sábado, 28 de agosto de 2021

O que a mídia pensa - Editoriais / Opiniões

EDITORIAIS

A estupidez e suas consequências

O Estado de S. Paulo

O fracasso deste governo não é causado por fatores exógenos. Não há ruídos, não há interferências, não há surpresas. É Jair Bolsonaro sendo Jair Bolsonaro

Jair Bolsonaro foi eleito com a promessa de acabar com a corrupção, promover uma profunda transformação liberal do Estado brasileiro e dar um novo dinamismo à economia. Sua eleição instalaria – este era o discurso eleitoral – um novo patamar de moralidade pública, eficiência estatal, produtividade e respeito ao cidadão.

Decorridos dois anos e meio de governo, é evidente que Jair Bolsonaro não realizou nada disso. E não há o menor sinal de que, até o final do mandato, cumprirá alguma promessa feita em 2018.

Segundo o bolsonarismo, Jair Bolsonaro falhou no cumprimento de suas promessas por culpa dos outros. O Supremo Tribunal Federal (STF), o Congresso, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), os governadores e os prefeitos não deixaram que ele realizasse suas propostas. No conto bolsonarista, Jair Bolsonaro é o presidente da República que mais sofreu resistência na história e, por isso, não consegue entregar o que prometeu.

Muito difundido nas redes sociais, tal discurso não tem respaldo nos fatos. Jair Bolsonaro não realizou nada do que prometeu em razão de sua própria conduta. Foi ele que impediu e continua a impedir qualquer melhoria possível. Os últimos dias explicitaram, uma vez mais, a verdadeira identidade deste governo. Com uma turma dessa estatura moral e cívica, é impossível promover o desenvolvimento social e econômico do País.

Na sexta-feira passada, o presidente Bolsonaro recomendou a compra de fuzis. “Tem que todo mundo comprar fuzil, pô. Povo armado jamais será escravizado”, disse Jair Bolsonaro, em frente ao Palácio da Alvorada. Um presidente da República assim, com tal obtusidade, não precisa de opositores. Com essa mentalidade, é rigorosamente uma ilusão pensar em avanço social ou econômico do País.

Em circunstâncias normais, a recomendação de Jair Bolsonaro sobre a compra de fuzis já seria uma absoluta estupidez. Num Estado Democrático de Direito, o poder público deve incentivar e assegurar a paz e a ordem, não instigar medo na população para que ela se arme.

Nas circunstâncias atuais, com pandemia de covid, alta taxa de desemprego, crescimento da inflação e crise econômica, o conselho de Bolsonaro sobre a aquisição de fuzis revela criminosa indiferença com a população. Poucas vezes se viu tamanho deboche. Um presidente da República que não assume suas responsabilidades, esquiva-se dos problemas nacionais, inventa atritos com outros Poderes e ainda sugere que a população compre fuzil. De onde saiu tal sujeito?

Nada parece ser capaz de suscitar respeito ou seriedade em Jair Bolsonaro. Na terça-feira passada, viu-se outro caso de deboche por parte do presidente da República. Indicado ao STF, André Mendonça enfrenta sérias resistências no Senado. Há fundadas dúvidas se a sua prioridade é servir à Constituição ou a outros senhores.

Nesse cenário, Jair Bolsonaro disse que André Mendonça se comprometeu, caso consiga a vaga no Supremo, a almoçar uma vez por semana com ele. Como se vê, o presidente da República não apenas promove atritos com o Supremo. Pretende deixar registrado seu desprezo pela separação e independência dos Poderes, em puro escárnio à Constituição.

O deboche também é visto no primeiro escalão do governo. Na quinta-feira passada, o ministro da Economia, Paulo Guedes, teve o descaramento de fazer a seguinte provocação: “Qual o problema agora que a energia vai ficar um pouco mais cara porque choveu menos?”. 

Não há respeito aos fatos nem à vida alheia. Não há limites para a insensibilidade. Tudo – desde a diminuição do poder de compra e o endividamento da população, passando por princípios constitucionais, até o sofrimento e a morte causados pela covid –, rigorosamente tudo, é respondido com um “e daí?”.

O fracasso deste governo não é causado por fatores exógenos. Não há ruídos, não há interferências, não há surpresas. É apenas e tão somente Jair Bolsonaro sendo Jair Bolsonaro. É apenas e tão somente Paulo Guedes sendo Paulo Guedes. O restante é pura consequência.

Terceira dose para os mais vulneráveis

O Estado de S. Paulo

A aplicação da 3.ª dose da vacina em idosos e imunossuprimidos é a decisão mais acertada

Os brasileiros com 60 anos ou mais representaram pouco mais da metade (51%) dos mortos pela covid-19 no mês de julho. As internações de idosos em UTI em decorrência da doença também cresceram 42,1% naquele mês, revertendo a tendência de queda observada desde janeiro. Especialistas atribuíram estes dados preocupantes à disseminação comunitária da variante Delta no País e à queda da efetividade das vacinas ao longo do tempo. A população idosa, como se sabe, foi priorizada na Campanha Nacional de Vacinação contra a covid-19 e começou a ser vacinada no início deste ano.

Com base na recomendação das autoridades sanitárias e na experiência internacional, o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), afirmou em entrevista à rede CNN Brasil, no dia 17 passado, que o Estado iniciara estudos para aplicação de uma terceira dose da vacina contra a covid-19 na população mais vulnerável ao vírus. “A terceira dose está em avaliação, sim, e, se houver necessidade, os programas de imunização adotarão esta medida”, disse Doria, enfatizando que, “se necessário for, o governo de São Paulo irá providenciar mais doses da Coronavac” para a população.

Em coletiva no Palácio dos Bandeirantes na quarta-feira passada, Doria anunciou que a aplicação da terceira dose em indivíduos com 60 anos ou mais começará no dia 6 de setembro no Estado de São Paulo.

No dia seguinte, o Ministério da Saúde publicou nota técnica detalhando a aplicação da dose de reforço em todo o País. Neste primeiro momento, a pasta priorizará no plano de vacinação a aplicação da terceira dose em idosos com mais de 70 anos e em pessoas imunossuprimidas, caso de indivíduos submetidos a transplante de órgãos sólidos ou de medula óssea, pacientes em tratamento de câncer, portadores do HIV, entre outras condições clínicas. 

A boa-nova traz enorme alívio para a população diretamente atingida e seus familiares, haja vista que estes grupos prioritários não apresentam uma resposta imune à vacina tão robusta como a de pessoas mais jovens ou que não tenham o sistema imunológico comprometido por alguma doença ou por efeito de medicamentos.

Inicialmente, aventou-se a possibilidade de começar a aplicação da dose de reforço nos idosos e nos profissionais da área de saúde. Mas, em boa hora, o Ministério da Saúde decidiu priorizar os imunossuprimidos. A decisão faz todo sentido. É razoável inferir que a maioria dos profissionais que atuam na chamada linha de frente do combate ao coronavírus não tem o sistema imunológico comprometido. E os que têm estarão cobertos pelos critérios definidos na nota técnica.

De acordo com a orientação do Ministério da Saúde, o reforço da terceira dose valerá para quem tomou qualquer uma das vacinas usadas na Campanha Nacional de Vacinação contra a covid-19 há pelo menos seis meses e será realizado, preferencialmente, com a aplicação de uma dose extra da Pfizer, de matriz RNA mensageiro. Na falta deste imunizante, as alternativas serão as vacinas de vetor viral Janssen ou AstraZeneca.

É importante deixar claro que a aplicação da terceira dose da vacina contra a covid-19 não significa, de forma alguma, que as duas doses que asseguram imunização completa – ou a dose única, caso da Janssen – não sejam seguras ou eficazes. A dose extra é apenas isto, uma proteção adicional para pessoas que, dadas a idade ou condições clínicas, não apresentam a mesma resposta imunológica que a maioria dos indivíduos.

Não se descarta a vacinação periódica de toda a população, independentemente de idade ou condição de saúde, tal como ocorre com a imunização contra outras doenças, como a influenza, por exemplo. “Se os estudos científicos concluírem que isto será necessário”, disse Rodrigo Cruz, secretário executivo do Ministério da Saúde, “toda a população será revacinada contra a covid-19 em 2022.”

O avanço da vacinação e, agora, a aplicação de uma dose de reforço para os mais vulneráveis são indicativos de que a tão ansiada imunidade coletiva está mais próxima.

Epidemia de aumentos

O Estado de S. Paulo

Prévia da inflação mostra contaminação geral dos preços e governo sem rumo

Com dinheiro curto, comida cara e forçado a economizar no gás e na luz, o brasileiro comum já enfrentou uma alta de preços de 5,81% no ano e de 9,30% em 12 meses, segundo a prévia da inflação de agosto. O aumento mensal, de 0,89%, foi o maior para agosto desde 2002, quando atingiu 1%. A atual epidemia inflacionária contaminou oito dos nove grandes grupos de bens e serviços pesquisados. Ficou bem mais difícil morar, comer, usar veículo próprio e distrair-se com rádio ou televisão, mas o ministro da Economia, Paulo Guedes, mostra-se confortável e pouco preocupado. Os números são do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – 15 (IPCA-15), com preços coletados entre 14 de julho e 13 de agosto.

Uma inflação anual entre 7% e 8% está “dentro do jogo”, disse o ministro na segunda-feira, negando qualquer descontrole. A inflação está subindo em todo o mundo, argumentou, e deve chegar a uns 7% nos Estados Unidos. Não é bem assim. No Brasil o surto inflacionário é bem maior que em quase todo o mundo emergente e desenvolvido. Nos 12 meses até junho os preços ao consumidor subiram em média 4,6% no Grupo dos 20 (G-20), 2,2% na União Europeia e 4,1% no conjunto da Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE). No mesmo período, o IPCA aumentou 8,35% no Brasil, enquanto o desemprego permaneceu mais que o dobro do observado nas economias de renda média e alta.

A inflação brasileira está fora do jogo, ao contrário da avaliação do ministro Paulo Guedes. Para começar, a última projeção do mercado, de 7,11% em 2021, supera de longe a meta (3,75%) e até o limite de tolerância (5,25%) fixados pelo Conselho Monetário Nacional. Em segundo lugar, a alta de preços estimada no mercado para o próximo ano, de 3,93%, está bem acima do centro da meta (3,50%). Se as previsões estiverem certas, os preços continuarão subindo rapidamente, enquanto o crescimento econômico será igual ou até inferior a 2% – abaixo do medíocre, portanto.

Além disso, o conjunto das projeções tem piorado e deve seguir piorando, se o presidente Jair Bolsonaro insistir em causar insegurança quanto aos gastos federais, à dívida pública e à sustentabilidade das finanças oficiais. Juros altos, câmbio instável e dólar caro continuarão complicando o cenário e dificultando a recuperação, ainda muito lenta, da economia brasileira.

É arriscado apostar, neste momento, numa inflação de 7,11% em 2021. Será preciso conter as atuais pressões para baixar a taxa acumulada e levá-la até aquele nível, já muito elevado. Apesar das oscilações, as taxas mensais têm permanecido muito altas e as variações acumuladas em 12 meses têm aumentado seguidamente.

Tendo superado 9%, a alta do IPCA-15 em 12 meses prenuncia um quadro muito parecido com o dos meses finais da presidente Dilma Rousseff. De novembro de 2015 a fevereiro de 2016, a inflação anual passou de 10%. O surto foi contido com uma forte alta de juros, suficiente para mudar rapidamente as expectativas e frear os preços. Além disso, o novo governo, embora destinado apenas a completar o mandato de uma presidente removida do posto, havia mostrado uma forte disposição de iniciar o conserto das contas públicas. As mudanças no Ministério da Fazenda e na direção do BC com certeza contribuíram para a mudança de expectativas.

Mas o combate à inflação, hoje, é especialmente complicado por vários fatores. Para começar, é preciso levar em conta a difusão da alta de preços. Os aumentos ocorreram, no último mês, em oito dos nove grandes grupos de bens e serviços. Não se resolve o problema cuidando deste ou daquele item. A crise hídrica, com seus efeitos no custo da eletricidade, é certamente uma questão muito importante, mas é uma entre muitas. A diretoria do BC ainda tem credibilidade, mas tem sido incapaz, em seu trabalho, de anular ou mesmo de atenuar os efeitos da ação presidencial, da desorientação da equipe econômica e do descrédito do ministro da Economia. Nenhum aperto monetário compensa um Executivo tão ruim chefiado por um presidente devastador.

Perto do apagão

Folha de S. Paulo

Escancara-se o risco de que falte energia elétrica no país, e é preciso planejar

Com a falta de chuvas nos últimos dois meses, inferiores ao padrão já escasso do mesmo período de 2020, ficou mais evidente a ameaça de que a geração de energia se mostre insuficiente para manter o fornecimento até novembro, quando se encerra o período seco.

Apesar do quadro dramático —a pior crise hídrica em 90 anos— e das recomendações para a adoção de medidas de redução de riscos, o governo se mexe devagar.

De modo patético, Jair Bolsonaro pediu que os brasileiros apagassem “um ponto de luz” em suas casas, sem explicar a dimensão do problema, que já surge nos sucessivos aumentos da conta de luz.

A inglória tarefa fica apenas a cargo dos órgãos técnicos, que ao menos estão agindo, embora de maneira incremental. Novas simulações do Operador Nacional do Sistema (ONS) mostram agravamento, com destaque para a região Sul, onde o nível dos reservatórios até 24 de agosto caiu para 30,7% —a projeção anterior apontava para 50% no fechamento do mês.

Mesmo no cenário mais favorável, que pressupõe um amplo conjunto de medidas, como acionamento de grande capacidade de geração térmica, importação de energia e postergação de manutenção de equipamentos, o país chegaria em novembro praticamente sem sobra de potência, o que amplia a probabilidade de apagões.

Embora se espere que tais medidas sejam suficientes para evitar racionamento neste ano, não se descartam sobressaltos pontuais, no contexto da alta demanda a que o sistema será submetido.

Apesar da ausência de liderança do presidente, é um primeiro passo o anúncio, feito pelo ministro de Minas e Energia, Bento Albuquerque, de um plano de descontos na conta de luz para consumidores que se dispuserem a economizar energia voluntariamente. O custeio desses incentivos recairá sobre todo o sistema.

Mesmo que se consiga chegar a novembro sem interrupções na carga, os riscos não terão sido superados. As restrições à vazão em reservatórios importantes, que vigoram há anos, não bastaram para recuperar os níveis de água.

Se o regime de chuvas no verão não superar a média dos últimos anos, a margem de manobra para 2022 será ainda menor. Calcula-se que, nesse quadro, a geração térmica, mais cara, tenha de permanecer durante todo o período úmido, o que seria algo inédito.

Desde já o país precisa considerar os piores cenários e agir com toda a prudência possível, com foco em investimentos na geração, modernização de turbinas em hidrelétricas antigas e planejamento para ampliar a resiliência do sistema.

Auxílio antievasão

Folha de S. Paulo

Governo de SP acerta ao criar bolsa para incentivar permanência no ensino médio

Não se contam como poucos os impactos da pandemia de Covid-19 sobre a precária educação brasileira. Particularmente vulneráveis se mostram estudantes do ensino médio que a crise econômica empurra para o trabalho, de modo a reforçar a renda da família.

Pesquisas indicam que a evasão escolar pode até triplicar e alcançar entre 30% e 40%. No retorno às aulas presenciais agora em agosto, 38% dos alunos da rede municipal paulistana não compareceram (se bem que parte disso pode ser decisão de famílias temerosas, que preferem o ensino a distância).

Chega em boa hora, assim, a promessa do governo paulista de contra-arrestar a tendência à evasão com uma bolsa de incentivo para a permanência na escola. A verba destinada, R$ 400 milhões, prevê pagar a até 300 mil jovens o valor de R$ 1.000 anuais, em 2021 e 2022.

Seriam contemplados, inicialmente, 267 mil secundaristas (21,5% de 1,24 milhão de estudantes do ensino médio) inscritos no cadastro único federal, que arrola famílias em situação de pobreza ou pobreza extrema. Mas elas precisam registrar-se de novo no programa Bolsa do Povo Educação.

Os beneficiados se obrigam a manter um frequência mínima de 80%, realizar avaliações e dedicar duas horas por dia a estudo pelo aplicativo do Centro de Mídias. Além disso, terceiranistas terão de comparecer a atividades preparatórias para o Exame Nacional do Ensino Médio (Enem).

As contrapartidas exigidas vão na direção correta, por manter foco antievasão, repetindo assim um aspecto elogiado do programa federal Bolsa Família. A dúvida é se elas não se mostrarão dificultosas para jovens premidos pela penúria em casa, diante do valor relativamente modesto do estipêndio.

A fim de garantir o objetivo pretendido, não seria má ideia cogitar elevar a quantia desembolsada. Cabe assinalar que o governo João Doria (PSDB) remanejou R$ 50 milhões da Educação para publicidade institucional da pasta, transferência digna de espécie por ocorrer em véspera de ano eleitoral.

Recomenda-se, por fim, que o cadastramento seja ágil, de maneira a não cumular famílias com excessos comprobatórios. Os benefícios sociais de governos municipais, estaduais e federal se multiplicam, não raro engendrando cipoal burocrático difícil de transpor para candidatos de baixa escolaridade.

Mesmo com tais ressalvas, o programa acerta ao enfrentar um dos principais gargalos, se não o principal, do ensino público brasileiro.

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