domingo, 22 de agosto de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

Desinformação eleitoral exige ação das redes sociais

O Globo

Mesmo rejeitado no Congresso, o voto impresso persiste como mote central da propaganda bolsonarista. A ampla maioria dos brasileiros afirma confiar nas urnas eletrônicas, mas a campanha de desinformação não tem sido inócua, como demonstram pesquisas de opinião recentes. Combatê-la é prioridade para preservar a saúde da democracia brasileira. É uma missão que cabe não apenas a políticos e autoridades, mas também à imprensa e, acima de tudo, às redes sociais, por onde circula o grosso dos ataques à integridade do nosso processo eleitoral.

Recentemente, a campanha contra o sistema de votação brasileiro ganhou vulto internacional, com a adesão de Steve Bannon, guru da extrema direita internacional e artífice da vitória de Donald Trump em 2016. Em evento nos Estados Unidos, Bannon afirmou que a próxima eleição no Brasil será a segunda mais importante do mundo. Repetiu a ladainha fraudulenta que o presidente Jair Bolsonaro tem usado para justificar antecipadamente a contestação do resultado em caso de derrota, exatamente como fez Trump.

Os Estados Unidos são o melhor exemplo para avaliar o estrago causado pela desinformação. Mesmo sem ter havido fraude significativa na eleição de Joe Biden em 2020, entre um quarto e um terço dos americanos acredita que ela foi roubada. Nem as mentiras em série de Trump nem seu apoio à invasão do Capitólio no dia em que sua derrota seria referendada no Congresso — tentativa cristalina de golpe de Estado — foram suficientes para impedir que ele mantenha o apoio majoritário entre os republicanos e seja o candidato mais viável do partido para 2024. O risco para a democracia americana foi afastado por enquanto, mas não está sepultado.

Para evitar que tragédia semelhante se repita no Brasil, os atores políticos precisam se mobilizar. Foi essencial a diligência das lideranças partidárias que se manifestaram em uníssono contra a Proposta de Emenda à Constituição que pretendia instaurar o voto impresso no ano que vem e, felizmente, saiu derrotada. Mas ela contou com apoio expressivo entre os deputados. Vários, mesmo de partidos tradicionais, endossaram a estratégia golpista de Bolsonaro, em desafio à orientação de suas lideranças. Isso demonstra que, ainda que a Câmara tenha evitado o pior, os parlamentares não estão imunes à desinformação.

O protagonismo no combate à propaganda fraudulenta cabe, por óbvio, ao Tribunal Superior Eleitoral (TSE). A Corte tomou medidas necessárias e louváveis para ampliar ainda mais a transparência do processo eleitoral. Decidiu antecipar a auditoria do software que roda nas urnas, abrir o código a partidos e especialistas, para que sugiram aperfeiçoamentos, e convidou organizações e instituições acadêmicas a participar dessa avaliação independente.

Também não tem poupado esforços em dirimir todas as dúvidas — muitas naturais — sobre o funcionamento das urnas e da apuração, por meio de uma campanha intensa. Por fim, no exercício de seu papel de julgador, o tribunal tem conduzido inquéritos para punir os responsáveis por propagar conteúdos fraudulentos sobre o sistema eleitoral. No último capítulo, obrigou as redes sociais a reter pagamentos a sites, blogueiros e youtubers bolsonaristas conhecidos como focos de desinformação.

Mas tudo isso não basta. Recai nas costas das redes sociais a maior parcela da responsabilidade pelo dano causado à democracia. Nem Trump nem Bolsonaro chegariam aonde chegaram não fosse a enxurrada de mentiras e a campanha suja feita por intermédio de Facebook, YouTube, Instagram, Twitter e WhatsApp. Só depois da invasão do Capitólio, as plataformas digitais decidiram tomar uma atitude contra Trump. No caso de Bolsonaro, também estão demorando para agir.

É verdade que, depois que se deram conta do papel decisivo que desempenharam na vitória de Trump em 2016, as principais estabeleceram políticas de vigilância sobre conteúdos fraudulentos. Mas tais regras só entram em vigor no período eleitoral, enquanto a campanha de desinformação corre solta a toda hora. De nada adiantará tomar medidas para coibir as mentiras contra a urna eletrônica quando for tarde demais. As normas deveriam entrar em vigor desde já, para prevenir abusos em quaisquer conteúdos de cunho político. Deveriam, na maioria dos casos, ser mais rígidas do que são.

Atenção especial devem ter os aplicativos de mensagens, em particular o WhatsApp, o mais usado no Brasil. O Projeto de Lei das Fake News, aprovado no Senado e em tramitação na Câmara, estabelece um critério sensato para separar as duas missões desses aplicativos: comunicação privada e de massa. Obriga as plataformas a armazenar por três meses apenas os dados relativos às mensagens encaminhadas pelo menos cinco vezes, que atinjam mais de mil usuários num período de 15 dias, para que depois possam ser obtidos mediante ordem judicial. Não há quebra do sigilo do conteúdo. Como a maior parte dessas mensagens é formada por áudios, vídeos e imagens, elas já ficam armazenadas em servidores e poderiam ser examinadas, também apenas com ordem da Justiça.

É inexplicável que as plataformas e ativistas digitais tenham se oposto de forma tão veemente a esse dispositivo, que contribuiria de modo decisivo para disciplinar o veículo mais usado para minar os alicerces da democracia brasileira. A privacidade da comunicação ficaria preservada nos termos da lei e estaria garantida pela tecnologia em grau superior ao existente para e-mails ou ligações telefônicas. A Câmara deveria acelerar a aprovação do projeto, a tempo de obrigar as redes sociais, em particular o WhatsApp, a adotar uma postura mais ativa no combate à desinformação e a cumprir seu dever de zelar pela democracia, em vez de continuar a sabotá-la.

Um arruaceiro na Presidência

O Estado de S. Paulo

Fiel a seu histórico, Jair Bolsonaro cumpriu as piores expectativas. Incapaz de escutar quem quer que seja, protocolou na sexta-feira passada um pedido de impeachment do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Com o ato drástico, o presidente da República tentou simular fortaleza. No entanto, a realidade é a oposta. Em razão de suas próprias ações e omissões – o pedido de sexta-feira foi mais um entre muitos atos de irresponsabilidade –, Jair Bolsonaro nunca esteve tão fraco e tão isolado.

O pedido de impeachment é tacanho nos fundamentos e nos objetivos. Pelo teor da peça, seria crime de responsabilidade proferir decisão judicial que desagrade ao presidente da República. Em vez de recorrer judicialmente da decisão, como se faz num Estado Democrático de Direito, Jair Bolsonaro preferiu acusar um ministro do STF injustamente.

Em nota, o Supremo expôs o abismo entre o pedido protocolado por Jair Bolsonaro e a Constituição. “O Estado Democrático de Direito não tolera que um magistrado seja acusado por suas decisões, uma vez que devem ser questionadas nas vias recursais próprias, obedecido o devido processo legal”, diz a nota do Supremo, corroborada pelos 11 ministros.

A rigor, a ameaça de Jair Bolsonaro é pífia. Bem se sabe que o tal pedido não tem como prosperar. “Não antevejo fundamentos para impeachment de ministro do Supremo”, disse o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco. Aqui fica evidente o real objetivo do pedido. Não é, nem nunca foi, tirar Alexandre de Moraes do STF. A finalidade é promover a arruaça no País.

Tão logo o pedido de impeachment de Alexandre de Moraes foi protocolado no Senado, as redes bolsonaristas começaram a difundir novas ameaças. “Ou abrem o impeachment ou paramos o País”, diziam as mensagens, explicitando o nível de loucura e de desespero do bolsonarismo.

O presidente da República e seus seguidores atuam como se fossem opositores violentos do governo, ameaçando parar o País. Em vez de governar, o bolsonarismo imita o PT em tempos do governo Fernando Henrique. À vista desse comportamento, entende-se por que mais de 60% dos brasileiros afirmam que não votarão de jeito nenhum em Jair Bolsonaro nas eleições de 2022.

O bolsonarismo é caso a ser estudado. No meio de uma pandemia, com inflação em alta, emprego em baixa, nível de confiança caindo, investimentos em compasso de espera, o presidente Jair Bolsonaro e seus seguidores tentam instigar medo no País, para que o Senado remova indevidamente um ministro do Supremo em razão de suas decisões judiciais.

É assim que o governo deseja promover a retomada econômica? É assim que se deseja melhorar a situação de tantas famílias vivendo na pobreza e extrema pobreza, por força da pandemia e da crise econômica?

Para piorar, as mensagens convocando para atos a favor de Jair Bolsonaro no dia 7 de setembro – mensagens quase sempre apócrifas, mas nunca desmentidas ou rejeitadas pelo presidente da República – são rigorosamente criminosas, incitando a violência contra instituições e autoridades. O que ali se vê não é exercício da liberdade de pensamento e de expressão, e sim prática ostensiva de crimes contra a liberdade e contra o regime democrático.

Além disso, as mensagens de convocação para os atos do 7 de Setembro utilizam de forma abusiva e mendaz o bom nome das Forças Armadas. O espírito militar propaga a ordem e a civilidade, e não o caos ou a intimidação.

Talvez Jair Bolsonaro veja o inviável e frágil pedido de impeachment de Alexandre de Moraes como um gesto de esperteza. Ainda que de maneira torpe, teria agitado as hordas bolsonaristas. Trata-se de um não pequeno engano. A irresponsabilidade de sexta-feira não ficará impune. Ao protocolar a acusação, Jair Bolsonaro conseguiu isolar-se politicamente em grau inédito. Além disso, reiterou uma faceta especialmente nefasta de seu comportamento. Quando se trata de livrar os seus familiares e amigos do alcance da Justiça – afinal, essa é a causa de sua desavença com Alexandre de Moraes –, não tem limites.

Meio ano de estagnação

O Estado de S. Paulo

O governo continua devendo, principalmente aos milhões de desempregados, o vigoroso crescimento econômico prometido pelo ministro Paulo Guedes. Há um claro risco de calote em relação a esse compromisso. Durou pouco a reação inicial. Tendo crescido 1,2% no primeiro trimestre, o Produto Interno Bruto (PIB) encolheu 0,3% no segundo, de acordo com o Monitor do PIB-FGV. Sobrou um avanço de 0,9%, em número arredondado, na primeira metade do ano. Ficou faltando um bom impulso para chegar aos 5,3% estimados para 2021 pelos economistas do mercado. Publicado mensalmente pela Fundação Getulio Vargas, o Monitor é uma prévia das contas nacionais fechadas a cada trimestre pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística.

Dois dos três grandes setores produtivos tiveram desempenho negativo no segundo trimestre, de acordo com o estudo. A indústria recuou 1,9%, a agropecuária produziu 4,4% menos que no trimestre anterior e os serviços cresceram 0,7%. No balanço geral o PIB diminuiu 0,3% no período. As comparações com 2020 continuaram, naturalmente, mostrando grandes ganhos, mas isso se explica pelas bases muito deprimidas pelo choque inicial da pandemia.

Nesse confronto, o PIB aumentou 12,1%, com ganhos de 16,8% na indústria e de 10,8% nos serviços e perda de 0,9% na agropecuária. Nos 12 meses terminados em junho a economia cresceu 1,7% sobre a base dos 12 meses anteriores, com expansão de 4,5% na indústria, 1,4% na área rural e de 0,4% nos serviços, o setor mais afetado pelo distanciamento social e por outras medidas de prevenção do contágio.

“Ainda há um longo caminho para a retomada mais robusta da economia”, disse o pesquisador Claudio Considera, coordenador do Monitor do PIB, ao comentar os últimos dados. O recuo de 0,3% no período de abril a junho evidenciou, segundo ele, ter havido “certo otimismo com o resultado do primeiro trimestre”.

Esse otimismo pode ter-se refletido nas projeções do mercado para este ano, mas há sinais de mudança nas expectativas. Há um mês a mediana do crescimento projetado para 2021 mantém-se, com pequena oscilação, na vizinhança de 5,3%. A expansão do PIB estimada para 2022 caiu em quatro semanas, passando de 2,1% para 2%. Algumas instituições já trabalham com números abaixo de 2%. Para 2023 e 2024 o mercado tem mantido a taxa de 2,5%, considerada representativa do potencial de crescimento do Brasil. Mas nem essa estimativa, apesar de modesta, é aceita por alguns analistas.

Não há por que supor um aumento recente desse potencial. O investimento em capital fixo – máquinas, equipamentos e obras – aumentou 13,3% nos 12 meses até junho. Na comparação do segundo trimestre deste ano com o segundo de 2020 aparece um aumento de 35,2% nesse item. Mas a taxa de investimento permanece modesta. Apesar desses números impressionantes, atingiu apenas um valor correspondente a 19,3% do PIB, no trimestre abril-junho de 2021.

Essa taxa é superior à média a partir de janeiro de 2000 (18%), mas ainda é muito baixa. Neste século, a relação investimento/PIB alcançou 20% em vários anos e ocasionalmente superou esse nível, mas foi sempre insuficiente para dar à economia brasileira um dinamismo parecido com o de outros países emergentes. Durante anos o governo buscou a meta de 24%, mas sem atingi-la.

O investimento em capital fixo tem sido insuficiente até para compensar a depreciação acumulada, principalmente na infraestrutura. Além de insuficiente e desatualizada, boa parte dessa infraestrutura é decadente, como se observa, sem dificuldade, na malha de transporte. Com sua capacidade de poupar e de investir muito reduzida, o setor público tem dependido cada vez mais do capital privado para aplicar recursos em rodovias, ferrovias, portos, aeroportos, geração e transmissão de energia e sistemas de saneamento. No atual mandato federal, pouco se progrediu nesse trabalho por meio de privatizações e de licitações. Dinheiro nem sempre é o único recurso escasso. O principal gargalo está, com frequência, na capacidade administrativa.

A análise do Enem feita pela USP

O Estado de S. Paulo

Uma semana após o ministro da Educação, Milton Ribeiro, ter dito que “a universidade é para poucos” e que “as vedetes do futuro” serão as escolas técnicas, um grupo de pesquisadores do Instituto de Ciências Matemáticas e de Computação (ICMC) da USP, em São Carlos, divulgou importante pesquisa promovida com base em dados do Exame Nacional do Ensino Médio (Enem). 

A primeira constatação dá a dimensão da falta de rumo do governo, uma vez que o orçamento previsto para aquilo que o titular do Ministério da Educação (MEC) considera prioritário vem sofrendo drásticos cortes orçamentários. Já a segunda constatação diz respeito a uma nova fonte de informações estatísticas para a formulação de políticas públicas. O estudo revela como as áreas educacionais que não foram afetadas pelos propósitos anti-iluministas do governo Bolsonaro são capazes de fornecer evidências científicas para fundamentar programas destinados a melhorar a qualidade do ensino. 

A pesquisa se concentrou no período 2012-2017. Apesar de mais de 5 milhões de pessoas terem participado do Enem em cada um dos anos analisados, os pesquisadores levaram em conta uma amostra anual de 1,3 milhão. Com auxílio de algoritmos que desenvolveram, eles calcularam as notas médias das provas de redação e de cada uma das áreas do conhecimento. Em seguida, dividiram os alunos em três grupos – os que tiveram baixo, médio e alto desempenho. Com base nesses dados, promoveram três tipos de análise. A primeira foi sobre o nível de aprendizagem demonstrado pelos alunos do ensino médio de cada uma das regiões do País. A segunda análise comparou o desempenho dos estudantes da rede pública com os das escolas particulares. A terceira foi voltada à compreensão do que ocorreu com os alunos com baixo desempenho. 

A surpresa dos pesquisadores se deu justamente quando investigaram a elevação da pontuação média do grupo de alta performance, especialmente no período entre 2014 e 2017. Foi detectado que, nos primeiros anos desse período, os estudantes das Regiões Sudeste e Centro-Oeste obtiveram as melhores pontuações. No entanto, a cada ano as pontuações dos estudantes com alto desempenho do Nordeste, região menos desenvolvida do que as outras duas, foram crescendo progressivamente. Com isso, em 2017 o Nordeste se tornou a segunda região com melhor desempenho educacional de todo o País nas provas do Enem, ultrapassando o Centro-Oeste.

“Isso indica que, provavelmente, quem administra as escolas públicas do Nordeste passou a investir mais na preparação para o Enem, adotando novos métodos que propiciaram resultados mais satisfatórios”, afirma o pesquisador Afonso Souza Lima. Por isso, agora é necessário fazer um levantamento mais profundo do que aconteceu no Nordeste, “para replicar as práticas de sucesso em outros locais”, diz ele.

Outra surpresa detectada pelos pesquisadores está relacionada à diminuição da participação, no Enem, dos estudantes com deficiência oriundos da rede pública e ao aumento de alunos oriundos da rede privada. “Isso pode indicar que a escola particular está adotando alguma estratégia muito boa ou que a escola pública está piorando. Mas o fato é que as escolas privadas estão ficando mais atrativas para esses alunos”, aponta Robson Cordeiro, professor do ICMC/USP. Essa é uma informação importante, uma vez que, segundo a Unesco, 24% da população brasileira apresenta algum tipo de deficiência.

Considerado uma fonte fidedigna de dados estatísticos para nortear o desenvolvimento de programas educacionais do ensino médio conforme as especificidades de cada região do País, esse estudo já propiciou um artigo publicado na revista científica Journal of Information and Data Management. Infelizmente, em vez de levar em consideração trabalhos como esse, mobilizando a partir dele gestores e instituições com o objetivo de criar uma educação pública de qualidade e com equidade, nos últimos anos o MEC vem perdendo tempo com questões menores e demagógicas, como homeschooling e a proposta da “escola sem partido”. 

Zelo e autonomia

Folha de S. Paulo

Conduta de Aras mostra necessidade de mais contrapesos à ação do procurador

Não faltam exemplos para demonstrar a falta de zelo com que o procurador-geral da República, Augusto Aras, exerce as atribuições fundamentais conferidas pela Constituição de 1988 ao cargo que ocupa há quase dois anos.

Desde o início da pandemia do coronavírus, o chefe do Ministério Público Federal se comporta como espectador passivo diante da negligência de Jair Bolsonaro no enfrentamento da calamidade, indiferente às ações do presidente para sabotar as medidas sanitárias.

O chefe do Executivo investe contra a ordem democrática, ofende ministros do Supremo Tribunal Federal e espalha mentiras para tumultuar as eleições que se avizinham, mas Aras assiste inerte a tudo, como se não fosse com ele.

Em vez de instaurar inquéritos para examinar a conduta do mandatário e coletar as provas necessárias para responsabilizá-lo, o procurador subserviente faz pouco das evidências à vista de todos e recorre a procedimentos administrativos protelatórios para não agir.

Pesquisadores da Fundação Getulio Vargas que estudaram centenas de ações movidas contra o governo Bolsonaro no Supremo concluíram que a Procuradoria-Geral endossou os argumentos do Palácio do Planalto em 87% dos casos em que se manifestou.

À frente da instituição incumbida pela Carta de defender os interesses da coletividade e vigiar o poder, Aras se mostra dócil com os que abusam de suas prerrogativas e inclemente com os que se opõem aos desmandos.

O alinhamento a Bolsonaro lhe garantiu o cargo há dois anos e abriu caminho para sua recondução agora. Nas duas ocasiões, o presidente desdenhou os nomes da lista tríplice apresentada pelos membros do Ministério Público, rompendo uma tradição respeitada por seus antecessores desde 2003.

Tudo indica que Aras terá sua nomeação confirmada após a sabatina marcada pelo Senado para a próxima terça (24). Como muitos senadores são alvos de processos no STF, nenhum deles quer briga com o procurador-geral, ainda mais tratando-se de alguém maleável como o atual ocupante do posto.

Diante da convergência de interesses que o preserva no cargo, os mecanismos de controle previstos pela legislação em vigor têm se revelado insuficientes.

O procurador-geral que se recusa a praticar os atos que lhe competem ou é desleixado no cumprimento de suas funções está sujeito a processo por crime de responsabilidade no Senado e afastamento do cargo, mas denúncias apresentadas contra Aras têm sido arquivadas sumariamente.

Cabe ao Conselho Superior do Ministério Público Federal, órgão administrativo presidido pelo procurador-geral e composto em sua maioria por membros do topo da carreira eleitos por seus pares, examinar acusações de crimes comuns contra o chefe da instituição.

Aras foi alvo de três representações criminais nos últimos meses, assinadas por senadores e procuradores aposentados, mas manobras de seus aliados no conselho conseguiram impedir até aqui a abertura de investigações.

São recomendáveis, como se constata a partir da experiência recente, medidas que submetam os poderes do procurador-geral a novos contrapesos e ao mesmo tempo reforcem a autonomia da instituição que ele representa.

Tornar obrigatório no processo de escolha do procurador-geral o uso da lista tríplice com os mais votados pelos integrantes do Ministério Público, como já defendeu esta Folha, seria um passo essencial para restringir a discricionariedade do presidente e aumentar a independência do indicado.

Afigura-se necessária também a criação de procedimentos para revisão dos atos do procurador-geral nas investigações que envolvam autoridades com foro em tribunais superiores, entre elas o presidente da República e os membros do Congresso Nacional.

Desse modo, sempre que o procurador-geral propusesse o arquivamento de um inquérito ou ação penal, o tribunal teria a opção de submeter o caso ao Conselho Superior do Ministério Público Federal para que opinasse, como já é possível em instâncias do Judiciário.

Bolsonaro não se cansa de estimular o servilismo de Aras com a oferta de recompensas. Desde que o indicou, acena com a possibilidade de nomeá-lo para uma cadeira no STF assim que tiver a chance de preencher uma nova vaga na corte.

Seria bem-vinda, portanto, a adoção de uma quarentena para o procurador-geral, a exemplo das restrições impostas a ministros, diretores do Banco Central e outros funcionários que deixam o setor público para atuar no setor privado.

A legislação vigente proíbe, por exemplo, juízes e membros do Ministério Público que se aposentam de advogar nos tribunais em que atuavam por três anos após o desligamento da função pública.

Uma barreira semelhante, com prazo a definir, poderia impedir barganhas como a entretida pelo atual procurador-geral com Bolsonaro, impedindo que os ocupantes do cargo o transformassem em trampolim para suas ambições e usassem a independência do cargo como escudo para a desídia.

 

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