segunda-feira, 23 de agosto de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A asfixia da política

O Estado de S. Paulo

Um Estado Democrático de Direito deve ser capaz de prevenir, investigar, perseguir e punir ações criminosas. Não há civilidade, tampouco paz, onde reina a transigência com condutas que agridem bens jurídicos essenciais de uma sociedade. Esta é a razão da legislação penal: proteger elementos fundamentais da vida em sociedade.

Ao mesmo tempo, o Estado é muito mais amplo do que seu sistema penal, cuja atuação é sempre subsidiária. A imensa maioria das questões de uma sociedade não está na esfera penal. Há uma vastíssima gama de assuntos, desafios e problemas que não são resolvidos por mera proibição e punição de condutas. O encaminhamento desses temas deve ser dado pela política.

Na seara política, as soluções não são binárias: proibir ou permitir, punir ou não punir. Os temas possuem variadíssimas possibilidades, e a definição do caminho a ser trilhado não é dada por uma regra prévia. As soluções devem ser fruto de estudo, diálogo, debate, negociação e também concessões, muitas concessões.

Na política, não existem fórmulas perfeitas. O que se tem são caminhos possíveis, necessariamente imperfeitos, que, ao longo do tempo, podem e devem ser testados, corrigidos e aperfeiçoados. Por isso, num Estado Democrático de Direito, é fundamental o funcionamento dos Poderes Legislativo e Executivo. Sempre há questões políticas a serem decididas e essas decisões devem ser adotadas por representantes escolhidos pelo voto popular.

O Judiciário é imprescindível para fazer com que a lei seja aplicada, mas ele sozinho não é suficiente. Num regime de liberdade, o encaminhamento das questões, desafios e problemas enfrentados pela sociedade não é dado – repita-se – por simples aplicação de regras prévias, mas por um contínuo trabalho político.

No entanto, observa-se atualmente um paulatino estreitamento do campo da política, junto com o avanço – muitas vezes, verdadeiro predomínio – das questões criminais na seara pública. Tal fenômeno ficou em evidência na Operação Lava Jato. Foram muitas e insistentes as tentativas para que o trabalho investigativo-judicial proporcionasse soluções políticas ou mesmo que substituísse o labor político.

Agora, o que resta da Lava Jato já não está em destaque, e seu objetivo de refundar a política nacional é não apenas distante, como rigorosamente fantasioso. No entanto, o fenômeno de asfixia da política por questões penais permanece. Na seara pública, não existe debate sobre questões políticas. Não se vê uma proposta para o futuro, ou mesmo para o presente. O que se tem é o aparato estatal submerso em questões e investigações criminais.

A lei penal precisa ser aplicada, e quem praticou crime deve ser contido e punido. No entanto, a aplicação da lei penal, por mais rigorosa que seja, não dará solução aos problemas nacionais. É preciso cuidar da saúde e da educação da população, com propostas adequadas às circunstâncias atuais. É preciso restabelecer as condições para o crescimento econômico e a retomada do emprego. É preciso oferecer respostas urgentes para a fome e a pobreza, bem como buscar caminhos efetivos para a redução das desigualdades sociais.

Tudo isso, que é absolutamente necessário e urgente, não será alcançado por meio de operações da Polícia Federal, inquéritos supervisionados pelo Ministério Público ou ações penais. A política é o único caminho capaz de oferecer respostas a essas questões. 

Nos tempos da Lava Jato, ganhou notoriedade a atuação voluntarista de alguns procuradores. É preciso reconhecer, no entanto, que a asfixia da política nunca foi um fenômeno causado apenas pelo Ministério Público. As administrações petistas levaram a política para o crime, como se viu no mensalão e no petrolão. Agora, Jair Bolsonaro impõe ao País trajetória semelhante. Em vez de oferecer propostas políticas, seu governo suscita a cada dia novos conflitos e novas investigações criminais.

É preciso investigar e punir o crime, mas preservando a política – o que significa, entre outras coisas, afastar da política quem é mais afeito ao crime do que à política.

A lei de defesa do Estado

O Estado de S. Paulo

O Senado aprovou o Projeto de Lei (PL) 2.108/2021, que revoga a Lei de Segurança Nacional (LSN, Lei 7.170/83) e cria um novo título no Código Penal, relativo aos crimes contra o Estado Democrático de Direito. É um passo importante do Congresso na defesa do funcionamento do Estado e das instituições democráticas, dentro de um marco jurídico que respeite as liberdades e garantias fundamentais.

A LSN não era, como às vezes foi equivocadamente qualificada, mero entulho autoritário. Tanto é assim que o Supremo Tribunal Federal (STF), nas vezes em que foi instado a se pronunciar sobre a compatibilidade da Lei 7.170/83 com o regime constitucional de 1988, sempre se manifestou pela validade da lei.

No entanto, é preciso reconhecer que, mesmo sem conter inconstitucionalidades explícitas, a LSN apresentava uma estrutura voltada para a proteção ideológica do Estado. Com isso, havia o risco de que seus dispositivos fossem interpretados como uma defesa da honra de seus integrantes ou de determinada corrente de pensamento.

Esse eventual risco se tornou um perigo efetivo com o governo de Jair Bolsonaro. Com o objetivo de calar e intimidar opositores, tentou-se enquadrar críticas ao presidente Jair Bolsonaro no art. 26 da LSN, que tipifica os crimes de calúnia e difamação contra os presidentes da República, do Senado, da Câmara e do STF. Por exemplo, a instalação de dois outdoors em Palmas (TO) pedindo o impeachment de Jair Bolsonaro foi motivo para que o Ministério da Justiça pedisse a abertura de investigação com base na Lei 7.170/83.

Logicamente, essa atividade estatal de perseguição política é incompatível com a Constituição. Num Estado Democrático de Direito, não existe o crime de maldizer o rei. O direito à crítica é essencial num regime de liberdade.

Mas não bastava revogar a LSN. Ainda que imperfeitamente, a lei protegia bens jurídicos importantes, especialmente em relação ao funcionamento das instituições democráticas. Daí a importância do trabalho do Congresso com o PL 2.108/2021, definindo crimes que ameaçam ou impedem o pleno funcionamento do Estado Democrático de Direito.

Inspirado em uma proposta de 2002 do então ministro da Justiça, Miguel Reale Júnior, o PL 2.108/2021 não cria nenhuma legislação especial. Os crimes contra o Estado Democrático de Direito passarão a integrar o próprio Código Penal, o que reforça um ponto fundamental da nova lei. O seu objetivo é preservar o regime democrático e o livre funcionamento de suas instituições, e não uma defesa genérica da honorabilidade de instituições – o que poderia conduzir a interpretações impróprias, restringindo liberdades.

Entre os crimes agora capitulados estão o atentado à soberania, a espionagem e o golpe de Estado. Este, com pena de 4 a 12 anos de prisão, é assim definido: “Tentar depor, por meio de violência ou grave ameaça, o governo legitimamente constituído”. 

Há um capítulo específico a respeito dos crimes contra o processo eleitoral. Por exemplo, “promover (...) campanha ou iniciativa para disseminar fatos que sabe inverídicos, e que sejam capazes de comprometer a higidez do processo eleitoral” será punido com até cinco anos de prisão.

Também será crime, punido com até seis anos de prisão, “impedir ou perturbar a eleição ou a aferição de seu resultado, mediante violação indevida de mecanismos de segurança do sistema eletrônico de votação estabelecido pela Justiça Eleitoral”.

Outra mudança se refere ao crime do art. 286 do Código Penal (incitar, publicamente, a prática de crime: detenção, de três a seis meses, ou multa). O PL 2.108/2021 inclui um parágrafo dispondo que “incorre na mesma pena quem incita, publicamente, animosidade entre as Forças Armadas, ou delas contra os poderes constitucionais, as instituições civis ou a sociedade”.

Especialmente em tempos como os atuais, é necessário dispor de instrumentos jurídicos que, preservando as liberdades, não sejam tolerantes com ataques e ameaças ao funcionamento das instituições.

‘É o que temos para hoje’

O Estado de S. Paulo

Há três ou quatro anos, ninguém podia imaginar que um dia o mundo seria tão duramente atingido por uma pandemia de proporções desconhecidas por muitas gerações e que afetaria e, em geral, prejudicaria tanto a vida de todos. Mas já então muitos brasileiros enfrentavam muitas dificuldades que os impediam de comprar a quantidade que consideravam adequada de comida para manter suas famílias. Compravam o que sua renda lhes permitia. Mas queriam e precisavam de mais.

Naquela época, os chefes de família calculavam que precisavam gastar 66,7% mais com comidas e bebidas para alimentar adequadamente todos os moradores da casa. É o que mostra a Pesquisa de Orçamentos Familiares 2017-2018 (POF), que acaba de ser divulgada pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Ela traz o perfil mais atualizado da estrutura de gastos das famílias brasileiras com alimentação, transporte e lazer.

Comprava-se o que dava, o que a renda permitia. “Mas não era só isso o que ela (a família) gostaria”, diz a técnica do IBGE Isabel Martins. Era o que se podia ter no momento. “O que tenho (em dinheiro disponível), eu compro e como, mas não é o que gostaria de ter.”

Para muitas famílias, o que se podia comprar para o dia era insuficiente. A POF constatou que, dos 68,9 milhões de domicílios no Brasil, 36,7% (o equivalente a 25,3 milhões) viviam com algum grau de insegurança alimentar, isto é, sem acesso regular e permanente a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente. É um dado pior do que o de 2004, quando 34,9% dos domicílios estavam nessa situação.

No pós-pandemia, a inflação, a alta dos alimentos e a persistência de grande número de pessoas sem ocupação decerto tornaram ainda mais precárias as condições de vida de uma parte importante da população brasileira. Só se poderá saber com mais precisão a intensidade dessas mudanças daqui a algum tempo, quando forem conhecidas estatísticas deste período.

As que acabam de ser divulgadas pelo IBGE mostram um país que se modernizou em alguns aspectos, mas não conseguiu curar algumas de suas piores feridas sociais e pode ter ganhado outras.

Na edição mais recente, a POF avalia também o alcance dos serviços financeiros na população e como as famílias os utilizam. Dela, por isso, resulta um retrato amplo que mostra as contradições e complexidades do País.

A POF constatou que 83,3% integravam famílias em que pelo menos um de seus membros tinha acesso a algum serviço financeiro. É, sem dúvida, um índice altíssimo de disseminação desses serviços num país tão desigual.

O principal serviço financeiro a que um membro dessas famílias tinha acesso era a conta corrente (66,2%), o que mostra o grande alcance dos serviços bancários. O segundo era a caderneta de poupança (55,9%), claro sinal da popularidade desse tipo de aplicação; 44,4% da população vivia em família com alguma pessoa que tinha cartão de crédito.

Acesso amplo a serviços financeiros está longe, porém, de indicar melhora da situação financeira das famílias. A POF constatou que 72,4% dos brasileiros viviam em famílias com alguma dificuldade para pagar suas despesas mensais. Constatou também que 46,2% da população vivia em família que tinha pelo menos uma conta em atraso. Considerando toda a população, 14,1% enfrentavam muita dificuldade para passar o mês com renda disponível. Das pessoas com renda baixa, 30% disseram que viviam com menos do que o necessário.

Ainda entre os mais pobres, como constatou a POF, um quarto da renda vinha de aposentadorias e de programas sociais. É prova da importância do sistema previdenciário e dos programas de transferência de renda para a sobrevivência dessas famílias. Outro dado surpreendente é o papel do rendimento não monetário, que são os bens e serviços que as famílias obtêm sem pagar por eles (doações, por exemplo), no orçamento doméstico. Entre os pobres, isso representa 14,5% da renda, o que parece alto num país tão bem coberto por serviços financeiros.

Avanço trabalhista

Folha de S. Paulo

Editada em abril, a medida provisória 1.045 tratava somente da extensão de programas de proteção ao emprego, mas teve seu escopo em muito ampliado na Câmara dos Deputados para incluir modificações na legislação trabalhista.

A prorrogação por 120 dias dos mecanismos adotados durante a pandemia para preservar vagas, como redução parcial da jornada e suspensão temporária de contratos de trabalho, é correta. O programa se mostrou bem-sucedido, inclusive em termos de eficiência no uso de recursos públicos.

Em 2020, os aportes federais destinados à iniciativa chegaram a R$ 51 bilhões, com a contrapartida de 20 milhões de acordos individuais e coletivos firmados.

Os deputados incorporaram ao texto novas modalidades de contratação, além de mudanças de diversos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

Em uma das inovações, voltada para jovens em busca do primeiro emprego e para pessoas com mais de 55 anos ou que estejam sem vínculo empregatício há um ano, são mantidos os direitos trabalhistas, mas há redução dos encargos patronais com o Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS) —dos 8% que atualmente incidem sobre o salário para até 2%.

Os objetivos são meritórios, embora as evidências internacionais apontem que, no caso de jovens, o principal obstáculo para a contratação em países em desenvolvimento é a deficiência de qualificação, não os encargos.

Em outro programa, que visa a requalificação profissional, são previstos carga de trabalho limitada a 22 horas semanais e pagamento de um bônus de até R$ 550 mensais. O contrato é vinculado a treinamento, que pode ser oferecido pelo sistema S, pela própria empresa ou por meio de vouchers.

Esta Folha tem defendido modificações na legislação trabalhista que favoreçam a geração de empregos formais. Está fartamente demonstrado que a CLT, no afã de regular em detalhe excessivo as relações entre empregadores e funcionários, acaba por dificultar os contratos com carteira assinada.

O tema é evidentemente delicado e sujeito a controvérsias. No caso dessa minirreforma, o texto já enfrenta oposição aberta do Ministério Público do Trabalho, que o considera contrário às disposições constitucionais.

Convém que o Senado faça um exame criterioso da MP, de modo a preservar seus objetivos acertados e a evitar que dispositivos menos prioritários —os deputados incluíram no projeto substitutivo até novas normas sobre a mineração em subsolo— provoquem contestações judiciais mais à frente.

O Congresso aprovou em 2017 uma ampla reformulação da CLT, cujos impactos no mercado e no Judiciário ainda estão por ser devidamente dimensionados. Novos avanços nessa seara demandam debate consistente, para que se evitem desgastes desnecessários.

Morticínio impune

Folha de S. Paulo

Em 18 de outubro de 1994, um grupo de 40 a 80 policiais civis e militares matou 13 pessoas em uma operação em Nova Brasília, uma das 15 favelas pertencentes ao Complexo do Alemão, na zona norte do Rio.

Conforme se noticiou, agentes invadiram cinco casas, dispararam contra pessoas e depositaram os corpos na praça principal da região. Segundo depoimentos, também torturaram e estupraram três mulheres, duas delas adolescentes.

À época, a operação mortífera foi justificada em termos de revanchismo bárbaro. “Se nos derem flores, devolveremos flores. Se nos derem balas, devolveremos balas. É para que eles saibam que a instituição policial tem que ser respeitada”, afirmou o diretor da Divisão de Repressão a Entorpecentes, delegado Maurílio Moreira.

Passados 27 anos, a impunidade persiste. Na terça-feira (17), cinco policiais acusados da matar as 13 pessoas na operação foram absolvidos pelo Tribunal do Júri —que reconheceu o crime, mas não a autoria dos réus, com o aval do Ministério Público do Rio de Janeiro.

“É tempo de lembrar 13 mortos deitados em solo, em praça pública, amontoados como resto, como que avisos claros de demonstração de força”, disse a magistrada Simone de Faria Ferraz, antes de ler a sentença.

Investigações apenas andaram por pressão internacional, levada a cabo por mobilização de ativistas contra a violência policial. A Comissão Interamericana de Direitos Humanos notificou o Brasil, em 2013, para desarquivar o inquérito. Em 2017, a Corte Interamericana de Direitos Humanos condenou o poder público brasileiro por violar garantias judiciais.

Nova Brasília não é um caso isolado. Independentemente da culpabilidade dos agentes ora julgados, o caso ilustra à perfeição como todo o sistema policial e judicial protege a violência do Estado e nega justiça às vítimas.

Operações de represália sem nenhum ganho em termos reais na segurança pública; mortes com tiros a curta distância; desconsideração pela preservação das provas.

Some-se a tais práticas o pífio controle externo das polícias por parte do Ministério Público —e temos um convite a abusos escandalosos premiados pela impunidade.

É preciso mais que do que um orçamento para reduzir a crise

Valor Econômico

Faltam mais clareza e firmeza nas falas sobre o compromisso fiscal, em especial pelo Palácio do Planalto

A elaboração do orçamento de 2022 entra na reta final nessa semana. A peça que vai definir o desenho de gastos do governo em pleno ano eleitoral ganha ainda mais importância em um momento no qual o mercado financeiro demonstra nervosismo, em parte por conta de medidas com repercussões fiscais, como a Proposta de Emenda Constitucional (PEC) dos precatórios (dívidas de sentenças judiciais) e a reforma do Imposto de Renda.

Valor informou que a equipe econômica vê uma dissociação entre a percepção do mercado financeiro sobre risco fiscal e a realidade das contas do governo, que estariam e devem continuar, dizem fontes oficiais, evoluindo positivamente. Por isso, nessa visão, os investidores estao cobrando prêmios de risco muito altos para a real situação do país.

Para o time liderado pelo ministro, Paulo Guedes, com o envio do Orçamento de 2022, que deve ter um déficit em torno de R$ 70 bilhões ou menos, conforme antecipou o Valor, o mercado tende a se acalmar. A meta é de déficit de R$ 170,47 bilhões.

A se confirmarem números dessa magnitude, de fato é um indicador de melhora fiscal do país em meio a tanto barulho. Também é razão para que haja reflexões no mercado sobre se a situação das contas públicas justifica taxas de dois dígitos em títulos pré-fixados mais longos.

Ainda assim, é preciso deixar claro que o governo e sua base no Congresso foram os principais causadores dessa fase de exacerbada turbulência dos mercados. Ao deixar para última hora a apresentação de uma controversa proposta para os precatórios que ainda flerta com conceitos de “calote” e “pedaladas fiscais (afinal, está se falando de adiamento de despesas que teriam que ser pagas em um ano), a área econômica estimulou a incerteza. Houve muito tempo para se tratar desse assunto. Afinal, a Advocacia-Geral da União (AGU) já alertava para os “meteoros” que estavam a caminho nesse front, além de que o problema já vinha ganhando corpo em 2020 e poderia ter sido tratado com calma e sem vinculação com o esforço para se ampliar o Bolsa Família.

Para piorar, a PEC nem tinha sido enviada e o líder do governo no Senado, Fernando Bezerra (MDB-PE) já falava em deixar os precatórios fora do teto, solução que tira o calote e a pedalada de cena, mas faria mais um furo na principal regra fiscal hoje.

Além disso, as discussões sobre a reforma do Imposto de Renda perderam o controle no Congresso e, não bastassem as inúmeras resistências setoriais ao projeto, as versões mais recentes e propostas novas que estavam surgindo aumentavam o risco fiscal do país.

E não se pode esquecer que o governo também enviou uma Medida Provisória que cria o Auxílio Brasil para suceder o Bolsa Família. A MP não traz os valores que serão utilizados para fazer essa versão turbinada da principal política social do país. Nesse caso, embora se fale em algo na casa de R$ 50 bilhões, o que poderia elevar o benefício médio para perto de R$ 300 e ampliar seu alcance, o resultado final depende dos desdobramentos da discussão em torno dos precatórios.

Assim, o risco fiscal não pode ser retirado do radar porque, para fazer o prometido para o Bolsa Família, depende-se de um espaço no teto que está atrelado à polêmica PEC. Teme-se mais soluções heterodoxas, que podem por exemplo tirar o novo programa social do teto de gastos (hipótese rejeitada no Ministério da Economia, mas que tem simpatia e apoio na área política, que cada vez mais pensa nas eleições de 2022.

É necessário ainda reconhecer que a piora no ambiente financeiro também reflete outros fatores, como as notícias de que a variante delta do coronavírus está se espalhando e forçando alguns países a rever estratégias de reabertura de suas economias. Além disso, há incertezas sobre o que o Fed, o Banco Central americano, fará com os juros por lá, além dos movimentos recentes de queda em preços de commodities.

A situação não é fácil e o governo precisa sair do papel de alimentador de crises para o de bombeiro, urgentemente.

Não basta enviar um orçamento com déficit menor. Deve-se também evitar surpresas negativas no envio da peça ao Congresso. Além disso, é preciso mais clareza e firmeza nas falas sobre o compromisso fiscal, em especial pelo Palácio do Planalto (que não perde uma chance de agitar o ambiente, como prova a apresentação do pedido de impeachment do ministro do STF Alexandre de Moraes feito por Bolsonaro na última sexta-feira). Também deve-se buscar maior cautela na elaboração e negociação de medidas econômicas.

Caso contrário, o governo conseguirá a façanha de abortar o crescimento que está em curso e piorar o ainda frágil quadro do país.

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