atraindo é uma barbaridade. Estamos pagando um preço alto pela agenda errada na área ambiental.

Persio diz que esse capital estrangeiro que o governo afugenta com seu erro ambiental faz falta ao desenvolvimento do país:

— Estamos com crescimento baixo, com aumento da pobreza e 14 milhões de desempregados. Paulo Guedes deveria andar na rua. Andar e olhar. Não estou falando de bairros pobres, mas de bairros abastados. Você vê a pobreza aumentar. Tem um potencial de crescimento que o Brasil está perdendo por causa de uma agenda retrógrada, na contramão do mundo.

O economista que ajudou o Brasil a vencer a hiperinflação alerta que “a inflação tem que ser combatida logo”, até porque há risco de estagflação no ano que vem. Um dos efeitos será o aumento em 2022 das despesas públicas indexadas. Para Persio, a melhora dos indicadores fiscais é ilusória:

— É o velho imposto inflacionário atuando em favor das contas públicas. Um truque que funciona quando a inflação está crescendo. Isso tem um custo.

O que mais o preocupa neste momento, contudo, é o risco que a democracia brasileira corre no governo Bolsonaro:

— Nós estamos em um processo com uma tentativa de morte da democracia por erosão por dentro. É contra isso que a sociedade brasileira está reagindo, ela já viu isso acontecer.

Persio faz um paralelo entre a democracia e uma planta que temos que regar e proteger do vento forte. “É nosso bem maior.”

 

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